Thursday, May 22, 2014

MORAL POSITIVA - Pierre Laffitte - 21 ffev. 1823, Béguey -- 4 jan. 1903, Paris

MORAL POSITIVA 


SUA NECESSIDADE ATUAL SEUS CARACTERES FUNDAMENTAIS E SUAS PRINCIPAIS APLICAÇÕES.

Conferência redigida por Émile Antoine

Versão brasileira de João Francisco de Souza
E
Antenor Rangel Filho

Rio de Janeiro – 1938

                                                                       PREFÁCIO

Um importantíssimo enfoque à cultura moral e social do Brasil e de Portugal acaba de prestar os nossos compatrícios Drs. João Francisco de Souza e Antenor Rangel Filho, traduzindo para o vernáculo um interessante e útil trabalho de Pierre Laffitte, sob o título “Da Moral Positiva”, constante de uma conferência feita no Havre, a 4 de Dezembro de 1878 posteriormente desenvolvida e publicada naquela mesma cidade da França.

Além de salientar, com rara clareza, fundamentos da Moral como ciência final, o emitente conferencista ainda assinala sua necessidade atual e descreve-lhe a evolução até atingir ao estado positivo.

Saindo da família dos antropomorfos e destacando-se da animalidade originária, o Homem caminha incessantemente, embora a passos lentos, para região longínqua, cujo limiar só foi divisado por espírito de escol, quando, contemplando o conjunto do passado humano e logrando emancipar-se de preconceitos falsos, apanhou a relação invariável segundo a qual se vai desenvolvendo essa série.

Apreciada, até então, com o propósito obstinado de prolongar indefinidamente um dos estados transitórios da nossa evolução, e para esse fim rompendo-se a continuidade histórica, pela condenação e ridículo do passado humano. A Moral ainda hoje se acha, para o vulgar dos intelectuais, sob tutela da teologia, ou, para os menos retardados, em pleno domínio da metafísica democrática. Conhecendo nossa evolução sob seu tríplice aspecto - prático, intelectual e afetivo – e caracteriza o futuro para o qual tende a nossa espécie, tais são as condições precípuas para que se possa aceitar a Moral, não como um conjunto de preceitos divino, nem de vãos preconceituosos populares, mas como uma ciência tão positiva qual a Astronomia, formada de leis naturais tão incoercíveis como as que regem o movimento do nosso sistema planetário, embora muito mais complicado e, portanto, menos precisos, mas permitindo também a previsão.

Por meio da Astronomia podemos prever, para cada momento do futuro, a posição dos astros na abóbada celeste, ou refaze-la para cada instante do passado. Por meio da Moral positiva podemos determinar o estado intelectual, afetivo e ativo da sociedade, em qualquer fase da sua evolução, sem todavia a extrema precisão inerente à simplicidade das leis que regulam a variação quantitativa das grandezas. Se a ciência astronômica exige preliminarmente a elaboração matemática, a ciência moral reclama uma preparação muito mais extensa e profunda, caracterizada principalmente pela Sociologia e pela Fisiologia cerebral.

Dizendo Sociologia, refiro-me à Sociologia de Augusto Comte, a essa ciência eminentemente positiva, cuja base estática já havia sido lançada pelo famoso Filósofo de Estagira - Sócrates, e cujas leis dinâmicas pressentidas por Condorcet foram finalmente formuladas pelo inovador moderno, e não a certos amontoados desconexos e heterogêneos de fatos e apreciações ingênuas, e não raro acacianas, pomposamente decoradas com o título de Sociologia. Dizendo Fisiologia cerebral, refiro-me à ousada tentativa de Gall, buscando estender ao celebro a Fisiologia geral, considerando como funções desse aparelho não só as faculdades intelectuais, conforme o próprio pensamento dos antigos, mas ainda a atividade cociente e os impulsos afetivos atribuídos até então às vísceras vegetativas. Refiro-me a esse problema genialmente posto, apenas, por Gall, e plenamente resolvido por Augusto Comte, e não a essas dissertações vãs, oriundas da metafísica alemã, que trazem a denominação de Psicologia dada por Wof, no começo do século XVIII, a essa pretendida ciência que se crê superior à Fisiologia e que contraria o verdadeiro espírito fisiológico, admitindo função sem órfão.

Se a constituição da Fisiologia geral impõe, como preliminar, o conhecimento estático do organismo, isto e, dá anatomia, e como complemento o do meio em que se dá a dupla troca com o ser vivo; a formação da Fisiologia cerebral, que serve de fundamento à Moral positiva, reclama, com razões igualmente fortes, o estudo estático do cérebro e a análise completa do meto social que sobre ele age e dele recebe modificações em graus diversos. Incomparavelmente menos estável que o meio físico e sujeito a uma evolução cujas leis só foram formuladas no começo do século XIX, o ambiente social tem exercido no homem influência tão forte, tão patente e tão decisiva que já se tornarem populares estas sentenças, frisando a ação do meio e a do tempo; “o Homem é filho de seu meio; o Homem pertence o seu século, mesmo a seu pesar”.

Laffitte põe com admirável clareza o problema da Moral Positiva, e o que é mais, lembra que esse problema, qual o da medicina, houve de ser abeirado desde o começo da evolução humana. A sociedade não podia aguardar o estado atual dos nossos conhecimentos para só então receber o concurso dos homens, nem para curar-se dos males ou sequer mitigas seus sofrimentos.

Ela tinha que resolver o problema de qualquer modo ou por qualquer processo. Dada a insuficiência da razão abstrata, hoje que recorrer à razão concreta, ao puro empirismo. Assim pois, a Moral passou sucessivamente pelos três estados – fictício, abstrato e positivo, ou socialmente – teológico, metafísico e positivo.

O ilustre conferencista analisa com superior mestria a Moral teológica, a Moral metafísica e a Moral Positiva, tornando-se brilhante no confronto desses três sistemas, porque, inteiramente emancipado dos estados preparatórios da evolução humana, ele os aprecia insuladamente e à luz da ciência enciclopédia sob o impulso de admiração pelo passado e com o perfeito sentimento e compreensão da continuidade histórica.

Nessas condições, mostra a justeza com que a teocracia conjurou o Homem a conhecer-se a si mesmo — nasce de inpulso que inspirou a sentença Proferida no elegante verso de Pope :

— The proper study of mankind is man.

Transmitindo o ensino de A. Comte, Laffitte justifica que o estudo do Espaço e o da Terra formam um vasto preâmbulo do estudo da Humanidade.

    A leitura desse memorável opúsculo dá uma idéia perfeitamente clara da natureza do problema moral, da complexidade de sua solução no ponto de vista teórico, e do modo por que foi sua solução buscada empiricamente sob o impulso de nossa sociabilidade crescente.

Longe de nos envaidar dos conhecimentos de hoje e de nos dispor a desdenhar o passado, essa leitura desperta profunda admiração pelas fases anteriores da nossa evolução e pelo conhecimento dos recursos da razão humana ­suprindo com o empirismo as falha do dogmatismo. De modo tão belo, tão lógico e tão científico esse opúsculo apresenta o futuro humano, ligando-se ao passado na matéria mais eminente ao nosso espírito, que não hesito em afirmar que felizes são aqueles que o terem e entenderem.

                                                           Rio de Janeiro 4 de Abril de 1938.

                                                                                  Agliberto Xavier.


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                                                           MORAL POSITIVA

Nos tempos de revolução, a dificuldade não é cumprir o dever; é saber em que consiste o dever.

                                                                                                                                 TÁCITO


PRIMEIRA PARTE

Necessidade hodierna da moral positiva.

Capitulo Primeiro

Situação presente no ponto de vista da moral.

Resumo

O Objetivo deste trabalho. Um sistema de Moral Positiva, isto é, cientifica por sua base, destino e meios de realização, tornou-se imprescindível pela emancipação crescente dos espíritos e advento da República; inevitável, pela evolução dos conhecimentos teóricos, cujo cúpula é o positivismo.

Nosso propósito é demonstrar que o advento de um sistema completo de moral positiva se tornou necessário, vale dizer, tão imprescindível quanto inevitável em virtude da situação da França, da existência da República e da série dos antecedentes históricos.

Tem o positivismo por destino o estabelecimento e a propagação deste sistema, que, embora já exista, necessitará aperfeiçoamentos quando oportuno, estando fadado a prevalecer pela livre aceitação dos cidadãos gradualmente convencidos.

Não faz parte de nosso projeto apresentar o conjugo desta moral, por extremamente considerável; contentar-nos-emos com a indicação sumária de seu espírito genérico, de suas bases indispensáveis e principais aplicações.

Que se deve entender por sistema de moral? Damos este nome ao conjunto de regras universais, que servem à Humanidade para dirigir e aperfeiçoar a vida individual, doméstica e social.

Encaramos a vida social em sua maior extenção, isto é, concebemos a existência humana como ligada não a uma só pátria, mais a todas as outras. Cujas relações apresentam, dia a dia, desenvolvimento e complexidade crescente. Tendendo a abranger, por fim, todo o nosso planeta.

Parar conseguir semelhante universidade, deve o sistema de moral apoiar-se numa doutrina genérica, há um tempo útil e verdadeiro, cujo conjunto seja tão homogêneo e conexo que qualquer problema nele encontre solução.

É mistér que, em todas as circunstâncias, cada indivíduo saiba precisamente o que deve pensar e fazer, para que os seus concidadãos, sujeitos à máxima idênticas, possam fornecer-lhe o necessário concurso.

Todas as questões, que surgiram entre nós e os turcos, entre os indús e os chineses, necessitam de soluções precisas e demonstráveis. Já se não trata de invocar considerações vagas, como a Justiça. a Fraternidade, o Amai-vos uns aos outros!...

Amar é muito belo e em nada prejudica. Mas, não basta isto!  Foi em nome dos sentimentos de humanidade que se fizeram tantas vítimas na Bulgária!

Cumpre-nos pois, demonstrar até que ponto e de que forma se devem satisfazer às condições de afeição e devotamento, de acordo com uma moral que indique, em todos os casos, a conduta conveniente para os governos. Isto ainda não se fez, mas é o que se torna necessário determinar rigorosamente à face do conhecimento real de nossa natureza e situação.

Só o espírito científico se mostra capaz de alcançar essa meta, porque o espontâneo deste espírito é evitar a indeterminação e o arbitrário.

Qual a orientação genérica de um sistema de moral positiva? A de só apresentar normas puramente humanas, constituindo moral exclusivamente científica por suas bases, destino e meios de realização.

Ser científica por suas bases, é fazer que as regras morais repousem sempre na observação da natureza humana e do mundo em que vivemos, bem como na evolução social que nos domina. Elimina, por conseqüência, como fictícias, todas as soluções em que a Humanidade não intervenha como medianeira entre o mundo e o homem, quer por se lhe negar ligações, quer por se transformarem estas ligações em identidade. Procura documentar-se nas observações dos poetas, dos moralistas, dos historiógrafos, intérpretes do bom senso vulgar.

Em semelhante moral, que se refere exclusivamente ao possível, as regras são sempre demonstráveis e podem, portanto, ser aceitas por todos os indivíduos adultos.

Ser científica pelo destino, equivale a só ter em vista um fim puramente terrestre, perceptível e verificável, sem fazer jamais intervir a consideração de uma vida futura, hipotética, sucessora da verdadeira.

Todas as concepções que não convenham às nossas diversas necessidades morais, intelectuais e físicas devem ser afastadas. Somos cidadãos da Terra, e não nos interessa coisa alguma que se encontre fora dela e fora da existência da espécie humana, sobre o nosso planeta.
                                
Quanto aos que se preocupam com outros objetivos e se julgam cidadãos do Céu, desde que não cuidem de sua salvação antes de ter cumprida os deveres terrestres, que o façam à vontade. O espírito positivo é cheio de relatividade!

Só nos poderemos entender com eles, todavia, por considerações atinentes a esta vida, que necessariamente suportarão... Seu fim ninguém conhece, mas comporta, quanto aos meios, uma infinidade de soluções possíveis, nas quais, entretanto, não haverá, certamente, quem possa apoiar qualquer determinação.

Quando desejamos ir à China, podemos discutir os diversos caminhos, pois temos em vista um escopo preciso. Há possibilidade real. Do mesmo modo, quando trataram de construir a estrada de ferro de Paris a Dieppe, mau grado a multiplicidade de soluções reais possíveis, não na fizeram passar pela Rússia, porque existiam, entre os dois pontos fixos, limites determinados pelas necessidades das populações e pela configuração e natureza do solo, vale dizer, por condições verificáveis.

Assim acontece em moral positiva, porque nossas razões são sempre verdadeiras e demonstráveis, sem cair na especialização acadêmica.

Só uma ciência existe: a Moral. Qualquer estudo que se não ligue, pelo método ou pela doutrina, à existência e ao desenvolvimento da Humanidade, é, para nós, destituído de valor.

Trata-se de moral, tendo por destino reconhecido o governo do Ocidente e da Terra, de moral de cidadãos colocados no ponto de vista do conjunto, e que permite compreender como a existência de cada indivíduo se liga à dos outros habitantes do planeta, explicando como o voto pessoal pode ter influência, ditosa ou funesta, sobre a marcha da civilização.

Ser cientifica nos, seus meios de cumprimento, é empregar, apenas, como sanção, processos puramente humanos, sem fazer que intervenham, em caso algum, temores ou esperanças sobrenaturais.

Não nos dirigimos aos que se servem de outros processos e que se guiam por outros princípios; deixamo-los tranqüilos. Se necessitam de um bastão em que se apóiem, não nos achamos absolutamente dispostos a lho arrebatar. Trata-se de um fato íntimo e pessoal, e cada um sabe com que linhas se deve coser.

Para ganhar o Céu, os teologistas podem harmonizar-se como entenderem. Somos incompetentes no que toca às suas vias, e se, de fato, existirem, não  podemos conhecê-los.

Um dever mais piedoso, mais urgente, prende-nos a Terra. Sabemos o que buscamos e o modo de alcançá-lo, e, para expungir os vícios, a ignorância e a miséria, estamos  resolvidos a alterar as coisas modificáveis no grau em que o puderem ser, e a só nos resignarmos diante do impossível.

                                 Assim, sem temor e sem esperar o socorro de qualquer poder sobrenatural, contamos, apenas, conosco para restituir a direção dos negócios terrestres exclusivamente aos que se interessam por eles, eliminando todos os outros.

Mas, será possível desprezar todas as considerações sobrenaturais em moral, e atingir tão perfeita emancipação? Sem dúvida, desde a plena maturidade do espírito humano!

                                 Existe, com efeito, em toda a parte; e mormente em França, grande número de espíritos não só indiferentes, mas até hostis à moral teológica. É fato verificado pelos que deploram o desuso crescente do teologismo.

Lamentam os interessados que, cada vez mais, a sociedade se aparte de Deus e atribuem tal desamparo à corrupção humana. Mas é pueril semelhante asserto! Uma vez que teen a profissão de convencer os homens, que se façam crer. Em sendo necessários policiais para obrigar a segui-los, tornam-se, então, inúteis, e também a polícia, porque seria preciso outra para intimidá-la.

Aliás, a perfeita emancipação é conseqüência do passado: tornamo-nos incrédulos, porque, assim nos fizeram nossos pais. Não somos os responsáveis!

Sempre existiram espíritos emancipados; mas o sue número cresce constantemente, há duzentos anos.

Nos salões do século XVIII, certos homens superiores desdenhavam para si a teologia, e notavam-se, nesta época, tipos de grande valor, como os Diderots e os Frederícos, orientarem francamente a vida sem nenhuma intervenção sobrenatural.

Os governantes imitaram-lhes o exemplo. Poderiam atuar como chefes, utilizando as crenças da massa popular, sem embargo do desprezo que por elas professavam. Essa religião teológica, que para si não queriam julgava-na ainda boa para o povo.

Semelhante processo de governo hoje seria ilusório. O estado dos espíritos é muito diverso, e os papeis já se acham substituídos.

Quando apenas existia um pequenino número de emancipados, podia pensar-se que a moral teológica houvesse sido feita, não para a gente, mas para os outros. Hoje em dia, este propósito não engana ninguém!

A incredulidade conquistou todo o mundo; a inteligência, o capital, o trabalho, o próprio povo tornou-se indiferente e hostil.

Em desespero de causa, as antigas classes dirigentes não acharam outro meio de reanimar a fé se não pelo sacrifício, deixando de ser voltairíanas para se tornarem católicas... Em se colocando, porém, tão abaixo das necessidades mentais da época, eliminaram-se a si próprias do governo.

Como poderia o catolicismo, que em seu explendor não conseguiu impedir o surto do espírito revolucionário, disciplinar os que já não temem o seu inferno nem acham atrativos no seu paraíso; que não querem crer nas prescrições da sua fé inconsciente, e que não mais aceitam a moral teológica, que os aborrece e repugna?! Pode ser que estejam errados mas o fato é incontestável: o processo jesuítico não engoda mais ninguém!

A incredulidade, que conquistou, pouco a pouco, a França e o Ocidente, tende a tornar-se universal. Sempre houve no Oriente pessoas emancipadas de Deus; neste particular, os árabes e os turcos teen oferecido os mais extraordinários exemplos.

Atualmente, as classes superiores e os espíritos de escol, islamitas, indús, japoneses e chineses encaram as concepções teológicas como puerilidades, boas, quando muito, para o povo ignorante. A necessidade da moral positiva interessa, efetivamente, os homens de estado e as almas elevadas de toda a Terra.

Em França, a questão está na ordem do dia desde 1789. A necessidade de u’a moral positiva, cumpre dizê-lo, sente-se profundamente por toda à parte em nosso pais e o advento definitivo da República emprestou-lhe um caráter de urgência, que impressiona todos os espíritos.

Sob a ditadura monárquica, os emancipados disfarçaram a intimidade dos seus pensamentos em fórmulas teológicas, e a situação, pelo menos oficialmente, mantinha-se velada: no alto, o desprezo; abaixo, a credulidade.

Como a Republica, o sistema de hipocrisia transformou-se em sistema de contemplação. Já não existia mais a necessidade de alardear crenças de que se não participava, porque não havia a excusa de poupar aos governantes atos de atrocidade.

A França republicana possui, à frente do movimento, ativa massa energicamente liberta da teologia. Na sua maioria, o povo, são as classes mais numerosas e menos instruídas, são os eleitores. Tomaram a sério a sua função e pensam servir-se, cada vez mais, do seu poder.

A República destruindo todas as ilusões, estabeleceu nitidamente o problema da necessidade de uma nova direção moral.

Devemos, ainda uma vez, referir que não propomos este escopo aos que já possuem solução e que, se governarem, estão afeitos a outros processos. Desprezar antigos hábitos morais poderia ter inconvenientes, e se eles assistirem as nossas preleções, sempre públicas, ficam com a inteira responsabilidade.

Não é a eles que nos dirigimos, mas aos que, de todo emancipados reclamam por uma moral puramente humana, àqueles, em particular, que o teologismo declara incuráveis, incapazes de subordinação e de governo voluntário. Onde o sacerdote de Deus malogrou, nós, ministros da Humanidade, pretendemos fazer livremente a direção positivista e o novo poder espiritual.

A esta massa crescente de indivíduos, voluntariamente saídos do catolicismo e dos outros teologismos, diremos que não deve nem pode permanecer sem direção moral sistemática.

Já se deixa ver que ela dispensa a moral teológica. Mas que moral adotar? Porque é necessário substituí-la, se quizermos agir, sem procurar incessantemente onde esta o dever.

Cumpre educar as crianças. Que preconceitos, porém, será mister ensinar-lhes? Não nos podemos contentar com a solução degradante que nos mostra um pai incrédulo fazendo educar cristãmente seus filhos. É contraditório que um chefe de família critique a teologia durante toda a vida e se utilize, em todos os casos importantes, dos sacramentos de uma igreja teológica.

No exame do papel e dos deveres da mulher, que as suas diversas funções de mãe, esposa e companheira podem sugerir, continuar-se-ão a resolver os debates, pela solução teológica, que tem por base o puro aspecto anatômico? A legitimar-lhe a subordinação pela sua proveniência de uma costela extranumerária extraída do homem por processo cirúrgico desconhecido! Isto é simplesmente ridículo, e semelhantes discussões nunca deram resultado!

Nos gravíssimos problemas que agitam a sociedade, já não bastam mais inspirações: a República quer cidadãos!

Uma população republicana precisa de diretrizes inteiramente diversas, O homem é um animal assaz inteligente e honesto para aceitar as soluções positivas, quando explicadas convenientemente.

A dignidade da mulher e do proletariado revolta-se contra a perpetuidade de tal argumentação: pedem, afinal, que se lhes apresentem razões e não contos pueris, que as próprias crianças já não aceitam sem repugnância.

Esta moral teológica, que tem a pretensão de governar, é, por dois motivos, insuficiente: já não tem influência sobre a massa ativa, diretora e, por conseqüência a que mais necessita ser regrada; e é, além disto incompleta porque se acha em presença de conflitos que não previu e aos quais não se pode adaptar.

A moral que a substituir, para satisfazer às necessidades da situação deve abraçar o conjunto dos negócios humanos, sob qualquer aspecto, de jeito que institua uma política verdadeiramente universal.

Quer isto dizer, deve ela repousar sobre a ciência, espontaneamente apaziguadora, e que por si mesma, em virtude da crença que inspira nos faz reclamar por uma moral cientifica.

Vem o positivismo satisfazer a essa necessidade geral de união de todos os espíritos ativos, e cuidamos que chegou o momento de lhes expor este sistema de moral, lenta e gradualmente elaborado.

O advento da Moral positiva, com a Humanidade por base, fim e sanção, é a cúpula do desenvolvimento de nossa espécie.

Estão crêados tanto o sistema como o sacerdócio, que tem a missão de ensiná-lo e fazê-lo prevalecer. Coube a sua concepção a um homem de gênio, e só nos resta agora vulgarizá-la e aplicá-la. É facílimo obtê-la. Não é mais titulo existente num cartão em branco; a estante está repleta! Já se não trata de coisa por fazer, mas de obra acabada.

Com o caráter eterno de todas as grandes creações políticas ou religiosas, o sistema de moral positiva, construído com o auxilio de subsídios seculares, desenvolveu-se lentamente e levou cinqüenta anos para constituir-se.

O escopo da vida de Augusto Comte foi à fundação de um sistema de moral teórica e prática e de um novo poder espiritual.

Desde os seus exórdios, preocupou-se com isto, e aos vinte e dois anos, escrevia:

— Enquanto a moral permanecer exclusivamente estribada nas crenças religiosas (1), será inevitável que a direção geral da educação pertença, em última análise, a um corpo teológico.

(1) Augusto Comte emprega aqui, como equivalentes, as duas expressões — teologia e religião. Mais tarde observou  havia uma religião onde se encontrasse uma fé, regulando a atividade, tanto pessoal como coletiva, e que, assim encarada, a religião era uma instituição fundamental da Humanidade, sujeita, como todas as outras, à lei de seu desenvolvimento; a teologia representava-lhe a fase inicial e fictícia.

Alias, esta confusão, em A, Comte, foi apenas de palavra; nunca existiu em suas concepções e jamais — esta citação é a prova disto — qualificou como teológica a fé positiva, que, durante toda a vida, procurou construir, tendo como conseqüência necessária à eliminação do sobrenatural (E. Antoine).

                                   Os homens, que tão vivamente se erguem hoje contra os jesuítas, contra os missionários e as outras corporações religiosas, deveriam, pois, sentir claramente que o único meio de afastar em definitivo o resto da influência destas sociedades seria fundar a moral na observação dos fatos. Enquanto não se fizer um trabalho deste gênero, todas as reclamações serão quasi inúteis, porque, em grande parte, vão bater em falso.” (Do conjunto do passado moderno — 1820)

                                 Não cessou Augusto Comte de elaborar a moral positiva. A principio, considerou-a apenas no ponto de vista prático, como resultado da aplicação das teorias positivas, o que exigiu a construção prévia do Sistema de Filosofia Positiva (1830—1842).

                                 Terminada esta obra basilar, reconheceu dava a moral prática motivo a teorias positivas especiais que deviam preceder, por conseqüência, à sua aplicação. Em 1848. fez delas o assunto do último ano de ensinamento positivista.

                                 Depois de lhe haver desenvolvido os principais aspectos no Sistema de Política Positiva (1851-1854) fixou o seu plano geral em 1856.

                                 Após trinta e cinco anos de preparo,  Augusto Comte dispunha-se a escrever o Tratado de Moral Positiva, quando a morte vem extinguir sua grande existência (24 de Gutenberg de 69 - 5 de Setembro de 1857). Construímos esta moral, apoiados no plano e nos elementos deixados pelo fundador do positivismo.

                                 Essa obra merece ser estudada. As soluções positivistas não são perfeitas mas são boas: a perfeição não se obtém no primeiro ensaio, e se tais soluções fossem perfeitas, seriam absurdas. Apresentam, necessariamente, em virtude de nossa situação e natureza, inconvenientes e defeitos que poderíamos indicar, e que, de fato, indicamos. Não pretendemos fazer anjos, mas homens!

                                 Afirmamos, entretanto, que este sistema é, atualmente o mais completo e o melhor que existe: o único que pode unir as almas de escol, indicando-lhes um fim comum para a atividade, sem se voltar contra o próprio destino, como sói acontecer com a moral católica, desde o fim da idade-média, e com a democrática, desde a Revolução de 1789. O único sistema, enfim, que, suscetível de obter de todos uma sincera adesão, permite substituir as providencias fictícias, que dirigiram nossas primitivas idades, por uma providência real.

                                   Em resumo, convidamos os homens a que tomem, sob a direção do positivismo, o governo racional de seus próprios negócios.

Capítulo Segundo

Papel do espírito positivo e do espírito teológico na instituição empírica das regras morais.

O passado determinou a fundação da moral positiva. Vemos naquele tempo, o espírito teológico coordenar e consagrar as descobertas do espírito positivo, tanto no governo espiritual como no temporal.

                                   Leva-nos o exame do presente estado social a analisar-lhe sumariamente o modo de formação, ligando-o à história.

                                 Foi o passado que determinou a creação de um sistema de ética positiva. Somos, em tudo, filhos de nossos pais; deles recebemos caráter moral e fisiológico indelével, e, especialmente, o conjunto das regras morais e políticas que nos dirigem.

                                 Insurgir-nos contra o seu imutável e tutelar império seria colocar-nos fora do governo humano o que, ainda assim, só poderíamos conseguir com o auxílio da linguagem creada por eles.

                                 A característica da plena emancipação e da verdadeira superioridade está em reconhecer, moral e mentalmente semelhante origem. Bom será que o homem não se julgue nascido de ontem e saiba não ser mister refazer a obra do s séculos. O necessário já existe e são os nossos antecessores que nos governam.

                                 O ódio do passado é uma pueril conseqüência da luta presente; é o lado fraco do partido revolucionário, demasiadamente esquecido de suas origens, e sem ter por seus predecessores o respeito que lhes e devido.

                                 Não é difícil compreender que se nossos pais fossem imbecis, como sustentam os teóricos revolucionários, não poderíamos ser, como pretendemos indivíduos notáveis.

                                 Não se conseguem transformar as espécies a tal ponto; uma lagosta nunca produzirá um elefante. Mau grado as afirmações gratuitas de Darwin, ainda não possuímos um único resultado cientifico que permita crer tenha sido ultrapassados os limites estabelecidos para a variação das espécies.

                                 Somos perfeitamente filhos de nossos pais. Vivemos è custa de seu imenso capital de moralidade, e, se o eliminamos em parte, mantemos mais do que ainda se possa imaginar. Antes de tudo, somos conservadores. Se essa herança moral se tornou insuficiente para dirigir a nossa conduta, resulta isto, sobretudo, da imperfeição da sua estrutura.

                                 Nessa tarefa de depuração delicadíssima, propusemos-nos, principalmente, construir uma ética homogenia. Trata-se de generalizar e coordenar as regras morais preexistentes, afim de que os deveres inerentes à Família concorram com os que regem a Pátria e a Humanidade, e reciprocamente.

                                 Esclarecendo o estado hodierno, permite o passado conceber de que modo à evolução anterior da espécie humana tornou o advento deste sistema de moral tão inevitável quanto imprescindível, isto é como essa evolução elaborava os meios de construí-la, arruinando, inteiramente as bases da sanção das antigas disposições.

                                 A semelhança de todas as construções da Humanidade, passou a moral sucessivamente pelos três estados, teológico ou fictício, metafísico ou abstrato, e científico ou positivo.

                                 A moral foi a princípio teológica. Antes, porém, do exame de sua necessidade, é mistêr precisar, em sua formação, a parte que coube ao puro teologismo, e o que resultou do bom senso, vale dizer, do espírito positivo espontâneo.
                                
                                 No estabelecimento das regras morais, caracterizaremos os papéis respectivos do espírito teológico e do positivo neste teorema fundamental: Quem descobre é sempre o espírito positivo; o espírito teológico, quando muito, pode coordenar e sancionar, sem ­jamais descobrir.

                                 Podemos desafiar o mais resoluto dos teologistas para que cite uma proposição científica. seja qual for, uma formação integral; por exemplo, que nos tenha sido revelada.

                                 As revelações sempre se exerceram sobre coisas fora do alcance do nosso exame, e sobre as quais nada podemos saber.

                                 Em se tratando, porém, de proposições de geometria, a coisa é diversa, pois será necessário demonstra-la, e ai está a dificuldade! Ora, não há perigo que Deus venha a revelar alguma, porque de não se mete nessas complicações.

                                 Se, todavia, a observação do mundo e da natureza humana fez descobrir as regras gerais relativas à direção do homem e da sociedade, elas só fora, de fato, sancionadas e coordenadas pelo processo teológico.

                                 Sob semelhante aspecto, o teologismo desempenhou, no surto da Humanidade, um papel capital; forneceu aos dogmas morais a estabilidade necessária, consagrada, em nome de uma vontade superior, as descobertas do espírito positivo.

                                 Foi justamente o que observou Bossuet, ao apreciar as religiões sobrenaturais anteriores ao catolicismo, sem estender, contudo, a mesma apreciação à sua crença, segundo o processo habitual dos teologistas. que só excetuam da ilusão as suas próprias fábulas.

                                 O teologismo, alem disto, consolidou as diversas regras morais. Atribuindo-as a uma fome comum, conseguiu com essa coordenação, cuja suprema consistência foi alcançada no monoteísmo, dar, a cada uma, a força de todas as outras.

                                 Para estabelecer a convicção fundamental de que sempre foi o espírito positivo que dirigiu as grandes construções da Humanidade — examinaremos duas dentre elas; consideraremos, na ordem temporal, a organização dos exércitos romanos, e, na espiritual, a catolicismo, essa obra-prima da sabedoria humana.

                                 Moises, senhor da sabedoria egípcia transmitiu-nos, no Decálogo, os elementos de seus grandes preceitos, que serviram de base à moral de todos os povos. Um hábil engenheiro, o Sr. Lê Play, retomando a tese de J. J. Rousseau acreditou que toda a moral humana nele se achasse contida.

                                 Seria absurdo acreditar que regras tão notáveis, resultantes de uma análise tão complicada, pudessem ser descoberta e formuladas por um povo nômade, dominado pelas concepções feiticistas. Ainda mais; seria absolutamente impossível que um homem embora tão eminente como Moisés, tivesse podido achar toda a verdade na mais complicada dentre as ciências, quando a geometria, ponto de partida da todo o desenvolvimento científico, necessário à preparação do estado normal ainda não havia surgido.

                                 Ora esta ciência, creada por Tales e Pitágoras, só recebeu os seus derradeiros aperfeiçoamentos, depois de Vinte séculos de labor.

                                 Em semelhantes condições era impossível conseguir diretamente a perfeição moral, a não ser por revelação divina. Mas evidentemente como é próprio das vontades absolutas, se foi Deus quem de fato, revelou os dez mandamentos, disse a Moisés, de uma só vez, tudo quanto havia sobre a matéria e o Decálogo ter-se-ia, assim Convertido em uma norma absoluta.

                                 Nas Epistolas entretanto onde estão formuladas todas as bases essenciais do catolicismo, S. Paulo estabeleceu a insuficiência da lei de Moisés: — “Ela nada levou à perfeição’. diz ele, retificando e completando o Decálogo pelo que chama o ministério do Evangelho.

                                 Precisando semelhante fórmula, verificou o sacerdócio romano a imperfeição dos mandamentos de Deus, juntando-lhes os mandamentos da Igreja; a primeira revelação não era, pois, a melhor.

                                 São Paulo proclamara que a lei de Jesus era superior à de Moisés, introduzindo, assim, pela vez primeira, a idéia de progresso em moral, até então encarada como imutável.

                                 Foi a lei de São Paulo, por seu turno, julgada insuficiente. Vemos, no fim, da idade-média. João de Parma, Joaquim de Fiore e os sectários do Evangelho Eterno substituírem as duas leis primitivas e imperfeitas, de Moisés e Jesus, por uma outra superior e definitiva — a do Espírito.

                                 Esta tentativa fracassou; mas certo é que devemos ao sacerdócio católico a noção de progresso, característica da influência da Humanidade, e segundo a qual qualquer ordem nova resulta do desenvolvimento da ordem anterior.

                                 Para não deixarmos dúvida alguma sobre o alcance de nossa apreciação e não sermos confundidos com os que, como Rousseau, se extasiam perante a majestade dos evangelhos, fulminando com o anátema o papado anticristão, diremos que só louvamos no catolicismo a incomparável sabedoria do sacerdócio.

                                 Longe de ter sido inferior à doutrina, foi esta, cuja estranha fraquesa deu ensejo a todas as zombarias que lhe embaraçou a ação legítima e necessária.

                                 Não é o Evangelho, a meta é que se mostra sublime! O que admiramos no clero católico — e como tal entendemos o de Roma, porque não existe se não um catolicismo — é esse devotamento social que, durante treze séculos, fez, da mór parte de seus membros, verdadeiros cidadãos da Terra.

                                 O que tentaram eles para seu tempo, pretendem os positivistas realizar agora, em situação, na verdade, muito mais complicada. Os seus recursos, porem, são mais poderosos, pois graças, em parte, aos seus predecessores católicos terão como apoio a massa proletária, ao envés de uma população de escravos e mulheres mais ternas e mais puras do que as da decadência romana.

                                 Serviria o dogma de Cristo, apenas, para uma religião de monges; nada pode instituir, não pode fundar nenhuma sociedade porque não dá apreço ao planeta humano.

                                 Essa tendência foi felizmente superada pelo bom senso vulgar e pelos antecedentes romanos. O Oriente cristão onde o dogma prevaleceu recorda pelo qualificativo de bizantino o que o espírito verdadeiramente evangélico produz sob o triplo ponto de vista, mental social, e moral.

                                   É Certo que a Igreja sempre se recusou a reconhecer tal filiação, mantendo a jactância de que só o Evangelho estabelecera os preceitos que ordenam o devotamento aos semelhantes, com todas as veras do amor, do saber e da força. Sancionava assim, a ingratidão, e tempo viria em que ela mesma havia de ser apreciada com igual injustiça.

                                 Muito antes do catolicismo, a Grécia. por seu surto abstrato, havia, embora sem as praticar, imaginado teorias sobre o homem e sobre a sociedade e proposto melhorá-los. Dai, esta disposição particular para admitir inovações entre os povos impregnados pelo espírito grego. sem a qual o catolicismo não teria podido surgir no império romano.

                                 Foi à Grécia que propagou com seus tipos poético de Prometeu e Hércules de Penélope e Antigone, as grandes noções morais estabelecidas pela teocracia caldaica, e sobretudo pela egípcia. Roma, por seu turno, fundando a política, universalizou esta civilização, fornecendo-lhe, assim, seculares aplicações.

                                 O catolicismo foi grande porque foi romano! Só no Ocidente romano se desenvolveu a civilização da idade-média, caracterizada pelo fim da escravatura. pela emancipação da mulher, pela feudalidade e pela separação entre o Estado e a Igreja.

                                 O papado achou uma eminente ordem social creada pelo povo que conquistara o mundo, produzindo tantas e tão grandiosas coisas, e que lhe transmitiu o seu admirável gênio e a sua elevada moral governativa: tornou-se o herdeiro efetivo, quando, segundo a expressão de Dante Constantino se fez grego para ceder ao papa a cidade de Roma.

                                 S. Paulo era cidadão romano; seus sucessores pontificais continuaram a obra social de Roma, modificada pela influência religiosa.

                                 Quem foram os primeiros papas? Homens de Estado, defensores e protetores da Cidade — romanos, enfim!

                                 Não foi, portanto, segundo o Evangelho mas apesar dele, que o papado consagrou com tanta sabedoria, todas as grandes creações do Politeísmo e do Feiticismo desempenhando este último, na evolução, o                                 papel que o lastro representa para um navio.

                                 O titulo de glória do sacerdócio católico é não ter hesitado em vencer os preconceitos do cristianismo. baseados no Evangelho, todas às vezes em que tratou de modificar determinada situação, para o bem da Humanidade.

                                 Para assim atuar, fora possuir profundo e real conhecimento de nossa natureza. Não modificariam tão completamente o cérebro dos homens, nem os governariam durante tantas gerações, sem ter instituído e ensinado preceitos positivos descobertas segundo as conseqüências realmente resultantes de nossos diversas maneiras de agir.

                                 Deste modo estabelecidas às normas, o sacerdócio afirmava que o Evangelho as havia revelado. A indeterminação deste livro permite que nele se encontre o que se desejar, mas, na realidade, os preceitos só eram percebidos no Evangelho, depois de serem descobertos alhures.

                                 Se tomarmos, por exemplo, o Catecismo de Montpellier, encontraremos um conjunto de noções preciosas sobre a natureza humana, cuja fonte mais importante foi à confissão: condensou-se nele uma cópia de observações em regras cheias de sabedoria, relativas às diversas maneiras de nos conduzirmos, quer para bem fazer, quer para afastar os inconvenientes. Apresenta, no entanto, em primeiro lugar, e de preferência, as razões humanas, depois Deus intervem como complemento da sanção positiva.

                                 No seu tratado Do Papa (1809), que é uma obra-prima, (não somos católicos, e assim podemos julgar livremente). De Maitre, a propósito da confissão. caracterizou tal processo com a nitidez e franqueza que lhe são peculiares:

                                 “Neste ponto, como em todos os outros, que fez cristianismo? Revelou o homem ao homem e apossou-se de suas inclinações, de suas crenças eternas e universais; descobriu os antigos fundamentos, se limpou de todas as máculas livrou-os das estranhas interpolações, honrou-os com o sinete divino, e sobre estas bases naturais, estabeleceu a teoria sobrenatural da penitência e da confissão. E o que digo da penitência, poderia afirmar de todos os outros dogmas do cristianismo católico; basta, porem, um exemplo;

                                 De fato, o romano empregou processos científicos e ensinou preceitos de moral positiva; se os formulou, foi depois de ter descoberto a solução científica. Na sua moral, sobrenaturais não eram os preceitos, mas a origem e sanção.

                                 Analisando agora as regras utilizadas pelos romanos para instituir gradualmente os princípios da organização dos seus exércitos. verificaremos também, que a teologia nada revelou no tocante aos processos para ganhar batalhas, embora seja ela que sancione e coordene as regras necessárias à atividade militar.

                                 Que longa série de observações — combinadas com as mais sutis conseqüências, deduzidas da natureza humana ou da situação especial de Roma — não foi necessária para construir o código militar, que conduziu o grande povo à tão altos destinos?!

                                 Não eram essas regras inspiradas pelas revelações de Marte ou Júpiter, embora, naquele tempo, assim se acreditasse, mas pela razão humana, como já agora ninguém põe em dúvida.
                                
                                 Se devem marchar aos grupos, se o temerário é punido como o cobarde, e as prescrições sobre a coragem, prudência e constância são tão rigorosas, é que a experiência lhes ensinara só uma disciplina desta ordem poderia assegurar, a cada um, o concurso geral, e a Roma o império do mundo.

                                 Terríveis foram os exemplos de repressão que se praticaram contra aqueles cujo zelo impelia para além dos limites prescritos pelos chefes divinamente consagrados; mesmo a vitória, conseguida por semelhante preço, não poderia aplacar a severidade militar, tal o rigor, para que não enfraquecessem as leis e a disciplina.

                                 Era, contudo, necessária à intervenção dos deuses. Há casos em que os motivos da ação não se podem comunicar: quando se trata, por exemplo, de decidir pela esquerda ou pela direita, ou o momento em que se deve iniciar o combate.

                                 Sendo, amiúde, o problema difícil e complicado, e como — a não ser que se trate de um César — nem sempre é possível explicar os motivos da escolha, decide-se, em tais casos, pelo faro do ofício, ou, como dizem os artífices, pela prática; alem disto muitas vezes ainda, não convêm divulgar as razões.

                                 Em tais circunstâncias, para justificar a escolha ou dispensar explicações, faziam intervir um deus, consultando os galos sagrados. A elasticidade do processo permitia justificar quanto se quisesse, ao mesmo tempo que reforçava a veneração dos soldados para com os chefes.

                                 Como não pode o espírito teológico ser relativo sem cair no arbitrário, este sistema deveria forçosamente apresentar desvantagens. Tempo chegou, aliás, em que estas práticas foram consideradas ‘como superstições, e muitos espíritos superiores pensaram, com Flaminius, que só se deviam aceitar os augúrios que fossem úteis à salvação da República.

                                 Quando a crença nestas práticas religiosas desapareceu entre os próprios soldados, os galos foram postos de parte. Hoje, não os consultam para travar uma batalha, e se o general deixa de comunicar as suas razões, todos sabem que não é Marte, ou qualquer outro deus, quem garantira o sucesso, mas as noções positivas resultantes da análise séria e completa da situação e dos recursos existentes.

                                 Com efeito, as normas próprias para a chefia de ­um exército, como para a organização católica, resultaram da observação ou melhor, de um conjunto, mais ou menos complexo, de induções e deduções, quer considerando as conseqüências, que derivam efetivamente dos nossos diversos modos de atuar, quer deduzindo-as do conhecimento já adquirido, de nossa situação.

                                   Para consolidar este conhecimento, faz-se necessário o exame da formação gradativa das regras gerais da moral, sob o duplo impulso do espírito positivo, ainda empírico, e da ficção teológica.

Capitulo Terceiro

Evolução espontânea das regras gerais da moral, concebidas como provenientes dos processos positivos mais empíricos.

Resumo

A arte moral foi a princípio empírica. O homem, no começo, no se governa por falta de orgãos especiais. A formação do capital fez surgir estes órgãos pela creação do velho, da mulher, e, principalmente, da cata teocrática, que descobriu as regras morais, depois de penosos trabalhos seculares fazendo— as prevalecer, mercê do triplo apoio da formulação, mal grado os instintos egoístas. Moisés é o tipo de tal evolução. Importância de uma estatisca moral.

Depois de uma evolução espontânea, mais ou menos empírica, pode a Humanidade conceder a ciência moral e estabelecer-lhe as bases.

Vamos acompanhar este desenvolvimento gradual, não em seus aspectos particulares mas analisando as regras mais gerais que o gênio dos sacerdotes, dos poetas e dos filósofos deduziu, após longa e profunda observação da natureza humana.

                                 No começo, a diretriz do homem era, apenas, o pendor do momento, que o dominava exclusivamente; comia quando tinha fome, bebia quando tinha sede, e quando tinha sono dormia. Atuava sob o simples impulso das necessidades, sem outro freio que não o resultante das exigências de sua situação.

                                 Nesse tempo, a sociedade humana não superava, absolutamente as sociedades animais. cuja regra era a de tal estado.

                                 No período inicial da Humanidade não se fazia mister procurar preceitos morais. O homem ainda não chegara a conhecer-se e não tinha plano regular de conduta, nem fixidade, nem sistema de reação sobre si menos. Existem ainda sobre a terra ‘populações que nos oferecem traços de semelhante estado, e a criança sempre o reproduz espontaneamente.

                                 E nesta fase da existência a infância, que o homem se mostra verdadeiramente real e divino; quebra o prato para ditrair-se; não reconhece dever ou obstáculo, e tudo refere aos seus imperiosos pendores.

                                 Longos séculos duraram esta situação da espécie humana. Ao cabo de período variável com a situação e os antecedentes as sociedades crescem e se desenvolvem, formam-se as línguas e os capitais se acumulam. Surgem, então, espontaneamente, algumas regras empíricas.

                                 O capital - palavra admiravelmente creada para designar o instrumento por excelência, que permitiu, de inicio, a divisão crescente do trabalho material, e, por último, a separação dos dois poderes — tem como objetivo básico instituir lazeres, permitir a vida teórica, e. Por conseguinte, o surto da civilização, que lhe é o resultado fundamental.

                                 Quando já se não faz mistér, para mitigar a fome, cogitar no modo por que havemos de obter o pão quotidiano; quando basta um pouco de dinheiro para adquirir os alimentos que outros reuniram, torna-se, então, possível garantir a vida dos seres que espontânea, mente se entregam à contemplação e à meditação. Deste modo, a Humanidade creou o velho e a mulher. Foram eles que, levados naturalmente a refletir sobre fatos morais recolheram e transmitiram as primeiras séries de noções desta ordem.

                                 Mas o estabelecimento de fórmulas abstratas, vale dizer, do ponto de partida da construção da moral humana, só se consegue quando os capitais acumulados, em quantidades suficientes, garantem lazeres à classe diretora, isto é, às altas classes militares e permitem que algumas individualidades estudem os processos de governo, sem cuidar d aplicação imediata. A casta que ia fornecer a primeira coordenação da moral apareceu sobre a terra, e, com o sacerdócio teocrático, nova fase começou para a vida da Humanidade.

                                 Os sacerdotes institui dores de todas as sociedades, não eram, absolutamente, inúteis preguiçosos, mas funcionários sociais que, colocados à frente de um governo temporal e espiritual refletiam sobre os regras convenientes para a direção destes seres coletivos, objeto constante das suas meditações.

                                 Essas favoráveis circunstância permitiram que poderosos gênios formulassem nitidamente, pelos documentos anteriores e por suas próprias observações, máximas de moral abstrata, que foram vulgarizadas, graças à preponderância sacerdotal de uma dessas línguas, cuja multiplicidade caracterizou, aliás, as primeiras idades da espécie humana.

                                 Constituem essas fórmulas morais incomparáveis descobertas. Formaram-se lentamente e estabilizaram-se com dificuldade, pois supunham um trabalho de abstração eminentíssimo, efetuando-se no mais complicado dos assuntos, sem a preciosa preparação lógica que só as diversas ciências abstratas podiam fornecer. Ora, este preparo não devia preceder mas iniciar-se depois da fase teocrática.

                                 Fora místér, com efeito, discernir na imensa variedade dos atos de nossos semelhantes à parte fundamental e comum para conseguir determinar um princípio estável, atinente a cada grupo distinto das relações humanas.

                                 Os teocratas tiveram que apreciar em meio dos atos determinados pela preponderância espontânea de nossa personalidade o mal que podia ser evitado e o bem, que resultaria da aplicação de tais preceitos.

                                 Se nos lembrarmos de como o homem é pouco dado a meditações, compreenderemos os esforços que tiveram de fazer para apreciar os pendores não pela emoção que proporcionam, mais pelas suas conseqüências sociais.

                                 Só depois de considerável soma de observações, após labores seculares, foi que perceberam, tanto par, o indivíduo como para a sociedade, a vantagem de vencer as disposições naturais o prêmio do asseio a necessidade de não roubar, de não prevaricar. Foi assim que os teocratas chegaram a fórmulas como estas: não matarás; não furtarás; não praticarás o adultério; não farás a outrem o que não quizeres que te façam a ti!

                                 São esses famosos preceitos a característica de uma sociedade mui desenvolvida. Era impossível regrar a natureza humana antes de lhe ter observado as manifestações espontâneas, mas cumpria, também, submetê-la a costumes contrários a seus impulsos preponderantes.

                                 A máxima — honrarás pai e mãe — foi instituída por uma espécie, cujos primórdios consistiam, não em honrar os pais, mas em comê-los, quando havia fome. A regra - não furtarás — é contrária à tendência espontânea do homem, perfeitamente observável nas crianças e nas populações primitivas, de se apropriarem de quanto lhes desperta o desejo: o homem como os animais, é larápio de nascimento.

                                 Faz-se necessário um progresso inaudito para que um individuo faminto passe pela casa de um pasteleiro, sem que entre para furtar bolos; uma criança não hesitaria tanto, porque não percebe as conseqüências do seus ato e não tem preconceitos.

                                 Se dois milhões de parisienses esperam a hora do jantar para satisfazer a fome; se no rude inverno de 1794 os proletários de Paris, embora armados e onipotentes, aceitaram o jejum cívico e se deixaram morrer de fome, aos milhares, para a salvação da Pátria – tornamos a vê-los tão heróicos em 1870, durante o sitio de Paris – foi pelo resultado assombroso do poder da Humanidade.

                                 Por pouco que queiramos refletir sobre estes fatos, vetemos a prodigiosa sucessão de poder de perseverança e de gênio necessária para incutir tais fórmulas morais e conseguir a sujeição geral.

                                 Quais foram às propriedades dessas formulas de ética que permitiram semelhantes resultados? Determinando a meta com rigor, formam a base da consciência e da opinião pública e fornecem, a cada qual, o meio de reagir sobre si mesmo e sobre os outros.

                                 A utilidade máxima da formulação consiste em constituir o capital moral de nossa espécie, garantindo, assim a continuidade e fornecendo a direção que convêm ao governo da natureza humana. Enunciando grandes coisas em poucas palavras, para sua mais fácil lembrança torna transmissíveis os resultados da experiência do passado, e faz gratuitamente todos os homens participarem dessa herança moral.

                                 A segunda vantagem da formulação é constituir a base da consciência: permite que o homem reaja sobre si mesmo e se governe, conciliando a subordinação e a dignidade, porque, submetido aos preceitos morais, deixa de ser escravo de seu semelhante. A lembrança da fórmula atua como contrapeso em face do cego movimento que nos leva a satisfazer os próprios desejos. A reação graças ao ponto de apoio que nos fornece, é retardada pela previdência, ao enves de suceder imediatamente ao impulso.

                                 Enfim, a formula é de uma utilidade incomparável nas mútuas relações dos homens e nas lutas que podem provocar. Quando os princípios morais são aceitos por todos, de maneira idêntica. Constituem um terreno comum, um ponto fixo de debate e ação recíproca. É justamente por isto que todas as regras aproveitam aos fracos, protegendo-os contra as violência dos fortes, e servindo para apreciar, julgar e corrigir a conduta destes últimos.

                                 Compreendendo bem a importância dessas máxima atribuíram-nas primeiramente aos deuses, e a sua força é tão grande que um único ser pode condensar todas as vontades na sua, invocando a formula comum para reagir contra todos os infratores!

                                 Tal é o mais precioso resultado da formulação, pois, assegurando o concurso das vontades, constitui a base da opinião pública, a verdadeira rainha do mundo, o mais formidável dos poderes sociais, aquele aonde se vem quebrar, irremediavelmente, as creações mais rígidas.

                                 A tripla utilidade dessas formulas resume-se na substituição crescente da força material pela força moral.

                                 Constituem essas três grandes normas morais, que ainda governam  sociedade, a mais importante dádiva da teocracia egípcia, de tanta influência sobre a civilização. Foi ela que forneceu á teocracia judaica as formulas do Decálogo, que o catolicismo incorporou á sua moral. Por isto, com muita justiça. Augusto Comte erigiu em dever permanente a comemoração pública dos serviços prestados por esse pequenino número de espírito de escol, sem os quais nunca a espécie humana teria podido distanciar-se tanto das sociedades dos grandes macacos.

                                 Não nos conservou a história os nomes dos sacerdotes de Menfis ou de Tebas, creadores de tais fórmulas; destarte. no Calendário Positivista foi Augusto Comte levado a representar essa fase principal da civilização por Moisés, o tipo mais conhecido dentre os teocratas. Seu nome, para nós, deve resumir toda, evolução moral básica, sem olvidarmos, porem, que, no caso, como mulheres, o ‘homem foi, apenas, ministro da Humanidade porque só ela instituiu e gradualmente aperfeiçoou as regras morais, para que fossem empregadas em seu serviço.

Poder-se-ia, a tal respeito empreender um trabalho de grande utilidade: a estatísticas das regras morais nos diversos paises, com as diferenças e respectivas tonalidades, historiando sua origem entre os diversos povos e a lenta evolução pela qual, pouco a pouco, elas se foram constituindo.

Surpreender-se-iam assim, os processos positivos ou científicos de investigação, mediante os quais a Humanidade creou, gradualmente, com o amparo provisório do teologismo, as regras gerais da sabedoria comum, próprias para o governo da natureza humana.

                                

                                                                 Capitulo Quarto

                                                            Papel da Moral Teológica.

Resumo

- A moral teológica foi útil. Para a estabilidade das regras morais, tornava-se indispensável um Ser Supremo que primitivamente so podia ter existência ficticia. São Paulo e Maomé eram sinceros; por não poderem analisar as suas operações mentais, referiam-na a Deus. Semelhante ficção era inevitável. Essa mesma necessidade inspirou a creação do Politeísmo. No teologismo, os seres fictícios sancionaram as regras morais, a principio sobre a Terra e depois no Céu. O catolicismo romano marca o apogeu da moral teológica; reconhecê-lo é a característica da plena emancipação. A moral teológica foi um meio de conservar os progressos morais.

Dissemos que a moral teológica apresentava, apenas, a realidade fornecida pelas observações e relações positivas, por ela encorporadas, sem jamais ter podido demonstrar o verdadeiro papel da revelação.

Uma vez assim provada a influência do espírito positivo nestas descobertas, cumpre ora insistir, mais particularmente, sobre as condições que tornaram amoral teológica necessária, por ser indispensável uma doutrina teológica concebendo os fenômenos morais como resultantes da continua intervenção sobrenatural.

                                 A fim de preencher o conjunto das condições de ação e reação enunciadas, para com os homens e a sociedade, mistér se tornava que as formulas morais fossem estáveis, quer dizer, persistente e homogêneas. Claro é que se as regras fossem suscetíveis de modificações muito contínuas, a moral correspondente pareceria duvidosa e incapaz de as enérgicas paixões, constantemente despertas.

                                 Do mesmo modo, era indispensável que essas diversas regras não constituíssem um conjuto discordante, mas, ao envés, se prestassem mútuo apoio, concorrendo para o fim idêntico, Ora, essas duas condições exigem que a moral derive de uma autoridade superior, sem o que não haveria deveres.

                                 A fórmula creada por um indivíduo não poderia ser aceita pela totalidade dos homens, porquanto era possível ao seu autor arrogar-se o direito de modificá-la ou destruí-la à vontade. Além disto, os outros seriam, naturalmente, levados a reivindicar o mesmo privilégio, sempre legitimo porque, não havendo bem sem inconvenientes, nem mal sem algum proveito, a sociedade, por demais complexa permitiria sustentar todas as pretensões.

                                 Não basta, portanto, afirmar que as regras foram descobertas por alguém para que sejam ratificadas, tanto pelos que se devem submeter como pelos, instituidores. Cumpre, a principio, julgá-las emanadas de uma potência mais forte, anterior ao indivíduo, que as decrete, consagre e sancione.

                                 Faz-se ainda necessário que os graus sucessivos se encadeiem, o anterior preparando o seguinte e sendo, em troca, consolidado por ele, excluída a possibilidade de ficar a existência dos indivíduos em contradição com a do Sêr Supremo, que os domina.

                                 Onde, no início, essa suprema potestade indispensável à constituição moral? Sabemos, desde Augusto Comte, que a coordenação e consagração da ética só adquirem a estabilidade e a plenitude de que são suscetíveis, reportando-se à Humanidade nossa própria existência e a ordem fatal que nos domina.

                                 A ciência abstrata só muito tarde conseguiu descobrir, em si mesma, a origem e o destino gerais e verdadeiros de todos os sentimentos, emoções e esforços. Mas, de começo, não podiam as noções cientificas, embora reais, estabelecer um todo, e o espírito coreespondentes, permanecendo dispersivo, não apresentava generalidade em seus principies e nobreza suas aplicações.

                                 ­A suprema existência, aliás ainda insuficientemente caracterizada, não podia ser determinada nem conhecida. Se este ser, porém, ainda era desconhecido, não cessava o coração de adorar ou temer tal potestade, cuja existência se manifestava por inúmeras provas, e a razão de encará-la como indispensável à constituição moral do gênero humano.

                                 O Ser Supremo foi, por isto, representado por seres fictícios, fetiches ou deusas, cujas vontades eram reputadas como prescribentes dos princípios da moral, Os mandamentos, revestidos de razões puramente humanas,                  não teriam sido aceitos, por falta de demonstração regras formuladas. Essas vontades foram concebidas como absolutas.

                                 Dever-se-ia acreditar que as regras emanavam de um Ser Supremo, cuja irresistível preponderância tornasse inteiramente inúteis todas as discussões, porquanto essa bem podiam determinar dúvidas inevitáveis no delineamento empírico dos princípios, de ética. Com o tempo, emprestar-se-ia aos atributos da divindade onipotente a moral.

                                 Este processo arbitrário de conciliação permitiu apresentar as imperfeições como incompatíveis com a suprema existência: figuravam das contradições aparentes que se deviam à nossa inferioridade mental, mistérios cuja visão perfeita os eleitos haviam de ter algum dia.

                                 Só pela creação de um deus único, entretanto, pode o espírito teológico, já com a sua perfeita generalidade, satisfazer semelhante sistematização. Dai por diante, todas as regras relativas ao mundo e ao homem são concebidas como provenientes de um para um e por um só e mesmo deus.

                                 Fornecia assim o espírito teológico o único processo suscetível de coordenar e prescrever o conjunto empírico dos deveres espontaneamente positivos. Eis por que, mau grado seu caráter provisório, ele se mantém sem competidor até o aparecimento do Positivismo.

                                 Essa maneira de apreciar o espírito teológico muito nos distancia das criticas injustas e irracionais de Voltaire sobre o catolicismo e o islamismo.

                                 S. Paulo e Maomé faziam apenas crer ou acreditavam na realidade das revelações, cujos resultados pregavam? Não somos dos que julgam estes fundadores de religiões insinceros; o fato pode dar-se com ministros de uma religião em decadência, mas não em seus primórdios.

                                 Se temos certeza (e eles mesmos o afirmaram) de que César e Frederico não acreditavam em Deus, a fé animou, necessariamente, os fundadores e os primeiros apóstolos de todas as grandes construções religiosas. A nosso ver, S. Paulo e Maomé pertenceram, sem dúvida, ao seu tempo: estavam sinceramente convencidos da realidade da intervenção divina.

        Naquela época, a ciência só oferecia materiais. S. Paulo e Maomé, portanto, só podiam pensar por intermédio do espírito teológico, que, naturalmente sintético, era o único a oferecer processos gerais de raciocínio próprios para persuadir, fazendo que prevalecesse a reforma geral por eles concebida. Mas, se nos é evidente a sua sinceridade, não duvidamos também de que so tenham eles atuado sobre seus contemporâneos e as seguintes gerações por terem, em relação à natureza humana, noções positivas, que sempre foram inacessíveis, como não seria necessário dizer, a qualquer divindade quimérica.

        Era inevitável a crença na revelação, O trabalho cerebral que precede ou acompanha a descoberta, mormente quando se refere a questões tão graves e tão complexas como as que suscitam a moral e a política, adquire tal intensidade que, no insulamento indispensável à tão altas meditações (em meio de uma infinidade pensamentos e sentimentos) as alucinações são quasi inevitáveis.

        Acham-se os espíritos superiores, nesses casos, sob o império de grande exaltação; as impressões visuais e auditivas tornam-se-lhes tão fortes, que as confundem com os próprios seres; a imaginação corporifica-se, torna-se realidade, e acabam acreditando na presença real do Ser Supremo, que os domina.

        Ficam, então, muito próximos da loucura, e o desastre pode mesmo sobrevir. Desaparecida, entretanto, a exaltação, sem que tenha havido prejuízo do aparelho cerebral, as convicções saem da crise firmes e irrevogáveis. S. Paulo e Maomé tiveram alucinações de semelhante natureza, mas, sem conhecerem a teoria positiva, explicaram estes êxtases pela intervenção de um Deus, que assim lhes revelava os seus desígnios.

        Esse Deus, ao qual atribuíam o resultado de suas meditações, era o próprio S. Paulo, ou o própria Maomé, sob a influência de viva e passageira excitação moral. Sabemo-lo hoje, que substituímos inteiramente a noção de vontade sobrenatural pela de lei positiva.

        Esta concepção teológica mostrar-se-ia tanto menos evitável quanto mais remontássemos às primitivas idades de nossa espécie, porque, então, os homens apresentavam, entre si, relativa igualdade mental e moral. As suas diferenças de espírito e de sociabilidade teen aumentado consideravelmente com o decorrer dos séculos.

        As vastas concepções, que tão prodigiosamente iluminaram o celebro de um S. Paulo ou de um Maomé, e que tornavam estes grandes homens estranhos a si mesmos, eram tão superiores às noções vulgares, tão distintas delas, que só uma origem divina podia explicar tal singularidade, na opinião dos seus contemporâneos. Como teriam sido eles capazes de compreender as razões positivas dessas transformações religiosas, quando, por falta de um análise prévia, então impossível à demonstração escapava aos seus próprios autores?!

        Os cristãos, que tão erroneamente se vangloriam, com exclusão dos demais, de ter moral completa e perfeita, esquecem-se de sobejo que não foram os primeiros a existir. Houve, antes deles, os politeístas, de que foram herdeiros ainda que ingratos.

        O regime teocrático constitui, sobre os fundamentados pelo Feiticismo, que é a religião primordial da nossa espécie, a moral da Humanidade. Depois, o Politeísmo progressivo, ou greco-romano, aperfeiçoou essa moral, instituiu a ciência abstrata e fundou a unidade política do Ocidente.

        Os politeístas tinham fé nas suas divindades e eram sinceros pelos mesmos motivos sociais que os seus sucessores católicos. Quando Sto. Agostinho escreveu a Cidade de Deus, pode, facilmente, demonstrar espírito forte e ridicularizar a religião de seus pais e a sua supersticiosa confiança na proteção dos gansos do Capitólio, mau grado a impotência deles contra os bárbaros; ou, ainda, nos deuses porteiros, que, nem ao menos, evitavam as despesas com a guarda.

        A despeito dessa fatuidade dos doutores católicos, não se pode duvidar de que, durante vários séculos, foram os romanos o povo mais piedoso da Terra, estando convencido de que o sucesso das batalhas e o império do mundo dependiam da vontade dos deuses.

        O grande César, que era descrente, não desdenhou escrever um tratado de direito augural, ou pretende o cargo de grande-pontífice de Vesta, e, naturalmente, evitaria ostentar a sua incredulidade diante das legiões; cuidava das suas crenças sem delas participar.

        O consul Cláudio Pulcro, voltairiano do tempo sofreu as desvantagens desta situação, porque foi, vencido na batalha naval de Drepauo, pela sua impiedade. Aconselhando jogassem ao mar os galos sagrados, que se recusavam, a comer, para assim forçá-los, pelo menos, a beber, enfraqueceu a coragem aos guerreiros, que se julgaram, destarte, desamparados pelos deuses.

        Este episódio bem mostra quanto os romano se, achavam persuadidos de que a maior contribuição para a segurança e poder de Roma não era a sabedoria e a capacidade dos seus generais, mas a sua escrupulosa e exemplar submissão aos deuses!

        As zombaras de Sto. Agostinho era ao mesmo tempo, injustas e irracionais. Dominado em excesso, na sua apreciação do passado, pelo espírito revolucionário, e considerando apenas o dogma, numa civilização em que tudo se influenciara pela mais nobre atividade social, fez para com o politeísmo o papel que Voltaire desempenhou, mais tarde, em relação ao catolicismo. Este o reverso inevitável do espírito critico: não se obtém dos filhos o respeito que se não teve para com os país.

        Os gracejos de Sto. Agostinho e de Voltaire tiveram êxito, alias, porque escarneciam religiões que já se achavam esgotadas. Dizem que o ridículo mata... É certo! Mata, porém, os que já estão morrendo. Não vale para os que vivem! Pode afirmar-se, por exemplo, que jamais o ridículo entravará o progresso científico: quando surte efeito, prenuncia a morte.

Essas mesmas vontades superiores, que parecia prescreverem as regras da moral, também formulavam, meio de punições e recompensas, a sanção sempre fatal, como a supõem todas as sociedades divinamente constituídas. Quem manda é Deus, quem castiga.

        Quando o homem ainda se mostra inteiramente escravo dos seus interesses pessoais, o único obstáculo a sua satisfação é o freio teológico, que impõe a virtude pelo terror, processo renovado em nossos dias, pela ferocidade de Robespierre.

Impotentes, os homens encarregavam os deuses de punir, durante a vida e na pessoa dos descendentes, os maus filhos, os traidores e os rebeldes que violassem as prescrições da divindade.

        Manu, Moisés e Confúcio, os mais antigos legisladores religiosos da Humanidade limitaram a recompensa ou, punição á Terra; por toda à parte, a sanção é direta e estende-se do pai aos súditos.

Semelhante sanção, embora sempre precária com o dogma teológico, impõe-se quando a fé é perfeita e geral. Já notamos que a confiança inspirada pelos deuses, no período correspondente à civilização militar, contribuía para o sucesso dos combates, excitando na alma doe soldados o entusiasmo e um respeito absoluto aos chefes, que se tornavam os intérpretes, e agentes da divindade.

Bastava, então, predizer uma coisa para que da acontecesse. Se o general travasse batalha antes de consultar os galos sagrados, a derrota seria a consequência da sua falta para com os deuses.

Aceitável enquanto a fé se mantém vivaz, a sanção teológica puramente terrestre torna-se insuficiente logo que as crenças sejam abaladas pelo desacordo crescente entre os fatos e as regras divinas. Se fizerdes o bem, dizia a lei, “vivereis longamente feliz, e Deus bem-dirá a vossa posteridade ate a terceira geração’: e muito amiúde, pelo contrário, viam-se, com grande escândalo da razão humana, premiados os maus e os bons perseguidos; e sem que se levasse em conta méritos e deméritos, cegamente repartidos o bem e o mal.

Para fortalecer os justos e conta os perversos, dever-se-ia procurar coisa diversa desta sanção puramente terrestre, que a triste experiência assinalava como insuficiente e contraditória: foi assim desviada da Terra e transportada ao céu, para uma vida futura, fictícia e eterna.

Desde então, a regra emanou de um Ser Supremo e infalível, com o qual não há que discutir; ser que vigia, em pessoa, a observação das suas vontades e as sanciona por prescrições imutáveis e fatais: aqui, ou na outra vida, o homem será, inevitavelmente, e para a eternidade recompensado ou punido.

Seja este estado final o nirvana búdico, a ressurreição corporal dos judeus ou a abstrata imortalidade grega, o processo permite manter a ilusão de que cada qual há de obter um dia, pessoalmente a justiça merecida.

A sanção teológica foi empregada com sabedoria pelos diversos sacerdócios; o regime mais admirável, porém, que ela consagrou, o que mais decisivos resultados produziu, foi o catolicismo.

Combinando a imortalidade da alma com a ressurreição corporal, a vida futura foi sistematizada de forma que pudesse garantir a independência do seu sacerdócio, e, por conseguinte a separação dos dois poderes, até então reunidos nas mãos do Estado.

Falando em nome de uma divindade cujos decretos sempre necessitavam ser adivinhados ou interpretados, ameaçava o padre os potentados com o inferno ou lhes prometia o céu, acrescentando porém, aos preceitos sobrenaturais, uma série de razões humanas, que constituíram a força do catolicismo.

O problema da natureza humana foi estabelecido por S. Paulo. O sacerdócio, por ele instituído, estudou e analisou, com incomparável sabedoria o estado mental e moral dessa natureza; a sua educação severa, arrazoada, procurou limitar o que de vago e arbitrário existia no dogma. O sistema católico nada deixou de indeterminado; das mais vulgares noções as mais elevadas, tudo se concebe e se combina de jeito, a guiar o homem do nascimento à morte, ligando-o irrevogavelmente ao processo que o formou, mau grado as passageiras variações. O seu governo multi-secular atesta o valor intrínseco dessa obra-prima política do espírito humano.

A organização de um poder espiritual independente, tendo por missão esclarecer e consagrar o poder temporal, foi à primeira tentativa sistemática de conciliação entre a liberdade religiosa e a dependência cívica. Importa-nos a nós, filhos da Humanidade, superar em todas as apreciações do passado, as emoções suscitadas pelos debates do presente.

Este audacioso projeto da estabelecer a distinção, dos dois poderes, na teologia, malogrou, de fato, afinal; mas, descobrindo as condições necessárias à estabilidade de uma separação, que constitue a base do regime republicano, fez-nos perceber que ela só poderia ser perdurável entre um regime industrial e um sacerdócio cientifico.

O sacerdócio católico chegou, sem embargo das virtudes pessoais de grande parte de seus chefes, a autorizar e justificar todos os atos de quantos se associassem à sua obra, mormente em  se tratando de poderosos: e este fato é incontestável. Mas, não nos devemos esquecer de que esse mesmo sacerdócio, esforçando-se por tornar relativa a moral teológica, permitiu que mais precisamente se conhecesse a inexistência de regras absolutas, e também que apenas sob a direção do espírito cientifico é que se deviam procurar as noções inflexíveis em Princípio e justamente modificáveis na aplicação.

Seríamos ainda injustos, se em sua obra víssemos somente a ganga teológica, mercê da qual se conservaram tantos resultados preciosos, e que hão de permanecer como o título de glória do catolicismo da idade-média.

Como cidadãos emancipados, tenham, profundo respeito e admiração por essas belas naturezas sacerdotais, que souberam refreiar o egoísmo e garantir livre surto ao altruísmo fazendo de povos bárbaros e de uma população desmoralizada pela falta de escopo social,    sente honesta, devotada e digna da liberdade moderna.

Tal foi, na constituição, moral da Humanidade, o papel do teologismo. Nada descobriu, mas, incorporando, por coordenação, e sanção provisórias, as descobertas especiais e empíricas do espírito positivo, deu vagar aos diversos elementos da moral cientifica para que se desenvolvesse, ate o dia em que Augusto Comte percebeu na sua imensa variedade, o principio da sistematização definitiva, que so no estado normal poderia surgi.

Capítulo Quinto

Papel da moral metafísica ou democrática

Resumo:

O crescente desuso da moral teológica, que se caracteriza pelo advento dos reformados e dos espíritos fortes, tendo como precursores os templário, exigiu uma operação crítica, cujo órgão foi a metafísica. A moral correspondente tem por principio a consciência e por sanção os direitos. A doutrina democrática, cujos perigos a vida de Rousseau tão claramente demonstra, é há um tempo falsa, contraditória e anarquia. Falsa, porque a consciência resulta da educação, não na dirige; contraditória, porque a teologia, cujas conseqüências ela repele, acha-se, entretanto, encorporada a seus dogmas essenciais; e, finalmente, anárquica, porquanto a inexistência de governo é o seu limite normal. A conseqüência do predomínio científico será rejeitar a solução metafísica.

Apoiada, apenas, na revelação, a moral não podia dirigir eternamente a espécie humana.

Sob o predomínio teológico, o valor da moral decorria do valor do sacerdócio; por isto mesmo, enquanto nas questões políticas e morais, este se guiou pela razão positiva, pode e, necessariamente devia dirigir os homens. Mas quando a ciência faltou, findou-se-lhe a supremacia. Com doutrina teológica pura, os recursos do sacerdócio ficam limitados a simples ficções e a empirismo cada vez mais impotente. Assim, a sua competência e autoridade começam a ser discutidas, e ele deixa de governar.

Quando o clero católico se tornou incapaz de conservar a chefia do movimento intelectual e moral, perdeu a metade dos ocidentais, arrebatados pela corrente revolucionária, da qual a Reforma foi um dos produtos secundários. Ora, os católicos e os protestantes se assemelham: à primeira vista, nem há entre eles apreciáveis diferenças, Os protestantes não se conduzem, em geral, pior do que os católicos, e, como estes, contaram, em suas fileiras. Homens superiores sob diversos aspectos, moralistas poetas filósofos, sábios e estadistas.

Apoiada, apenas, na revelação, a moral não podia dirigir eternamente a espécie humana.

Pretenderam os católicos que a eficácia da sua moral (para eles a única possível) provinha exclusivamente da imutabilidade característica de todas as instituições divinas - A experiência, que é decisiva, demonstrou mal grado tal pretensão, a possibilidade de se ser homem de bem e vulto eminente com outros processos teológicos.

O absoluto ficava, assim, prejudicado. Além disto, Deus não sendo demonstrável, uma vez a fé abalada, extinguiram-se todos os recursos. Seu desaparecimento, desde aquela época, era simples questão de tempo.

Com os anos, surgiram, efetivamente, espíritos mais fortes do que os reformadores protestantes, os quais, apesar dos perigos e insultos, perceberam poderíamos, sem maiores desvantagens, eliminá-lo de todo, uma vez que já estávamos, em diversos casos, desembaraçados do absolutismo, teológico, sem graves riscos morais. Foi o que, na verdade, se deu depois das comparações e reflexões resultantes do contacto de crentes heterogêneos.

Essa reação social esclarece um fenômeno histórico que, por sua precocidade permaneceria, inexplicável se nos aferrássemos à opinião dos que atribuem ao protestantismo a iniciativa de uma reforma, de que foi, entretanto, mero resultado. Referimo-nos à emancipação dos templários.

Observou Augusto Comte que, do contacto das duas religiões antagônicas, haviam saído os primeiros incrédulos, e foi logicamente que, no romance de Iva­nhoe, o assombroso gênio de Walter Scott fez um ateu do templário Brian de Bois-Guilbert, aliás, a única personagem sincera de sua epopéa.

Nas lutas que do VII ao XV século, multiplicaram as relações entre os cristãos e os muçulmanos, os espíritos superiores do Ocidente como católicos, viam nos sarracenos pagãos votados ao castigo eterno, mas, como homens estimavam neles os adversários nobres e generosos, os Guerreiros hábeis delicados artistas sábios audaciosos e profundos, estadistas animados do mais constante devotamento social.

Se essas duas crenças inconciliáveis eram suscetíveis de produzir personalidade, tão eminentes, perguntava-se de ambos os lados, qual seria a melhor religião, e, por fim, se qualquer delas era necessária.

Dai nasceu sucessivamente, a tolerância, o deismo e, afinal, o próprio ateísmo. Puseram Jesus Cristo e Maomé no mesmo cabaz. Entre os espíritos de escol não houve mais nem muçulmanos nem cristãos, e viu-se surgir em ambos os campos esta classe espantosa de chefes que aspiraram sem deus nem rei, ao governo da Tetra.

Cumpria de então por diante por diante, procurar a solução do problema da unidade do gênero humano fora dessas duas religiões ambas falando em nome de um deus único, igualmente incapazes de supremacia e de eternidade. Havia mesmo necessidade urgente de substituir o catolicismo, pois, em virtude da insuficiência sacerdotal, o abalo se estendia da fé teológica, as próprias verdades morais; de sorte que, para conservá-las, se exigiam nova ordem e sanção nova.

A essa dissolução espontânea juntava-se a influência da nova atividade industrial e do desenvolvimento do espírito positivo. Como este último é progressista e o teológico imutável, crescia também a heterogeneidade entre a doutrina geral, que permaneceu absoluta, e as pesquisas especiais, de natureza científica.

Claro é que, em semelhante estado, não persistia o espírito humano em sua crença na realidade e utilidade da antiga direção espiritual e, por outro lado, o desenvolvimento do espírito positivo atingiria necessariamente a sua plenitude, tornando-se, enfim, capaz de substituir inteiramente a teologia, segundo moral positiva mais completa e seguida mais a rigor do que a antiga.

Enquanto, porém, o espírito positivo não atingisse a generalidade, que, exclusivamente, podia facilitar-lhe a fundação da sociologia, o preparo dessa nova legislação moral, tornando inúteis os mandamentos teológicos, devia permanecer como movimento despercebido.

De outra parte, a teologia, por seus entraves, ameaçava agravar o atraso causado a esta generalização, falta ainda de materiais bastantes e apreciações, metódicas.

Era, portanto necessário uma demolição prévia. Ora, o espírito científico, que sempre procede por afirmações demonstráveis e substituições contínuas não podia, por si só, prover neste caso. Ainda se não achava suficientemente, preparado para, às suas conquistas matemáticas e astronômicas, acrescentar o mundo social e moral e, além disto, não possuía o espírito crítico indispensável, embora secundariamente a todas as demolições. Uma doutrina transitória era, por isto, oportuna.

Sob o impulso científico, nas mutações que, em tempos anteriores, anteriores, haviam assinalado o desenvolvimento do espírito, humano, já interviera essa doutrina. Servira metafísica de órgãos aos teóricos gregos que, de Tales a Aristóteles, arrebataram aos deuses a explicação dos fenômenos da física celeste e terrestre.

Os aristotélicos da idade-média utilizaram-na de novo como processo lógico depois, com energia crescente, os diversos reformadores protestantes, de Lutero Socino, estenderam-lhe o domínio até à própria moral, cujas diversas noções metafisicamente concebidas, foram sistematizadas no século XVII por Hobbes e Spinoza, mais eminente, pais da igreja democrática.

Foi assim que surgiu a moral metafísica, servindo de instrumento à pura demolição e tirando as conseqüências negativas e revolucionarias da emancipação orgânica, resultado do surto gradual do espírito positivo.

A ética metafísica concede os fenômenos morais como efeitos, aliás incompreensíveis, de um ser abstrato, próprio de cada homem - a consciência – considerada como órgão direto de uma vontade superior —a Natureza.

De acordo com esta doutrina, e a consciência que desperta, explica e justifica todas as ações do indivíduo.

Nos assuntos mais complicados, como nos mais simples, ela nos ensina, por inspiração e sem pesquisa ou análise prévias, como devemos guiar-nos e quais os preconceitos e os hábitos que devem prevalecer.

Para ser perfeito, basta ao homem obedecer, em tudo e por tudo, a consciência, harmonizando a sua conduta com o que lhe prescreve o seu interesse bem entendido. O conjunto das condições necessárias à independência do indivíduo formulou-o a teoria do direito anterior, mais elevado, inalienável e imprescritível.

Tal foi à concepção que supriu a evidente incompetência do público, permitindo-lhe lutar, com maior facilidade, contra abusos que se haviam tornado insuportáveis, porquanto, julgando a situação presente pela comparação direta ao estado primitivo imaginário, chamado estado de natureza, podia tornar-se livre de todas as tradições, cuja invocação constituía o mais poderoso argumento para a mantença do regime opressor.

Ordenam a moral teológica e a autoridade real atos repugnantes ao coração e a razão? !Invocar-seá o direito e só se obedecerá à consciência! Por espontâneo e cômodo este processo teve 9rande valor como instrumento de luta e demolição, e tão bem desempenhou o seu papel, neste particular, que as diversas nações ad-dentais o adotaram e o puseram em prática.

Sendo essa doutrina, porém, de si mesma pueril e incapaz de fornecer soluções reais, não satisfaria indefinidamente. Por arbitrária, so permitiu derribar as noções teológicas, estabelecendo a anarquia. Por contraditória mostrava-se maculada pelos inconvenientes da teologia e, se devera perdurar melhor seria o catolicismo.

J. J. Rousseau, que é o mais popular dos vulgarizadores do dogma revolucionário, oferece o tipo dos perigos desta concepção da natureza humana. Na Profissão de fé do vigário saboiano, expõe da seguinte maneira o princípio, com todas as contradições que o caracterizam: ‘Consciência! Consciência! Instinto divino, imortal e celeste voz; guia seguro dos seres ignorantes e estreitos, mas inteligentes e livres; infalível juiz do bem e do mal, que torna o homem semelhante a Deus! E´s tu quem fazes a excelência da sua natureza e a moralidade das suas ações Sem ti nada sinto em min que me eleve acima dos demais a não ser o triste privilégio de me extraviar de erro em erro, com o auxilio de um entendimento desregrado e de uma razão sem princípios!”.

Sob semelhante inspiração J. J. Rousseau pos seus cinco filhos nos Expostos e caluniou os maiores homens do seu tempo, que havia, sido seus amigos e bem-feitores. Foi, em suma um péssimo sujeito porque aplicava os seus Próprios Princípios.

Se a consciência inspirasse tudo o que cumpre penar e fazer por toda a parte só haveria gente de bem se o não fosse a culpa não lhe poderia ser imputada Tal, porém, não se dá. A Conciência não é absoluta, mas, relativa aos tempos e lugares sem arbitrário. É, a princípio, ação natural para o homem comer  seus semelhantes cozidos ou mesmo crus, ainda não manifesta ele a noção do justo e do injusto. Tem necessidades que satisfará se preciso for à custa de seus iguais e com uma tranqüilidade de consciência que indigna a dos descendentes.

Em Paris, sitiado e esfaimado, não devoramos os nossos concidadões, nem pensamos nisto. No Ocidente, essa repugnância atingiu tal intensidade que, de moral, se tornou puramente fisiológica: os nossos próprios estômagos recusam-se a semelhante alimentação.

Que é, pois, consciência? Resultado complexo da atividade cerebral, modificada pela civilização, a consciência representa o conjunto dos preconceitos ou disposições, que se tornaram em hábito.

Produto da Humanidade, varia de acordo com as próprias leis da sua evolução. Longe, por conseguinte, de ser a inspiradora de nossa conduta e a educadora por excelência, a consciência deve formar-se com o tempo, e o seu desenvolvimento é o grande destino da educação.

O principal dever do pai e da mãe é preconizar a criança as regras da moral, sob a forma de hábitos primordiais e preponderantes, de tal sorte que, em não satisfazendo uma dessas disposições, ela sinta remorso.

Pelo número dos preconceitos que os dirigem é que se julga da elevação moral dos indivíduos e da sua elevação social, porque, quanto mais o homem se civiliza, mais preconceitos adquire. Os negros poucos possuem; os animais selvagens desconhecem-nos absolutamente.

Por preconceitos é necessário entender os hábito ssucetiveis de demonstração, o que, vale dizer que há preconceitos e preconceitos... Assim. É preconceito progressistas não comer carne de homem, cavalo ou cão; pelo contrário, é preconceito retrógrado pensar que a crença teológica faz a moralidade, ou que as consagrações cívicas devem fazer-se sob os seus auspícios. Distingui-lo uns dos outros, eis o oficio da ciência moral;fazer que prevaleçam os progressistas, eis o da educação.

A moral metafísica na mais é do que simples alteração da teologia, que ela arruinou por lhe ter aumentado as contradições.

Transporta a moral metafísica do papa as consciência, em geral, os privilégios de revelação e de infalibilidade, opondo, destarte, a autoridade individual a instituição católica do papado, interprete de uma vontade superior, pessoal em teoria mas, de fato, coletiva genérica, Só o representante de Deus tinha direitos, cuja origem sobrenatural o dispensava, a um tempo, de afeição e de razão; à moral metafísica estende esse monopólio a todos.

Graças a semelhantes direitos e privilégios, cada individuo, transformado em papa-rei, se torna competente em tudo, sem nada ter aprendido, e igual a todos os outros homens.

Todo o católico possuía um anjo da guarda, que pela revelação particular, o compelia ao bem e o desviava do mal; ela conserva a função, mas espiritualiza-lhe de tal maneira o órgão que o transtorna numa entidade, a consciência. Como a consciência se acha em relação direta com a divindade, toda a hierarquia sacerdotal se torna inútil; mas, embora continua a falar em nome de Deus, suprimindo, em principio o sacerdócio que lhe moderava os perigos morais e sociais, a metafísica conservou, todavia, religiões de Estado, cujos ministros e juizes, seus meros agentes, corrompeu em troca do pão quotidiano. Mantém a crença numa vida futura, sobrenatural, porque não valeria a pena cumprir o dever se com isto nada se ganhasse; mas suprime os castigos, conservando apenas as recompensas, o que, com efeito, é muito agradável para os que não querem morrer.

Como a teologia, ensina que o homem aperfeiçoado pela civilização é um ser corrupto, decaído de um primitivo estado de natureza, que substituiu o Paraíso terrestre, onde todos os homens eram livres e iguais. A perfeição consistiria em voltar a tal estado. Se fizermos abstração de alguns impostores, que tomaram o lugar da, serpente tentadora neste estado de natureza, jamais a superstição, a corrupção e o mal teriam entrado no mundo.

Por esses poucos dogmas, podem julgar-se todos os outros! A moral metafícia, ou democrática é uma caricatura verdadeiramente infantil da moral teológica.

A solução metafísica, em virtude da sua incapacidade para dirigir, oferece grandes perigos, desde que deixou de subordinar-se ao entusiasmo social, inspirador da revolução francesa.

Permitindo que tudo se discuta sem espírito cientifico nem inspirações expões-se a desmoralizar-se; coloca todo o mundo em estado de revolta contra todos os preconceitos que se tornem suspeitos pela consagração. Sendo a justa razão o que a consciência dita, tudo quanto lhe repugne será preconceito: a veneração! a cultura moral! etc.

Emancipar-se de um domínio, certamente não é nenhuma virtude. Se tal deliberação é necessária para o estabelecimento do problema, não o resolve, porém, e em se prolongando, coloca o homem em situação anárquica.

Essa moral é bem inferior á do catolicismo da idade-média, em que o sentimento social mantinha, mesmo apesar do dogma, a unidade na variedade! Nela, pelo contrário, a falta de um principio preponderante de união determina as mais estranhas divergências; todas as regras morais são postas em discussão; cada qual estabelece uma teoria particular para si, e qualquer combinação se torna impossível é o individualismo que prevalece!

Teoria pueril, conjunto de divagações incapaz de conciliar dois indivíduos, como poderia semelhante moral fornecer qualquer diretriz ou instituir um governo! Legitimou todos os crimes, autorizou todas as covardias, consagrou todos os governos aventureiros, e terminou, afinal, graças aos mais sagazes, pela mistificação do público sério, mas demasiadamente confiado.

Chegou-se a conciliar a incredulidade com a participação nos sacramentos teológicos, a oposição mais revolucionaria com o governo mais retrógrado: essa ginástica moral encontrou a sistematização derradeira e foi glorificada na concepção de Cousin.

Cumpre não esquecer que a ciência especializada e dispersiva, em suma, o pode terminar pelas mesmas aberrações morais que a teologia adulterada. Em nome da salubridade pública, os seus doutores começam por fazer desterrar os mortos para longe da Capital, e, em breve, proporão que sejam usados sob a forma de adubo, por qualquer motivo químico demonstrável. Ciência coxa, esse conjunto de doutrinas particulares que não se acham dominadas por considerações morais! Falso e pretensos doutores os que só invocam a liberdade, que devem ao Ser Supremo, para se apartarem das questões de seu tempo, e não cumprirem o mais santo dos deveres, qual o de dar aos trabalhos do espírito em destino social!

De que poderá valer a consciência em semelhante cáus, com essa moral que absolutamente não leva em conta nem o método nem a doutrina científica?! Como poderá saber o que cumpre permitir, o que é mistêr vedar, sem um poder superior capaz de estabelecê-lo?

A Revolução, que é uma crise provocada pelo desenvolvimento desigual entre a destruição dos antigos preconceitos e a coordenação racional dos novos, só terminará, uma vez eliminada a solução metafísica, pelo livre advento de um sacerdócio republicano, que fornecera os órgão competentes,  intérpretes da moral verdadeira e demonstrável.

Capítulo Sexto

Revolução espontânea para a moral positiva

Resumo

Os hábitos morais, divinamente instituídos, são por fim, consagrados em nome da Humanidade. Tal evolução se efetuou em todas as condições da existência: pessoal (higiene), doméstica (culto do túmulo. casamento), cívica (respeito à lei, defesa da Pátria) e religiosa (culto dos grandes homens), Este caráter puramente humano se manifesta do mesmo modo entre os moralistas (Mme. de Lambert, Vauvenargues, Duclos) e nos romancistas (Mme. de Lafayette, Lesage e Fielding) A moral positiva libertou-se aos poucos da teologia.

Aceitará o homem moral que se não apóie em Deus? Sem esperança ou temor de outra vida, que razão poderá levá-la a ser sóbrio, caso, leal, corajoso e devotado.

A incapacidade da moral metafísica e a abstração da ciência acadêmica fizeram bons espíritos e nobres corações; julgar a moral teológica como um processo arbitrário, mas de necessidade para fazer preponderar hábitos positivos.

De certo. se estivesse provado que a moral puramente cientifica era, não impossível de construir-se —porque, de fato, já existe — mas incapaz de produzir verdadeiras convicções, seria fatalmente necessário volver ao catolicismo. Por catolicismo cumpre entender o ultramontanismo, pois seria demasiado ridículo referirmo-nos à iniciativa particular e oferecer, como solução moral, a milésima duo-centésima-milionésima interpretação dos quatro Evangelhos, possuindo cada homem igual direito de formular e seguir a sua.

É necessário mostrar como a experiência solucionava as questões, antes que se pudesse instituir qualquer ensinamento sistemático da moral positiva, e como o espírito cientifico se apossou gradualmente de todos os domínios acessíveis á sabedoria humana, mostrando crescente aptidão para substituir, no tocante às regras que descobrir, a vida sobrenatural pela sanção positiva.

A correlação dos dois movimentos, quer se trate de preceitos de higiene, de deveres da família, de regulamentos militares ou industriais, quer ainda de práticas do culto, pode assim exprimir-se: As regras morais, consideradas, a principio, como de instituição divina, foram, afinal, consagradas exclusivamente em nome da Humanidade.

Foram estes os pontos de partida e convergência da evolução moral, ligados pela fase metafísica, durante a qual o caráter teológico se anula cada vez mais, embora o positivo ainda se mantenha despercebido. O que, para Deus, se traduz por uma incredulidade crescente, representa para a Humanidade um acrescimo de devotamento, de saber e de energia, Isto é de religião no pleno e verdadeiro significado da palavra.

Verifiquemos, de inicio essa proposição na moral dó individuo. As primeiras regras morais, de grande simplicidade, se referem quasi exclusivamente aos instintos. Lendo, nos próprios textos, a legislação de Manú, Moisés ou Maomé, notar-se-á como tais preceitos higiênicos se misturam, em cada página, com as regras morais propriamente ditas e com os mistérios do dogma, que na verdade, ocupam lugar secundário. O mesmo se deu nas outras grandes teocracias. Vemos, por toda à parte, a antiguidade prescrever, em nome de forças sobrenaturais, simples regulamentos de limpeza e higiene.

Quantos esforços não fizeram os legisladores para chegar a resultados que hoje nos parecem tão simples, e pelos quais o homem se lava diariamente?! Não foi, decerto coisa fácil, pois se animais existem espontaneamente limpos, o mesmo não se dá com a nossa espécie. Para conseguí-lo, foi necessário apelar para todas as potestades sobrenaturais, do inferno e do céu!

Atualmente, fazem-no os franceses todos os dias, sem que para isso seja mister à vontade dos deuses. E ainda mais: os povos que, por motivos teológicos, são anelados perdem, sob este aspecto, para os povos emancipados. Os camponeses católicos são menos limpos que os parisienses, completamente livres do teologismo, e, do mesmo modo, o Oriente teocrático em ralação ao Ocidente revolucionário.

O mesmo se dá com respeito ao instinto nutritivo; neste caso, também, não são as considerações sobrenaturais que decidem da qualidade e da quantidade de nossa alimentação, mas razões puramente humanas, deduzidas de nossa natureza e situação social e material, constituindo isto motivo mais forte do que qualquer argumento teológico.

Eis, portanto, um primeiro resultado, certo e evidente, da Civilização Ocidental. A principio, tudo o que concernia à higiene privada e pública era regulado em nome dos deuses, hoje, os preceitos correspondentes dependem, apenas, de considerações humanas. Trata-se, pois, de um fato adquirido.

Consideremos, agora, uma das instituições características da Humanidade, e das maiores, porque assegura a duração perpétua da família humana – o culto do túmulo.

Os poetas da antiguidade, desde Homero até Virgilio, ainda nos repetem os formidáveis castigos com que os deuses puniam a violação do dever sagrado, de sepultar os mortos. Com que elevação Sófocles ensina tal principio na Antígone, a obra-prima do drama antigo. Polinice, morto quando sitiava a pátria, deve ser lançado aos cães, por ordem do rei Creon. Fiel à lei dos imortais, que se não acham escritas, que são de todos os tempos, e que se não poderiam esquecer’, Antigone enterra o irmão. O castigo da sua revolta, contra a vontade do ímpio rei, foi à morte, que mesmo a intervenção do divino Tirésias não pode evitar. A expiação, porem, não tardou; o filho e a mulher de Creon se matam de desespero, revoltam-se os povos vizinhos, e as fúrias vingadoras do deus dos mortos só deixarão de perseguir o culpado quando este, por sua vez, tiver sofrido a sorte de Polinice.

Inspirada pelo mesmo espírito teológico, a lei ateniense condenava à pena capital o que privasse os mortos de sepultura. Por, não terem cumprido este dever, cuja realização foi dificultada por uma tempestade, os dez generais que acabavam de honrar a pátria, nas ilhas Arginusas foram sacrificados, e, mau grado a generosa intervenção de Sócrates, nenhum se excetuou, de tal forma o absolutismo teológico ainda dominava os espíritos Assim, pois, o culto dos mortos, na antiguidade, era baseado ao temor dos deuses.

No presente, pelo menos em França, já não é necessário regulamentar teologicamente esta santa instituição. O culto da tumba é, sem dúvida, moderno. Instituído em Paris no começo deste século, estendeu-se gradualmente à província, onde conseguiu rápidos progressos, mormente nas cidades. Esses piedosos cuidados não devem inspiração à moral evangélica; muito pelo contrário. Semelhante culto, tão profundamente humano, acentua-se e se desenvolve com a emanciparão crescente do teologismo. Só, de fato, quando se está persuadido de que a morte é definitiva se empresta maior valor aos restos dos seres desaparecidos como meio, poderoso de lhes fortificar a lembrança e consolidar-lhes a preciosa reação moral.

A mais humana das cidades do Planeta, Paris, e, também, o lugar em que mais se cultua a memória dos antepassados e dos amigos. Foi ela a primeira a compreender que a maneira mais digna de encerrar um ano e preparar o seguinte é festejando os mortos, e assim, espontaneamente deu ao último dia do ano preponderância sobre o 2 de novembro teológico.

Augusto Comte consagrou sistematicamente esses antecedentes no Calendário Positivista, passando esta preciosa instituição, que se estribava, a principio, na teologia, a mostrar-se igualmente desembaraçada de Deus.

O mesmo se deu com a consagração do casamento Primitivamente, não existia a idéia de incesto e as alianças se faziam na mesma família. As narrações dos viajantes, que exploraram o planeta, confirmam o que a Bíblia e as legislações teocráticas nos haviam ensinado.

Quanto esforço para fazer com que a sua noção prevalecesse! Vemos, no Rei-Édipo a terrível sanção de que, em nome dos deuses, se serve o poeta para apoiar a regra, então nova, de castigar o incesto, Édipo é condenado por ter cometido este crime, a que a fatalidade o havia votado embora sem o saber e depois de ter feito tudo para evitá-lo. A razão humana era, há  este tempo, menos notável do que a instituição divina, e todavia hoje é ela que espontaneamente prevalece.

O            mesmo aconteceu com a consagração da monogamia. As investidas dos partidários do divórcio só são plenamente anuladas pelos verdadeiros emancipados, que são os únicos assaz libertos das inconseqüência teológicas.

O que é verdadeiro no tocante ao casamento também o é com respeito à lei. Atualmente , cidadão afasta da lei o absoluto divino e reclama razões positivas; a submissão não se consegue mais sem condições. Quando a reação católica quis fazer passar uma lei sobre o repouso dominical, não o fez por se tratar de instituição divina: defenderam-na os seus patronos teológicos, em virtude das vantagens morais e sociais que apresentava. Do mesmo modo, não é mais para expiar uma falta original que o homem trabalha. Mas para acudir às necessidades da existência familiar, pelo único modo compatível com o espírito moderno; e é precisamente a transformação da atividade industrial, antes servil e hoje cívica que caracteriza a política republicana.

A guerra, que requer coragem e devotamento, e na qual, como o exemplo dos incomparáveis exércitos romanos vem confirmar a intervenção dos deuses foi por tanto tempo necessária, também se libertou das considerações teológicas e parece incrível que, entre nós, um ministério da guerra, perdido no século XIX, ainda julgasse, há alguns anos, que um individuo não pode ser bravo, sem acreditar em Deus.

Antes dos heróicos defensores de París, abertamente ateus, os exércitos republicanos já haviam mostrado até que ponto podiam atingir a abnegação e o heroísmo sob chefes e governos emancipados.

Os ditadores republicanos, para animar as legiões cívicas, não apelaram como faziam os reis para o atrativo das conquistas invariavelmente consagradas pelo deus dos exércitos mas elevaram as almas, invocando o amor da Pátria e a salvação da República!

Foi tão alto o sentimento do dever que as fez superar os mais formidáveis perigos, mantendo a integridade da França com tanta majestade que, em 1796, nas suas Considerações sobre a Revolução, qualificada por ele de satânica em sua essência de Maistre só teve elogios para os exércitos e para a Comissão de Salvação Pública, cujo espírito ganhava as batalhas. No exercito francês atual, os soldados reconhecem as obrigações cívicas por mais alterada que estejam as suas crenças teológicas.

A mesma transformação se efetuou no culto dos grandes homem. A principio, a consagração. pública só lhes era devida quando, por uma apoteose, houvessem sido assimilados aos deuses. Cumpria, depois, para merecê-la, ter servido a Deus e ter-se feito santo: só um politeísta, Trajano, pelo que se afirma, pode obter a graça de ir para o céu, pelas preces de S. Gregório. Mas, pedir a Deus que reformasse o julgamento sem apelo foi uma grave ofensa e, por isso, nunca mais o pontífice se deixou levar a este excesso de zelo, que ele mesmo condenou.

Hoje para merecer honras públicas, basta ter servido a humanidade, sendo ou não agradável a Deus. Assim é que diversas populações ocidentais festejam Miguel-Angelo e Boieldieu, Petrarca e Shakespeare, Spinoza e Voltaire, instituindo espontaneamente o culto público, que o positivismo sistematizou, desde 1848, com o nome de culto dos grandes homens.

Um fenômeno muito curioso e inegável traduz e comprova, de outro ponto de vista, esta emancipação, teológica da massa social. Com efeito, há seguramente dois séculos que nada mais bem confirma o ascendente gradual do espírito positivo do que a completa falta de considerações sobrenaturais nas coletâneas de máximas morais e nas admiráveis pinturas que os grandes romancistas tem feito da vida humana.

Tal é o caso das reflexões da marquesa de Lambert, publicadas em 1728. Esta mulher tão distinta, que abriu o primeiro grande-salão filosófico, era, nesse tempo, viúva de um governador de Luxemburgo e evitava, em conseqüência de sua situação a singularidade. Seus conselhos foram, aliás, impressos sem que ela o soubesse. Nos Conselhos a seu filho, que se tornara tenente-general, apenas faz menção a Deus, e no conjunto da obra nem cuida mais dele mesmo como se nunca houvera existido; oferece ao filho, como modelo, não a vida de Jesus, mas o exemplo dos seus antepassados; e como, não o céu, mas a glória: “Olvidai sempre o que sois, desde que a Humanidade vo-lo peça... sabei que as primeiras leis a que deveis obedecer são as da Humanidade: lembrai-os de que sois homem”.

 Nos Conselhos a sua filha, que mais tarde desposou o marquês de Santo-Aulaire ela ainda precisa essa máxima: “Para ser cristã, diz-lhe então, cumpre creditar cegamente; para ser sábia, é necessário ver claramente ... Escolhei, entre os grandes homens, o que vos parecer mais respeitável; não façais nada fora da sua presença; prestai-lhe conta de todas as vossas ações”.

Quanto a Deus, só a ele se refere uma vez, ainda assim de passagem, e para não mais tornar. Fenelon julgava este processo um tanto arriscado; mas a eminente marquesa, obrigada a falar a única linguagem o que se prestavam ouvidos, respondeu-lhe: “Os costumes dos moços de hoje no obrigam a aconselhar-lhe, não o melhor, mas o menos inconveniente.”

Com a marquesa de Lambert, o nobre e terno Vauvenargues, nos seus Pensamentos, faz da gloria e do coração os mais poderosos inspiradores do espírito e da atividade como a marquesa, fala aos homens, a linguagem que a sua razão aceita e compreende, quer no tocante ao principio, quer ao fim.

Se abrirmos as Considerações sobre os costumes, de Duclos, vê-lo-emos considerar como a primeira das obrigações ser cidadão e pretender, desde 1751, o estabelecimento de uma educação geral e uniforme, destinada a formar franceses, depois de ter começado por fazer homens. Chama a atenção de seus contemporâneos para a necessidade de aproveitar o entusiasmo do século, a fim de fundar e universalizar a moral, “que tem por objeto”, diz ele, “os homens considerados relativamente à humanidade e a pátria.” Em nenhuma parte este belíssimo livro, Duclos faz a menor alusão ao regime teológico que nem mesmo menciona, tanto aspirava vê-lo substituído.

Os principais tipos do romance de costume, caracterizam, sob outra forma, o advento da moral positiva. O primeiro em data, a Princesa de Cléves, que apareceu em 1678, obteve, na alta sociedade do tempo um prodigioso sucesso, que a posteridade consagrou. Nesta obra-prima em que os sentimentos são, ao mesmo tempo, tão cavalheiros e tão puros, Madame de Lafayette pintou a existência de uma moça, de grande destaque, que triunfa das desordens de uma paixão, combatendo-as exclusivamente pelo sentimento, do dever, sem nenhuma consideração teológica.

Este propósito se mantém e acentua nos dois grandes romances do século XVIII. O Gil Blas, de Le Sage (1715-1735) e o Tom Jones, de Fielding (1750), mostram-nos a vida do homem desde o nascimento até o consórcio, numa situação precisa, embora um tanto excepcional. Quaisquer que sejam as conseqüências dos atos dos dois heróis, ora razoáveis, ora imprudentes, às vezes fazendo o bem, outras o mal, seus poetas só utilizam razões positivas quer para recompensar, quer para punir.

Estes hábeis observadores, que conheciam a natureza humana, legaram-nos o que seus eminentes espíritos viram e puderam analisar; o que pintaram foi à sociedade francesa e a inglesa, em que viveram e ainda revivem em suas obras. Esse caráter profundamente humano explica o poderoso atrativo que os dois poemas exercem sobre todas as idades, e que não deixarão jamais de reler.

É, pois, evidente que, assim na vida civil como na vida moral do Ocidente, os motivos puramente humanos prevalecem na consagração de regras para as quais, outras, parecia mister invocar o espírito teológico.

Capitulo Sétimo

Insuficiência crescente da direção teológica em Moral.

Resumo:

Onde o espírito humano avança, o espírito teológico recua. Amoral monotéica, não sendo social, torna-se cada vez mais insuficiente para a regulamentação das relações cívicas, ocidentais e planetárias; destarte, na prática habitual, os homens de Estado são, necessariamente, e cada vez mais, inspirados pelo positivo. Paris, a cidade por excelência, resume o duplo movimento, orgânico e crítico, do passado moderno.

Já vimos como a direção teológica passou ao estado de solução imaginária, para muitos indivíduos; vale dizer, observamos que, para eles, a influência desse Deus, a princípio, todo-poderoso, mesmo no domínio material, decresceu a tal ponto que tudo se passa, atualmente, como se não existisse.

A moral da Humanidade, com efeito — e mais adiante havemos de prová-lo — é-lhe de todo independente.Resta-nos esclarecer o modo pelo qual essa direção deve cair em desuso entre os teologistas atuais, para quem, a rigor, ela já vem a ser uma simples quantidade complementar, mais ou menos intensa da direção real, em cujas mãos francamente se encontra o governo da sociedade.

Onde aparece a lei positiva, expunge-se a causa sobrenatural. Deus era o tutor que devia velar pelos interesses gerais da espécie humana, até ao dia em que a ciência atingisse toda a sua plenitude. Mas, que lhe resta, agora que o espírito científico se tornou, enfim, capaz de substituir inteiramente a moral teológica.

O desenvolvimento continuo da lógica positiva tornou os cérebros cada vez menos aptos a acreditarem nas concepções teológicas; reconhiecemos gradualmente o domínio das leis naturais em mecânica, física e biologia. Em matéria industrial ou patológico. o teólogo mais apaixonado não atua diversamente do sábio mais ateu, ambos pedem às leis positivas a regra que os possa conduzir à meta final.

Este estado de espírito domina todos, homens e mulheres, mesmo por causa das tendências progressistas, de que o positivismo é, na verdade, a coordenação e o coroamento.

Não podemos, indefinidamente, dividir-nos em dois; e o estado normal, para onde caminhamos, caracteriza-se pela supremacia do espírito cientifico, com exclusão de todo o teologismo. Mede-se o progresso pela preponderância crescente do primeiro sobre o segundo, na conduta privada e pública.

A invasão continua do espírito positivo corresponde, com efeito ao crescente desuso mental e social, do governo teológico, desuso resultante da opinião tornada em preconceito de só tos referirmos, nas questões habituais aos dados científicos. Foram semelhantes dados que permitiram suprir a diminuição crescente da preponderância teológica pelo apoio indireto que forneciam às tradições, embora por muito tempo despercebido.

Mas, o que desacreditou principalmente o antigo dogma foi à necessidade de procurar alhures uma direção apta para acalmar e resolver os conflitos da sociedade, diante dos quais ele se mostrava de uma insuficiência e incapacidade cada vez mais notarias.

Cumpre-nos pois, antes de concluir, explicar essa incapacidade, que deriva de um vicio essencial.

Sendo a moral necessária mente pessoal nunca pode abranger o ponto de vista cívico, e isto explica por que a sociabilidade nunca foi explicitamente invocada pelo sacerdócio católico Continuando a tradição judaica, que só conhece uma pátria: a celeste Jerusalém, essa moral forneceu ao homem por meta precípua, não o civismo, mas a própria salvação; educou-o, para o paraíso e ensinou-lhe o desprezo a terra. Deus pede santos para povoar o céu e não necessita de patriotas.

O espírito teológico, alem disto, é inconciliável com o novo regime, que resulta da combinação da ciência com a industria. Pode, portanto, quando muito, fornecer soluções ilusórias para as questões sociais da atualidade, tais como a origem e o emprego das riquezas, as relações entre os novos elementos temporais e espirituais da sociedade, e a origem e o fim do trabalho mental. Nem mesmo abeirou este derradeiro problema, que é, aliás, decisivo.

Foi da revolta do espírito contra os hábitos morais e contra a preponderância social, que nasceu esse estado revolucionário, deplorado pelo sacerdócio, depois que o provocou e até impeliu, longe de o debelar.

No ponto de vista ocidental, é nítida a incapacidade teológica. A revolução moderna, que data do século XIV, ­iniciou-se precisamente pela rotura dessa monarquia européia, fundada, regulada e governada pelo papado. A diplomacia foi o expediente destinado a preencher essa falta, até que nova organização espiritual reconstitua sistematicamente a República do Ocidente.

O poder internacional dos papas, desde então, jamais se refez, e quando a Santa Aliança dos reis empreendeu restabelecer certo equilíbrio europeu, foi a um pontífice cismático, o tzar. que colocaram à frente desse conselho, do qual o papa fora excluído, e onde se colocaram os outros príncipes protestantes.

A moral teológica, finalmente, é incapaz de abranger e regrar as relações sociais mais extensas, as relações planetárias, a não ser pela solução ilusória de uma conversão universal.

Como dar regras ao Oriente quando, a despeito de uma organização sacerdotal tão notável, a Igreja não pode satisfazer às exigências do Ocidente, onde, desde o fim da idade-média, os séculos se contam pelas restrições à sua preponderância?!

Pode o teologismo dirigir as relações dos ocidentais com os muçulmanos, cuja crença encara como abominável, declarando-os inassociáveis, imiscíveis conosco? “Desde que o cristão e o muçulmano se defrontam. diz de Maistre, um dos dois deve servir ou perecer”.

Contar-se-á com maior felicidade, no tocante aos indús? Assegurava certo bispo, entretanto que nuca pudera atuar a não ser sobre os seus domésticos, e ainda assim, cumpre acrescentar que a conversão deles apenas durava o tempo em que se mantinham ao seu Serviço.

Que lhes poderá oferecer o catolicismo? Mistérios? Mas se eles cream deuses todos os dias!.. Milagres?... Quando o divino Krichna quer abrigar a sua linda apaixonada dos raios do sol, de uma montanha faz unia sombrinha!... Afeitos a tais prodígios, não é de surpreender que os milagres cristãos só os espantem pela simplicidade. Não há meios de lutar com os indús por argumentos teológicos e é mister renunciar à esperança de os converter, como, aliás, muito bem demonstrou o abade J. A, Dubois, missionário em Meíssur, homem muito de bem e ilustre indianista.

Quanto aos chineses, é inútil pensar em tal; não conhecem Deus e nunca lhe sentiram a necessidade. Isto, porém, não os impede de ser o único povo cujo teatro respeita a família, de tal forma esta instituição fundamental se acha entre eles assentada.

Concebe-se que politeístas se tenham podido converter a um novo deus, cristão ou muçulmano, porque, em última análise, isto equivalia a adorar mais um deus; mas o mesmo não se dá em se tratando de gente que só quer um, ou que não admite nenhum.

Não se podem, todavia, exterminar estes diversos monoteístas, politeístas e feiticistas, Politicamente, a operação não seria nada vantajosa, porque os interessados não estariam absolutamente decididos a permiti-la... Existem cem milhões de muçulmanos, cento e oitenta milhões de indús e cerca de quinhentos milhões de chineses, o que corresponde a mais de metade da população terrestre.

Não será, então, com auxilio da teologia que poderemos travar relações diplomáticas com i oriente. Ser emancipado como Voltaire, ainda bem menos convirá para tal. Quanto a aplicar no caso a doutrina de Rousseau, basta notar que se os negócios do planeta se tratassem pelo sufrágio universal, nós, os ocidentais, seriamos governados por chineses Aliás. Voltaire e Rousseau eram deistas. Em semelhante matéria, a moral metafísica tem que ser posta a margem.

Só a direção científica é possível. Ao contrário do espírito teológico, que não resolve o problema da unidade a não ser por conversão ou destruição, reconhece o espírito positivo à parte de cada um, assegurando-lhe a preponderância e estabelecendo assim, a sua incontestável superioridade.

Os verdadeiros homens de Estado tem favorecido o progresso humano, fazendo prevalecer, cada vez, mais, as noções positivas sobre as concepções teológicas e só tem sido eminentes por terem atuado nas coisas da política como se jamais houvessem conhecido Deus­.

Richelieu foi notável como estadista: positivo antes de tudo, sempre preferiu a pátria ao céu e a Humanidade a Deus. ­Era um homem de Estado, um grande cidadão, para quem a teologia se mostrava um simples meio católico, sustentava os protestantes; cardais, declarava guerra ao papa; cristão, preferia os turcos aos bons amigos espanhóis, que, então, vinham a ser, no Ocidente, os órgãos da resistência católica certamente, semelhante atitude deveria passar por criminosa aos olhos de Deus;      mas Richelieu previra esse inconveniente e, por isto, arranjara antecipadamente uma bula de absolvição geral, em branco.

Substituir as vagas conveniências de um meio teológico ou revolucionário pelas razões positivas, eis a característica do verdadeiro gênio político.

E este o espírito que deve prevalece  na regulamentação dos negócios do Oriente, como em todas os outros. Devemos, em todas as relações sociais, substituir a lei de Jesus pela moral positiva, visto ser esta a única que atende ao interesse geral d Terra e da Humanidade. Foi o que o Positivismo, baseado na história, veio tornar claro e preciso.

Não nos seria tão fácil, em outro país, expor estas questões como fizemos aqui. A França é a nação mais emancipada do Ocidente; nos dias que correm, é governada sem Deus.

Sua capital foi à sede principal do duplo movimento orgânico e critico que, há mais de cinco séculos, caracteriza a civilização ocidental.

Nenhuma cidade, como Paris, se despojou tão rápida e tão ousadamente do jugo teológico, nenhuma tão bem confraternizou com os outros povos: nenhuma se devotou mais constantemente para assegurar ã França, ao Ocidente e ao Mundo, a independência e o concurso de que já gozava. Mantem-se, nos tempos modernos, como foi na idade-média a cidade preponderante.

Na sua função de iniciadora nenhuma ainda a substituiu e, mau grado a tormenta alevantada por selvagens blasfêmias, este glorioso barco prossegue a sua rota, levando a Humanidade e sua fortuna.

Para o escol dos ocidentais Paris é o centro comum de todos os atos, de todos os pensamento e todas as efeições: é a Cidade.



SEGUNDA PARTE

Caracteres Fundamentais da moral positiva

Capitulo Primeiro

Espírito genérico da moral positiva

Resumo:

- As necessidades da situação foram satisfeitas por Augusto Comte: a moral positiva já se acha instituída e vai sendo ensinada. O seu espírito geral consiste em partir do estado hodierno para modificá-lo, por substituição, transformando o movimento revolucionário em surto moral continuo. Reforma tão profunda não podia ser imediata.

Acabamos de mostrar como da série de preparativos anteriores resultou necessariamente a moral positiva, que veio a ser tão, imprescindível pelo desuso do teologismo quanto inevitável pe!o acúmulo das regras empíricas, estabelecidas pela sabedoria dos séculos.

O problema estava tão bem preparado, tão urgente era a reconstituição moral, que o mais profundo pensador da escola conservadora de Maistre escrevia no começo do século: Aguardai que a afinidade natural da religião e da ciência as reuna no cérebro único homem de gênio; o aparecimento desse homem não pode tardar muito e talvez mesmo já ele exista. Há de ser famoso e porá fim ao século XVIII, que ainda perdura... Tudo indica não sei que extraordinária unidade, para a qual vamos caminhando a passo largos.’

Quem devia descobrir essa grande unidade já era nascido na época em que de Maistre formulava tal profecia. Augusto Comte deu às regras morais a coordenação e a generalização que lhes faltavam tudo referindo à Humanidade.

Fundou ele o sistema de moral demonstrável capaz de regulamentar o conjunto das relações humanas, “substituindo a tormentosa discussão dos direitos, pela pacífica elaboração dos deveres” (Discurso sobre o Conjunto do Positivismo, 1848).

Tendo o positivismo como destino social instituir este sistema, satisfizemos a tão urgente necessidade, estabelecendo o seu ensino. Professamos, atualmente em Paris, um curso de vinte lições sobre Moral Teórica, em que estudamos a natureza humana, considerada em sua plenitude, no estado de higidez e de completo desenvolvimento e levando em conta as relações do físico e do moral, sem olvidar, o exame das perturbações correspondentes. No próximo ano, completaremos este estudo preparatório por vinte outras lições, consagradas à moral prática. Esta segunda parte combina a teoria abstrata da moral com as diversas fases da existência, desde a concepção até a morte, tendo em vista o aperfeiçoamento da natureza humana.

Bastam estas palavras para aplicar como não podemos, numa única sessão, desenvolver semelhante sistema. Depois de termos exposto os caracteres fundamentais da moral positiva, indicaremos, sumariamente suas principais aplicações. Examinemos-lhe, de começo, o espírito geral.

O sábio, seja qual for o estudo positivo que tencione fazer, parte da situação adquirida, seguindo a diretriz traçada pelos antecedentes, O teólogo, pelo contrário, e mais ainda o metafísico (para quem a infalibilidade papal não estabelece limites aos abusos do espírito) consideram como inexistente tudo quanto antes deles se fizera, e tomam a si mesmos por ponto de partida, na questões que pretendem estudar.

O Discurso sobre o método é um incomparável exemplo da diferença radical que separa o espírito positivo do teológico-metafísico pelos processos e resultados. Como metafísico. Descartes tira tudo de si mesmo; como sábio, toma a geometria no ponto em que a deixaram os seus predecessores gregos e lhes continua a obra.

Em política e  moral dá-se o mesmo que em geometria; toda a ordem fictícia durável, vale dizer, toda a reforma radical repousa numa ordem prévia, que resulta espontaneamente do passado, consoante leis verificáveis. Qualquer instituição teórica ou prática, que não respeite esta base natural, só pode ser quimérica e efêmera, porque, neste caso, o presente não aceitando mais a sujeição ao passado (a quem pertence sempre à última vitória) se coloca em oposição à única força moral que o protege da anarquia, expondo-se. deste modo, a todas as perturbações.

De acordo com o preceito de Descarte, tomaremos, então, como ponto de partida, o estado presente, o conjunto da ética mediana, praticada pelas pessoas sensatas. Aceitaremos estes hábitos e preconceitos, emanados da série de nossos antecessores, e que realmente serviram para educar inúmeras gerações. Honrar-nos-emos tanto em conservar quanto em acrescer essa herança moral, que se mostra o nosso mais raro e precioso tesouro.

Sendo a condição básica respeitar a continuidade, mormente inovando, reduz-se o problema ético, essencialmente, em coordenar e desenvolver o conjunto dar regras existentes, empiricamente consagradas pelo bom senso universal.

Percebida, entretanto, a justa preponderância da tradição, cumpre-nos reconhecer, também, que os preconceitos morais precisam ser revistos por uma autoridade competente. Querendo tudo refazer sem esta direção, expor-nos-íamos a transtornar hábitos necessários. Essa tarefa exige princípios seguros e raras luzes.

É mistêr saber levar em conta a influência crescente das gerações que, fazendo concorrer impulsos progressivamente variados institui deveres, tendo por base motivos cada vez mais complexos. Cumpre formular e impor novas obrigações, de vez que toda a situação profundamente modificada, qual a nossa, exige regras especiais. Não o é menos, também, desfazer certo número de preconceitos existentes.

Na moral positiva não há lugar nem para direitos anárquicos, consagrados por uma consciência revoltada contra seus próprios creadores, nem para deveres relativos a uma providência fictícia, quando a verdadeira já é devidamente conhecida. Nesse renovamento, procederemos sempre por substituições, respeitando todas as regras morais, até que tenhamos outra, para por em seu lugar.

Uma profunda máxima do grande Danton exprime admiravelmente este aspecto do método cientifico: “Só se destrói se substitui”. Seria facílimo tudo perturbar sob o pretexto secundário de abuso ou progresso: não há coisas perfeitas, todas tem sua feições boas e más. Nós mesmos somos bípedes imperfeitos, sendo esta afirmativa preferível à de Platão.

Suspeitamos desses espíritos críticos que provocam a instabilidade das instituições políticas e industriais, e cuja bulhenta atividade se reduz, afinal, em fazer maiores males do que seus predecessores, sem o bem que eles causavam. Em que poderá contribuir para a felicidade e para o bem público um método, que acaba por transformar toda a existência numa série de ensaios infrutíferos?!

Não admitimos a critica das instituições e dos preconceitos. apenas pelos seus inconvenientes: ela só é legitima quando temos razões positivas para fazê-la e remédios valiosos para empregar.

Alias, segundo o espírito cientifico, a maneira de corrigir o que se mostra vicioso, arbitrário e egoísta, é crear seres, individuais ou coletivo, honestos razoáveis e devotados.

Não queremos, enfim, mudar o atual estado de coisas de um dia para o outro; a sociedade, felizmente, caminha mais ou menos por si mesma, O que procuramos é lenta e continuamente modificá-la, segundo diretrizes científicas demonstráveis, repelindo toda a agitação perturbadora, que só serve para reanimar, quer nas instituições, quer nos espíritos, Uma retrogradação, já inexistente nos costumes.

Em trabalho tão rude quão perigoso – porque o homem é animal bem mais difícil de transformar do que se pensa – cumpre evitar os choques, que fazem perder forças preciosas: em moral como em política, repugna tudo quanto é excessivo e violento. Também, as necessárias supressões efetuadas requerem a manutenção do statu-quo político.

Uma reforma tão profunda não permite melhoramento geral imediato, pelo motivo evidente, segundo o qual a modificação das opiniões e dos costume deve preceder e não da mudança de regime. Mesmo as coisas boas não se podem furtar a esta exigência, e embora tenham por si o apoio da razão coletiva, precisam sofrer a prova do tempo. O dogma pode, à primeira vista, parecer absurdo ou duvidoso e a lealdade opões-se, então, a que nos submetamos sem maior exame. Alias, como, em verdade, poderemos aplicar um principio qualquer, se o não tivermos previamente assimilado?

É necessário, portanto, se possam examinar as verdades que devem finalmente tornar-se o fundo comum das crenças humanas. Só há progresso digno e certo com a liberdade individual.

É, pois, muito vasto o nosso escopo! Cabe à teoria indicar as condições de realização do estado ideal, para onde tende a nossa atividade. A prática é incapaz disto, porque nada concebe fora do que existe.

Se somos acusados, somo-lo nas conclusões a que chegamos e que expomos abertamente, porquanto é mister para onde nos dirigimos; mais, no aplicar, a conciliação é a nossa regra. Queremos ir lenta e seguramente, até a meta final: Chi va piano, va sano, chi va sano, va lontano.

Caminhamos para a conversão pacífica das inteligência e dos corações, sustentados por uma doutrina poderosa, gozando mentalmente, desde já, de um porvir certo, cuja aurora inspirou a Condorcet a sublime prece que encerra o seu Esboço dos progressos do espírito humano.

Capítulo Segundo

Bases da moral positiva

Resumo:

- A natureza humana, cujo conhecimento supõe a concepção cientifica do meio, como social, é à base da moral positiva. Gall ao instituir o estudo positivo das funções do cérebro, eliminou a concepção metafísica da unidade do homem. Entre seus precursores, cumpre-nos assinalar David Hume, Georges Leroy, Cabanis e Bichat, Gall, porem efetuou a revolução decisiva, que permitiu a Augusto Comte construir a teoria sistemática da alma, consagrar o papel social da veneração e ética positiva.

A moral positiva apóia-se na realidade das coisas, mas, como constitui, na série cientifica, o supremo grau para onde todos os outros convergem, o conhecimento efetivo de nossa natureza moral supõe adquirido o de nossa situação, assim planetária conto sociologia. O Mundo, a Sociedade e o Homem são as bases, verificáveis e demonstráveis, que dão à morte humana uma consistência que a moral teológica jamais teve.

A moral positiva depende, em primeiro lugar, de nossa situação cosmológica, porque deveria ser modificada se a Terra fosse diferente do que é: variaria, por exemplo, com as dimensões do planeta.

Se a superfície ocupada pelas águas fosse bastante grande para reduzir a extensão da terra habitável às proporções da Irlanda, muitas normas relativas à alimentação e à propriedade se aproximariam do comunismo primitivo.

Fosse essa superfície igual à do Ocidente, e a unidade da espécie humana teria sido alcançada pela civilização militar.

Enfim, se a extensão da terra habitável, ao inverso da proporção atual, que se mostra absurda, pois o nosso planeta é antes feito para os peixes do que para os homens, fosse consideravelmente mais ampla do que o espaço ocupado pelas águas, e, com maior razão, se a Terra tivesse as dimensões de Júpiter, o gênero humano talvez jamais realizasse a associação universal, indispensáveis à unidade ética.

A moral positiva acha-se, alem disto, subordinada as condições biológicas: se o trigo se encontrasse tão fácil e tão abundante como o ar, ou se os alimentos se obtivessem inteiramente prontos para o consumo, sem mais esforço que o exigido pela respiração, muitos preceitos morais se tornariam supérfluos. Não se rouba o ar, que é relativamente inesgotável.

Por que se não permite a apropriação arbitrária dos produtos humanos? Por que motivo é crime dissipar os diversos materiais e provisões que o planeta nos fornece, devendo-se, pelo contrário, empregá-los com certa economia pessoal e coletiva?

Estes capitais são, ao mesmo tempo, difíceis de produzir e muito escassos em referência à população, é que teem sido e permanecem como base da civilização, sendo mistér conservá-los, considerando as necessidades dos que vierem depois de nós. De fato, a precisão de assegurar a existência quotidiana suscita as maiores dificuldades sociais e foi da a creadora da mor parte das instituições humanas. Não se podem estabelecer regras morais sem levar em conta a nossa existência biológica.

Não se pode, por mais tempo, abstrair a nossa condição sociológica, pois que a situação moral decorre dos antecessores. Cada geração deixa resultados; transmite, por conseqüência à seguinte, um modo de viver que difere, mais ou menos, do que encontrou, correspondendo, aliás, ao seu desenvolvimento. Disto resultam alterações no modo de pensar, nos atos e nos sentimentos.

Para que uma regra moral seja positiva, não basta, pois, que se mostre em conformidade com a nossa situação; é ainda preciso que seja oportuna, ou por outra, que esteja de acordo com o grau de civilização correspondente.

Quando Harfleur e Montivílliers se guerreavam, em penedo análogo aquele em o qual os romanos se batiam a duas léguas de sua cidade, as relações destes povos não podiam ser dirigidas por leis morais idênticas ás de nossa época, em que ambos fazem parte de um mesmo departamento. Não se poderia julgá-los, neste período militar, segundo ética social semelhante à que os domina hoje, quando ambos fazem parte de uma nação empreendedora que inclui em si os destinos religiosos do gênero humano. A moral positiva supões, por conseqüência, o homem desenvolvido pela evolução social.

Essas diversas influencias, por mais necessárias. que sejam, desempenham, um papel puramente modificador na vida do homem e são dominadas por um fenômeno preponderante que, em meio dessa variedade, se manifesta segundo leis constantes, base dos princípios irredutíveis da teoria positiva da natureza humana. É, com efeito, na moral espontânea que devemos procurar o fundamento da verdadeira ética, e alem dela não se poderia remontar. Essa é, aliás, uma noção sobre a qual convem insistir, precisando-a convenientemente.

Do ponto de vista positivo, o homem é um animal não só inteligente como dotado de condições orgânicas, em virtude das quais manifesta a disposição, observável eu todos os paises e religiões, de conduzir-se de maneira sociável espontânea, independentemente de qualquer preceito e de qualquer sistematização.

A prova da existência, no homem, de sentimentos benévolos inatos, foi a maior descoberta científica do século XIX e a mais importante que se tenha feito em moral, depois da lei de S. Paulo. Devemo-la a F J. Gall.

A benevolência nunca foi diretamente negada. As palavras usuais, que só se adotavam como resultantes de observações feitas por todo o mundo, são a prova disto. Mas, se o bom senso universal sempre admitiu a benignidade espontânea, as hipóteses que lhe explicavam, a existência mantiveram-se até Gall, ou fictícias ou puramente abstratas, de sorte que a linguagem e a prática se achavam em desacordo com as teorias, evidentemente inferiores.

Gall, estabelecendo a pluralidade dos órgãos cerebrais, arruinava a teoria metafísica da unidade do homem. Nada mais falso que essa teoria puramente abstrata, pois, não só reduzia a afina à inteligência, servida por paixões e instintos, como criava, entre o gênero humano e a animalidade, separação radical, em contraste absoluto com os fatos vulgares e com a verdade cientifica.

Longe de ser uno, é o homem, o animal que oferece os aspectos mais variados, não somente em ralação ao egoísmo, mas também a inteligência.

Animados por instintos, que mais ou menos divergem, de raro em raro se mostra conseqüente: hoje é governado pelo amor-próprio; amanhã, pelo instinto destruidor: em certo momento, pela veneração noutros, pelo instinto nutritivo. Ontem, mostrava-se ­inteligente: resfria-se, e já parece estúpido! Tenho quinhentas fisionomias por dia’, assegurava Diderot.

Reconhecer uma entidade ou um instinto preponderante no homem, arrastado e impelido, assim, para as mais diversas e variadas direções, é criar um ser fictício, impossível de realizar-se, Quando J. J. Rousseau e Helvécio, confundindo ambição com sociabilidade, escreveram que o homem é governado pelo amor-próprio queria isto apenas dizer que ambos o tinham em excesso e nada mais.

A descoberta e a demonstração de Gall haviam sido preparadas pelos pensadores do século XVIII, mormente por David Hume, Georges Leroy, Cabanis Bichat. Descartes deixou, provisoriamente, ao espírito teológico-metafísico o estudo da natureza humana cuja instituição positiva seria prematura no século XVII.

Sob o impulso de E. Bacon, tentou a escola enciclopédica, no século seguinte, construir a moral puramente positiva, Hume, que foi o principal precursor filosófico de A. Conte, empreendeu fundar, sobre observações e fatos, a teoria da natureza humana (1739); sentiu, porem, que essa sistematização ainda não se achava suficientemente preparada e limitou-se a expor seus esboços especiais em diversos Ensaios filosóficos.

No tratado que especialmente consagrou a suas Pesquisas sobre os princípios da moral (1752), Hume partiu do bom senso universal para refutar a teoria imaginária do interesse bem entendido; verificou que a observação coletiva, intérprete da moral espontânea, reconheceu disposições benévolas, sentimentos de piedade e gratidão. A linguagem vulgar, diz ele, exprimiu todas essas idéas e as distinguiu das paixões egoístas.

Os animais suscetíveis de desinteresse sê-lo-iam por algum requinte de espírito? Por que recusar-nos o que se lhes concedia? Assim como eu, nós existem necessidades incoercíveis, sentimentos interesseiros e ambiciosos irredutíveis, não será mais difícil conceber que existam também benevolência e amisade. Esta historia parece, ao mesmo tempo, mais simples e mais concorde com a natureza. Ao suposto princípio do amor-próprio, opõe Hume o principio da Humanidade, e assim se exprime:

“Embora se não encare, talvez, este amor do gênero humano como uma paixão tão forte quanto a vaidade ou a ambição, por ser comum a todos os homens, deve ele servir de fundamento à moral, ou a qualquer sistema genérico sobre as ações e os hábitos humanos”

“Georges Leroy confirma e desenvolve a tese de David Hume, em suas Cartas sobre os animais e sobre os homens (1781). Ninguém melhor compreendeu a natureza moral e intelectual dos animais do que este grande observador, monteiro-mór do parque de Versailles. Deve-se-lhe a instituição decisiva de um confronto científico entre as funções mais elevadas do homem e dos animais, melhor manifestando estes a existência das faculdades cerebrais elementares, porquanto não se mostravam complicadas pelas modificações que se devem ao nosso estado de civilização. Sobre esta base, Georges Leroy estabeleceu a bondade inata do homem, que subordina a um instinto irredutível”.

Ela diz Leroy, é o verdadeiro fundamento da sociabilidade, da fica e de qualquer virtude natural, e graças a ela o homem se encontra a uma distância infinita dos outros animais, muito mais ainda do que pela superioridade de sua inteligência... — .. Nos homens, essa disposição preciosa e sagrada adquire força pelo exercício e pelo hábito... — ... É na verdade, alterada, amiúde, por interesses mais enérgicos: faz-se, porem, sentir desde que estes se acalmem, e o exercício habitual torna-a, por vezes, predominante.”“.

Cabanis, procurando. enfim, a solução do mero problema na fisiologia, chama a atenção para o ponto de vista do conjunto, único verdadeiro, em seu tratado Do Físico e do Moral do Homem (1802) Nesta célebre obra, que fez de Cabanis o precursor imediato de Gall!, acha-se instituído o estudo da ligação profunda que existe entre as funções intelectuais e morais e as funções vegetativas e animais; a reação do moral sobre o físico também nela está indicada, anunciando assim o processo básico do aperfeiçoamento da natureza humana.

Apesar do seu mérito, este precioso subsidio era insuficiente. Cumpria fazer cessar a indeterminação em que permaneciam os esboços gerais destes pensadores, ainda dominados pela metafísica, embora não o soubessem.

Era mister precisar os vagos princípios de humanidade, compaixão, simpatia, segundo uma análise positiva destas faculdades complexas, tornando-lhe a existência, de então por diante, indubitável, e referindo-as distintamente a outros tantos órgãos cerebrais. Exigia este trabalho à sistematização das teorias positivas sobre a vida orgânica e animal, isto é, a fundação da biologia, que resultou das Pesquisas fisiológicas sobre a vida e a morte (1800), da Anatomia Geral (1801), principais trabalhos de Bichat, morto em 1802, com trinta e um anos de idade, médico do grande Hospital da Humanidade, de Paris. Dai em diante, foi possível estende: o método positivo ao estudo da vida cerebral.

Gall iniciou semelhante movimento. Desde seus exórdios, teve a hostilidade de Bonaparte e da Academia de Ciências e da Academia de Ciência e finalmente, uma indigna fraude tentou reduzir essa renovação cientifica, mais importante que a de Galileu, ao simples conhecimento do estado interior do cérebro pela exclusiva determinação da forma e das dimensões do crânio.

Esta oposição declinou em face das descobertas de Gall, que teve, alias, o cuidado de vulgarizá-las por meio de cursos e publicações. das quais a mais importante foi por de reproduzida, com menor desenvolvimento anatômico de 1822 a 1825, em seu tratado Sobre as funções do cérebro.

Gall estabeleceu cientificamente estes dois princípios:

l.º) a alma é um termo abstrato, que representa um conjunto de funções múltiplas, morais e intelectuais irredutíveis entre si;

2.º) cada una destas funções tem sede particular no cérebro, em parte determinável da substância cinzenta.

Esta última concepção foi decisiva, porquanto deu a moral uma base lógica importante, colocando, irrevogavelmente, o seu ponto de partida na própria natureza humana.Desde então, o cérebro foi encarado não mais como um órgão simples, mas como um conjunto de órgãos, correspondendo os seus três grupos principais á inteligência, ao caráter e ao coração que governa todo o aparelho.

O problema da análise da alma foi estabelecido. por Gall; mas, se excetuarmos a dos bons sentimentos, ele fracassou, principalmente no que concerne à decomposição das faculdades intelectuais. Alem disto. insulou demasiado o cérebro dos órgãos vegetativos e do sistema nervoso em geral.

Este insucesso foi provocado, sobretudo, pela insuficiência do método. Gall. como todos os seus precursores, estudou o homem, fazendo abstração da Humanidade.

A resolução do problema final coube a Augusto Comte: depois de ter creado a sociologia, pode construir a teoria do cérebro e, sobre essa base sistemática, fundar a ciência moral. A concepção positiva da alma foi por ele reduzida, precisamente, à teoria abstrata e geral das funções do cérebro, simples e compostas. tanto interiores quanto exteriores, sendo estas últimas encaradas em seu duplo estado, ativo e passivo.

Dora por diante, deve considerar-se o cérebro como o aparelho que liga o corpo ao mundo, e por cujo intermédio se produzem todas as suas ações e reações.

Só depois de Gall foi que ficamos sabendo, com certeza, que o homem é tão naturalmente capaz de apego, veneração e bondade, como é espontaneamente egoísta e ambiciosa. Graças à demonstração da existência dos sentimentos benévolos foi que o positivismo pôs em foco a questão principal: - desenvolver o respeito tão seriamente comprometido pelo estado revolucionário.

A verdade é à base de toda a hierarquia, de toda a nobre dependência de toda a submissão, e, por conseguinte, de todo o aperfeiçoamento. Se o homem não fosse um animal venerador, não teria sacerdócio, nem governo, nem sociedade, e portanto, não teria moral.

Por que, apesar da sua inteligência superior, os macacos levam uma existência tão abaixo do estado social dos cães? É que lhes veneração. Idêntico motivo faz os mais atrasados dentre os homens, os puros demolidores, inimigos-natos de toda a superioridade, por mais ilusórias que sejam as suas reivindicação progressistas.

Amar os superiores é o começo da plena emancipação e do verdadeiro progresso moral ponto de partida de todos os outros. Broussais, fundador da patologia positiva, natureza enérgica, sábio audacioso e um dos homens mais notáveis deste século, honrava se de sua veneração pelo grande Bichat, que chamava “mestre”. Esse o caráter de toda alma elevada.

O respeito é uma faculdade que a educação positivista cultivara e desenvolvera de maneira especial.

Coisas existem que se devem desprezar e pelas quais é necessário ter, segundo o exemplo de Alceste de Moliere.

... essas fúrias ardorosas,
Que o vicio causa sempre as almas virtuosas.

Mas, a veneração é à base de toda sociedade voluntária; ela que distingue a obediência do cidadão da cobarde vileza do súdito; dela é que advem a superioridade da civilização ocidental sobre todas as outras; por ela, ainda, foi que Paris se achou colocada à frente do progresso humano.

Os parisienses teem duas qualidades contraditórias em aparência: são vaidosos, como todos os verdadeiros cidadãos, mas possuem, alem disto, o sentimento da veneração muito desenvolvido, que os tem tornado, ao mesmo tempo, a população mais progressista e a mais fácil de governar.

Para fortalecer o sentimento social por excelência, o primeiro culto a instituir com a República é o dos grandes homens, quaisquer que tenham sido as suas épocas e nacionalidades; a eles devemos quanto somos hoje.

Foi Gall o precursor cientifico imediato de Augusto Comte. Graças à sua maior descoberta a moral espontânea, que gradualmente se aproximou do estado normal pela evolução, foi irrevogavelmente incorporada à ciência da Humanidade. E, pela vez primeira e para sempre, as regras da ética, preocupação de todos os tempos, tornaram-se plenamente homogêneas e relativas, sem nada apresentarem de arbitrário.

Tendo a ciência tomado posse de todo o seu domínio, e chegado, afinal, à filosofia e à religião demonstráveis, o espírito abstrato mais sistemático pode dar plena satisfação às tendências empíricas do bonsenso universal e as mais profundas afeições do coração humano.

Augusto Comte tomando o homem tal qual ele é em seu conjunto, estendeu os preceitos da moral positiva a todos os aspectos desta natureza complicada, ondulante e tão volúvel. Baseou a moralidade no concurso dos dois atributos humanos – razão e sociabilidade – para resistir às revoltas e aos abusos da nossa animalidade. Graças a Gall, pode firmar os dois sustentáculos de qualquer organização cívica: a veneração dos fracos pelos fortes e o devotamento dos fortes aos fracos, para consagrar o mandamento sublime da moral; fazer o bem pelo próprio bem.

Aqueles que duvidam da realidade de sua moral, responde o positivismo firmemente, pelo órgão de seu sacerdócio: a existência e a duração da ética positiva são inseparáveis das da espécie humana, Nascida com ela, só com ela desaparecerá.

Por ação, espontânea ou sistemática de seu cérebro, livre de todo interesse, é que o homem ama, respeita e se consagra, qualquer que seja o ente superior, fictício ou real, que o espetáculo do mundo ambiente lhe mostre a razão, como devendo ser o alvo de seu afeto.

As leis naturais não começam a existir só no dia em que são descobertas; são de, todos os tempos. Eis o motivo pelo qual a Humanidade, assenhoreando-se pertence, onde quer que o encontre, reivindica como seus todos os devotamentos que, desde o passado mais remoto, teem honrado a nossa espécie.

Capítulo Terceiro

Sanções da moral positiva

Resumo

___ A moral positiva une o útil à realidade. A sanção humana sempre foi empregada pelos próprios teólogos, e, em todos os conflito, sobrepujou os processos sobrenaturais. Comporta três graus, sendo a opinião pública o mais poderoso dentre eles; reviver em outrem constitui a principal recompensa, O espírito positivo faz-se crer, e de Maistre, confessando a verdade, forneceu as provas do fato. A arte moral parecia furtar-se ao seu império: esta exceção puramente relativa à ordem de advento dos vários graus do saber humano, era apenas passageira; já não existe para os espíritos ativos. As aplicações das leis naturais são atos de positiva, de vez que resultam da submissão voluntária da razão individual ao saber da Humanidade. Sendo essencialmente relativa, esta nova fé afasta toda a possibilidade de despotismo científico, e determina as únicas convicções inalteráveis, próprias para assegurar o universal e irresistível império da opinião pública.

Debalde a moral positiva, apesar de sua incontestável realidade, pretenderia o domínio universal se não satisfizera à segunda condição de qualquer doutrina dirigente, vale dizer à utilidade, fornecendo a suas regras sanção e consagração irrecusáveis.

Para dominar, não basta, realmente, que a ciência conquiste os espíritos cultivados: cumpre que se imponha, a ponto de dirigir a vontade do povo. Indicaremos, por isto, quais sejam os seus processos gerais de governo, e mostraremos como a fé, que eles sempre exigem surgiu com o espírito positivo, constituído uma nova autoridade moral, capaz de fazer adotar e praticar universalmente as verdades que ensina.

É mister, antes de mais nada, considerar em seu verdadeiro valor a sanção teológica. Consiste ela, essencialmente em distribuir, para todo o sempre os maus e os bons, pelo inferno ou pelo paraíso, seja diretamente, seja depois de um estágio purgatório.

Afirmam os teólogos não possuir sanção a moral se não apóie na vida futura, sem notar que semelhante moral, para eles excelente, só convem ás naturezas inferiores. Com efeito, assimilar o dever a um depósito que rendesse juros fabulosos seria macular, pelo interesse, todas as provas de devotamento.

Para justificar essa asserção, era necessário provar que eles nunca empregaram outra espécie de governo, ou, pelo menos que esta outra só houvesse desempenhado papel secundário. Ora, a civilização teve como resultado demonstrar, afinal, o caráter ilusório dos processos sobrenaturais e a superioridade constante dos motivos humanos, Os teólogos nunca os separaram, e, todas às vezes em que houve conflito, prevaleceu sempre à sanção humana.

Ver na sanção divina o penhor da moralidade, quando sua eficácia nunca se verificou independentemente da intervenção de poderes humanos, denota mais fé do que lógica, porquanto esta invariável coincidência é antes uma presunção em favor da sanção terrestre.

Do ponto de vista teológico, as penas ou recompensas distribuídas durante a vida são uma espécie de adiantamento às que aguardam o homem depois da morte. Para que esta sanção futura seja eficaz, é necessário crer; sem, fé, não há salvação. Esta cláusula, a primeira, aliás, deveria ser exclusiva, se falássemos de modo absoluto.

Se, para a salvação, bastasse à fé sobrenatural, nos belos dias, de seu maior fulgor só teria havido santos. Na idade-média, entretanto, quantos tipos de monstruosidade moral se não podem apontar entre os perfeitos devotos?!

Pretender reduzir a penalidade unicamente ás sanções sobrenaturais seria, com certeza, uma tentativa assaz audaciosa e econômica. Mas, se nos houvessemos contentado com isto, teríamos dado uma péssima cartada: a força absoluta passaria a reinar e os homens de bem seriam os únicos tiranizados. Era o caso de desprezar, duma vez, essa vida terrena, tão ingrata e tão pouco suportável, embarcando imediatamente para o outro mundo.

Por isto mesmo, com sabedoria profundamente e humana, e para assegurar tanto quanto possível à felicidade sobre a Terra, Moisés. Numa, S. Paulo, Maomé e os outros legisladores exigiram que se unisse a prática, e a crença, jamais dispensando do emprego de processos positivos os sacerdócios por eles instituídos.

Mas, contradição bem maior de parte dos órgãos desse ser absoluto e todo poderoso, necessariamente obedecido, havia no confessar assim a insuficiência, e, em  última análise, a quimera da sanção divina. Foram alem: seus deuses, sendo creados para servir a humanidade e não para destruí-la, reduziram-lhes o oficio moral a sancionar, no céu, o direito necessário, que tinham, de e separar na Terra. E, de fato, mantiveram a ordem como se só devessem contar com a própria providencia pessoal.

Nada confirma tão claramente o caráter secundário e passageiro da sanção divina do que as provas decisivas a que a experiência universal a sujeitou.

As prescrições da divindade, por mais temíveis que tenham sido, nunca puderam conter a força da opinião pública. Todas às vezes em que houve oposição entre a sanção sobrenatural e a humana, a teologia recuou e foi vencida.

A idade-média oferece-nos um exemplo característico do que afirmamos. A feudalidade. Provinda do civismo romano, adotou a prática do juramento que este havia instituído, transformando, porem, o caráter sobrenatural que lhe dera. Findou por só invocar como garantia da vida futura, a honra, isto é, a boa reputação, conseqüente a um passado de lealdade.

Dizia a igreja católica que todos quantos se batessem em duelo iriam direito para o inferno, e tanto mais seguramente pois morriam sem confissão: o pensar feudal, pelo contrário julgava cobarde. e infame, até o fim da vida, aqueles que se não batessem.

Os cavalheiros medievos não hesitaram: o tiro de ser queimados por toda a eternidade, em companhia de Belzebute, de Satam e Beemote era preferível a afrontar, durante alguns anos, o desprezo público, e, para permanecerem fieis à honra, sacrificaram a vida eterna e bem-aventurada perto de Deus. A sanções teológica não teve, portanto, bom êxito.

Em que consiste a sanção positiva? Quais são esses processos gerais de governo tão universalmente eficazes, e que não cessaram de ser empregados por nossos pais e pelos próprios teólogos?

Consiste ela em invocar conforme os casos, a consciência, a opinião ou a força; tais são as suas três modalidades, consoante à ordem decrescente de eficácia e de dignidade.

A mas nobre, pois supõe que o individuo esteja persuadido e convicto, caracteriza a sanção puramente religiosa: é o apelo à consciência, isto é, ao coração e à razão. Se este apelo fracassa é mistér recorrer a uma verdadeira sujeição moral para obrigar o individuo a submeter-se: invocam-se, então, a família, os concidadãos os povos. Este apelo à opinião participa, ao mesmo tempo, dos dois outros processos.

Mas quando insensível a essas influências o individuo perturba a existência comum pelo exagero de sua personalidade, cumpre empregar meios extremos, isto é, apoderar-se de seus bens, de sua liberdade e, em casos excepcionais, de sua própria vida.

De um ou de outro modo é necessário que a expiação se efetue sobre a terra, seja qual for à situação do culpado.

A instituição universal da responsabilidade é a melhor,garantia da moralidade humana. Para prevenir ou corrigir as faltas, só se pode legitimamente apelar à consciência e para a opinião e o poder espiritual não deve empregar outros processos. A força, que está entre as mãos exclusivas do governo propriamente dito, reserva-se para a repressão dos delitos e dos crimes; todavia, só se deve fazer uso dela ‘queda os dois primeiros apelos se mostrarem insuficientes.

Tais foram os meios utilizados por nossos antecessores para assegurarem o cumprimento dos deveres, e cujo admirável conjunto constitui uma sanção mais salutar e mais eficaz (toda a história o prova) que es invenções do inferno e do paraíso.

Quem se importará com um pagamento tão afastado, quando a tentação se acha tão próxima?i Mas quem não teme a expiação imediata do remorso, da vergonha, ou da penalidade corporal?!

A todas as alegrias do paraíso, o homem preferirá sempre o gozo direto e permanente, que lhe conferem o testemunho de sua consciência e a aprovação, das pessoas de bem.

Quando as perturbações doentias da personalidade roubam aos sentimentos e à razão sua influência moral, como acontece com os loucos, recorre-se á seqüestrarão.

A sanção positiva acha-se, portanto, apta a prover todos os casos que a existência apresenta. Sua característica principal, na dupla forma diretora e repressiva que apresenta. E o império da opinião pública. cujo principal oficio consiste em ligar aos a idea de glória e de deshonra.

Crer que só se governa bem pela violência ou pela corrupção ê tomar os casos anormais pela própria ordem porque, em todos os tempos, embora necessária, a força tem sido um meio complementar, sempre e cada vez mais subordinada às opiniões dominantes. A eficácia e a durabilidade de sua ação dependem dos limites do concurso que essas opiniões lhe outorgam e que se acham fora de seu alcance.

A sanção positiva é, pois, essencialmente espiritual; e, se de modo crescente a suprema vergonha consistir em ser reprovado por outrem, desejar-se-á sempre, como suprema recompensa, reviver em outrem. Viver na memória dos homens tem sido constantemente um grato voto para as atinas nobres, e esta imortalidade, a que aspiram com o maior ardor, é a única compatível com a ciência. Só neste sentido o positivismo consagra a máxima corrente: Toda moral sem vida futura (subjetiva ao envés de pessoal) não tem sanção.

Neste arranjo positivo do governo humano em que só a opinião popular, graças a seu apoio, pode tornar executórios os preceitos morais formulados pelos filósofos. Como se realizará a aliança dessa grande força com o grande pensamento?


A opinião pode desencaminhar-se; se ganha batalhas também é quem as perde. Precisa portanto. Ser dirigida ou governada, vale dizer, reconduzida à consideração habitual do bem comum. Isto supõe, em primeiro ligar, que cada individuo se submeta livremente fé; em segundo que, por sua natureza, semelhante fé seja apta a tornar-se a única para todos, ou, em suma universal. Este é um problema formidável, que escapa a qualquer poder individual, por maior que seja.

O       positivismo, aqui como alhures, nada vem crear; apenas, desenvolve e sistematiza tendências espontâneas e universais. A história prova que o homem tanto mais subordina sua vida a suas crenças, quanto maior e a parte que o espírito positivo tem na formação delas. Essa influência, que a principio prevaleceu nos esboços especiais da moral humana, estendeu-se até aos mais gerais.

Desde suas primeiras conquistas, produziu o espírito positivo as únicas convicções verdadeiramente universais e inalteráveis. Don Juan, que não leva em conta nem o inferno, nem o céu, nem mesmo as conveniências sociais, aceita as duas bases de toda a moralidade, a razão e a sociabilidade; crê no teorema fundamental (dois e dois são quatro), onde começa a via que terminou na religião positiva. Só pelo amor da humanidade cede as instâncias do pobre que lhe pede uma esmola em nome de Deus.

Estas convicções passaram. das doutrinas aos doutores. Na época em que o grande teórico do catolicismo, de Maistre, nos seus Serões de São Petersburgo, assinalava a fé de que eles se haviam tornado objeto, a confiança popular já se tinha estendido dos geômetras aos astrônomos, aos físicos, aos químicos, e até mesmo aos biologistas.

O ascendente deles arrancou-lhe esta preciosa confissão; “Esta espécie de despotismo, que é o caráter distintivo dos sábios modernos, apoia-se inteiramente hoje em profundos cálculos, ao alcance de um diminuto número de homens. Basta que eles se entendam para impor silencio à turba. Suas teorias tornaram-se uma espécie de religião; a menor dúvida é sacrílega. O tradutor inglês das obras de Bacon, o doutor Shaw, disse... que o sistema de Copérnico tem ainda bastantes dificuldades. Realmente é necessário ser intrépido para enunciar uma dúvida desta natureza. A pessoa do tradutor me é absolutamente desconhecida; ignoro mesmo se existe. E’ impossível julgar-lhe as razões, mesmo porque não lhe pareceu conveniente fazer-nos conhecê-las; mas, no tocante à coragem, é um herói!”

Este mesmo de Maistre forneceu a prova decisiva de que o espírito cientifico sobrepuja o espírito teológico para determinar convicções. Quando procedeu à sistematização do catolicismo, no tratado Do Papa, onde se originou a reação cujo fim foi o Syllabus, tentou, como aliás escreveu, estabelecê-la por argumentos positivos: “não há dogma cristão que não tenha suas raízes em a natureza intima do homem e numa tradição tão antiga quanto o gênero humano. Aos que, inquietos com a novidade do processo, lastimaram, com bons motivos, que se não houvesse atido à argumentação tradicional, respondeu: Assim me não leriam,?. Ora, ele foi lido, e Augusto Comte, em se apropriando de todos os seus princípios essenciais, mostrou que a Revolução Positiva achara um servidor teórico inconsciente no mais racional de seus adversários.

Ao enves de se perturbar com o descrédito em que a fé cientifica lançava a teologia, a ponto de ser necessário mostrar espírito forte para sustentar doutrinas em contradição com as teorias positivas, este audacioso pensador não hesitou em anunciar a inevitável restauração do catolicismo.

O que lhe dava tal convicção era que os sábios, tão poderosos sobre a natureza, não levavam em conta absolutamente às coisas humanas.

Como todas as grandes cabeças filosóficas, de Maistre não punha em dúvida a inevitável tendência do espírito humano para a unidade do método e da doutrina, e. na separação dolorosa entre dois poderes inimigos, relativos um à fé e a moral, o outro a razão, e a industria, ele só podia ver um acidente.

Mas, quando em virtude do contraste existente entre a divergência dos sábios modernos em matéria política ou moral, e a convergência e poderosa unidade das concepções teológicas, de Maistre concluía que o espírito teológico, tendo conservado a preponderância na direção moral, havia de retomar a direção de todo o   domínio cientifico, mesmo astronômico, contava de com uma harmonia impossível.

Sem ter analisado convenientemente a situação. não viu seria necessário que a Humanidade, ou renunciasse ao método positivo em todos os domínios onde de havia gradualmente prevalecido, mau grado a teologia e a suas expensas, ou lhe submetesse igualmente a moral e a política. Ora, posta a questão neste pé, quem não reconheceria a inanidade de uma restauração teocrática!

Como volver sobre essas transformações lógicas, que os próprios cérebros mais rebeldes ao espírito cientifico já sofreram?! Não foi para consolidar tais conquistas do método positivo e preparar as forças necessárias à sua universal extensão, que Descartes estabeleceu, entre a razão positiva e a fé teológica, essa trégua provisória e sistemática, que destruía para sempre, em física, a autoridade fictícia, pressagiando-lhe em moral eliminação definitiva?!

Com efeito, em Lógica e em Física o público já não dá o nome de ciência a não ser às descobertas do espírito positivo, e as concepções teológicas correspondente adiam-se, a seus olhos, desacreditadas ou cobertas de ridículo. Ora, quando o espírito despreza realmente uma teoria fictícia, a ela não teoria jamais.

Além disto, o espírito científico é essencialmente ativo, cheio de vida, conquistador, e, qualquer que seja o domínio de que se apodere, faz que a convicção penetre nos espíritos mais rebeldes ao governo científico.

Tendo a experiência surtido bons efeitos com relação, à lógica, ao mundo e à vida, havia presunção de que não seria menos decisiva no tocante à sociedade e ao homem. Podemos agora, graças a Augusto Comte, resolver uma dificuldade que de Maistre não pode esclarecer.

Já em, meados do século XVIII, David Hume, em seus Ensaios, assim caracterizava essa situação: ‘Quando penso que se mediu e determinou a grandeza e a forma da Terra, que se explicaram às marés. Submeteram-se os corpos celestes a leis constantes, e o espírito chegou até a calcular o infinito, e que, apesar disso tudo, os homens vivem em constante disputa sobre o fundamento de seus deveres, essa estranha singularidade faz-me cair no temor e na dúvida’.

A dúvida de Hume referia-se apenas aos princípios fundamentais até de propostos, porquanto procurou tirar a arte humana do empirismo em que havia permanecido. sem maior sucesso que os grandes filósofos, os quais antes dele, e desde Pitágoras e Aristóteles (na Moral e na Política), haviam empreendido fundar uma teoria racional e sistemática de governo. Mas a persistência popular da moral teológica não lhe inspirou maiores ilusões que aos verdadeiros pensadores, seus êmulos.

Diderot, ao morrer, exprimia-lhe a situação provisória por este aforismo: A incredulidade é o primeiro passo para a filosofia”.

Tinham todos a certeza de que o antagonismo, anômalo e efêmero, entre o surto moral e o surto positivo era mais aparente do que verdadeiro: porque, sem embargo da decadência da teologia, viam a relação moral do Ocidente revolucionário manter-se sob a influência conexa do espírito científico, da vida prática e do bom senso vulgar.

Tiveram o sentimento profundo da unidade humana e, se a sua concepção positiva lhes escapou, conservaram sobre de Maistre a incontestável superioridade de só a ter procurado na ciência, sem Deus nem rei.

O grande século XVII, retomando, a seu modo, o célebre dualismo filosófico, instituído por Aristóteles e Platão abrira ao espírito positivo duas vias, que só foram identificadas por Augusto Comte.

Descartes, em seu Discurso sobre o método (1637), formulou o decisivo manifesto da filosofia natural; e, juntando o exemplo ao preceito, fundou a Geometria Geral, que constituirá sua eterna base lógica.

O chanceler F. Bacon em sua Grande Restauração das Ciências (1620), tentou, segundo judiciosa interpretação, da natureza, roubar diretamente à teologia e a parolice metafísica as considerações sociais e morais. Mas, o programa que elaborou, não se seguiu de nenhuma construção durável, e, mau grado preciosos resultados obtidos por notáveis discípulos seus esta escola não apresentou o majestoso desenvolvimento da inundação cartesiana.

Destarte, enquanto os filósofos demonstravam em lógica e em física, uma harmonia perfeita, manifestavam em Moral as mais profundas divergências, E’ que os insucesso, repetidos, assinalados pelas tentativas feitas neste último sentido, constituíram o resultado inevitável de uma situação em que os meios não correspondiam força das necessidades.

O governo da natureza humana, sendo a mais nobre das artes, só podia cessar de ser empírica depois da racionalização de todas as outras, mais simples e, por conseguinte, mais acessíveis aos conceitos abstratos. Ora, essas só se tornaram científicos consoante a uma ordem fatal: nossas concepções positivas livraram-se da aderência teológica tanto mais tarde quanto mais diretamente relativas ao homem.

Tal era a razão por que a ciência da humanidade deveria tomar posse,  sucessivamente, da Matemática com Tales, da Astronomia com Hiparco, da Física com Galileu, da Quimca com Lavoisier e da Biologia com Bichat, antes de se completar pela Sociologia e Moral.

O que de Maistre havia, pois, encarado como uma impossibilidade absoluta, eta unicamente relativo, por conseguinte à ordem de evolução do saber humano. As tentativas dos Hobbes, dos Humnes, dos Holbachs e dos Condorcets,  para realizarem as considerações de Bacton, instituindo mora e política nacional, não eram, portanto, mal inspiradas mas prematuras. Augusto Comte, fundando a Religião da Humanidade, provou o sobejamente.

Seguindo, no caso, a ordem necessária dos progressos do espírito humano. o público, em virtude dos hábitos adquiridos nas artes matemáticas, físico-químicos e biológicas, começa a admitir a competência positiva no governo da natureza humana.

A combinação entre a ciência e a prática, que presidiu desde o surto industrial a tão formidáveis progressos matérias, inspirou a convicção de que, em certo momento, ela se haveria de tornado possível no domínio humano, legando o progresso político e moral a um desenvolvimento inconcebível. Eis por que o público, desejando medidas reais e oportunas, fala corretamente de política e socialismo científicos, sem que ainda saiba convenientemente o que quer isto dizer.

Reclama~se uma educação cientifica; instituem-se, de modo espontâneo, festas puramente humanas, familiais ou patrióticas: deseja-se conhecer o papel dos grandes homens, nesta evolução social de que tem sido os produtos mais característicos. Não testa dúvida que, em semelhante meio, as regras morais e religiosas, emanadas da ciência, serão aceitas com a mesma confiança que as outras regras positivas.

Tal como se deu com os engenheiros, os astrônomo e os médicos, em suas respectivas artes, a massa dos que não escudaram, se louvará, em sua conduta privada e pública. nos filósofos, os quais possuirão, melhor do que ninguém. o conjunto do saber abstrato, sendo no mesmo grau, capazes de ensiná-lo, O exame completo do problema estabelece, pois, a inabalável convicção de que o governo do homem pertencerá, enfim. sem reservas, à ciência da Humanidade, como já lhe pertence a do mundo, e para todo o sempre.

Com esta nova autoridade espiritual, deverá a sociedade, como ensina de Maístre, temer um novo despotismo, que venha, em nome da ciência, substituir o que o Jesuitismo queria impor-nos em nome de Deus? Ou, pelo contrário, encontrará todas as garantias necessária ­ao digno surto da consciência e da opinião?

A experiência já respondeu. Todas as empresas industriais, relativas à exploração terrestre e animal, que o espírito científico dirige não são verdadeiros atos de fé positiva? Que mais seguro penhor de fé podemos dar que o conformar-nos com as leis, cuja demonstração ignoramos, e das quais dependem a nossa própria fortuna. saúde e vida?! Honroso espetáculo para a Humanidade é este atestado da energia universal dos sentimentos benévolos a confiança e a dignidade presidem à existência comum.

O homem não nasceu para buscar perpetuamente os princípios de sua conduta, mas para harmonizar a sua vida com os princípios universalmente admitidos. A fé, que assegura a felicidade privada e pública, não cessará jamais de ser uma virtude.

Do ponto de vista abstrato, toda a fé consiste na disposição universal para crer espontaneamente, sem exame nem demonstração prévias, nas leis proclamadas por uma autoridade competente. Para que uma regra seja de fé, basta que corresponda a disposições interiores: mas, para que comporte uma adoção durável e universal, cumpre que se apresente conforme as realidades exteriores.

O catolicismo, para consolidar essa crença indemonstrável que só correspondia ás conveniências cerebrais, teve de recorrer a processos arbitrários, entre os quais pode servir de exemplo a infalibilidade papal.

O positivismo não terá necessidade alguma de artifícios semelhantes, para consolidar uma fé que satisfaça simultaneamente a essas duas exigências: ser útil e real. Na acepção positiva, ter fé e submeter voluntariamente a razão à Humanidade, ou seja, ao conjunto das teorias abstratas e gerais, construídas pelos seus mais poderosos intérpretes. Todos concorrem, entretanto, para ate conjunto, pois que o bom senso particular, verdadeiro positivismo espontâneo, alimenta, estimula ou fiscaliza a razão geral. Deste modo, ainda se pode definir a fé positiva como a submisso do bom senso particular ao bom senso universal.

A experiência, já hoje bem suficiente, convenceu o povo de que não havia depositado mal a sua confiança. O caráter relativo da fé positiva já bastante se tem manifestado para que de afaste, como quimera, tão ridícula quã absurda, o pensamento de ver transformar-se em despotismo um predomínio benfazejo.

Com efeito, embora as demonstrações não sejam por todos conhecidas, nem atinjam mesmo, talvez, jamais este grau, acreditou-se nas verdades matemáticas, no duplo movimento da Terra, na circulação do sangue. Estas descobertas do espírito positivo contam hoje mais crentes do que jamais tiveram a Bíblia, o Alcorão e o Contrato Social reunidos.

A causa disto é ser a realidade o ponto de partida das leis abstratas correspondentes, de modo que das nunca se acham em contradição com os fatos observados, que lhes serviram de base, Dai, a inalterável convicção popular.

A que verdades teremos dado fé com maior justiça e vantagem? Conseguirá o sábio, por ter formulado a lei, algum poder despótico sobre os homens, quando ele próprio se acha sujeito a essa mesma lei, que descobriu e não creou? O que o distingue de todos os outros, é ser o primeira a dar o exemplo de submissão a esta verdade nova que lhe é devida, acabando o público por crer no que vê praticar.

Se na própria lei é que se descobre o despotismo. então, esse é inevitável, muda, porém, de natureza e de nome: é o domínio das coisas e dos principies, não o dos homens.

Ademais, não é o descobridor da lei quem na aplica; não são mandamentos que formula, mas luzes que propaga. Cabe a cada individuo, segundo as conveniências particulares, deduzir, por elas, as regras aplicáveis a cada caso; e a atividade de todos, mulheres, poeta ou artífices, nelas encontra o mais vasto campo.

Se, para precisar o que possam conter de demasiado abstrato essas indicações, tomarmos a teoria da divisão, tal como Augusto Conde estabeleceu na Síntese subjetiva, notaremos que o grande filósofo não deduziu duas regras, uma para seu uso, outra para o público. A que formulou e adotou, pode o público recuse-la ou aceitá-la e aplicá-la, consoante melhor lhe pareça; e, para fazer uso dessa teoria. verificando que a regra correspondente o leva sempre ao fim almejado, não indispensável o conhecimento da demonstração. Basta ao povo, para crer firmemente Das verdades demonstráveis (e com perfeita liberdade de consciência) essa possível verificação experimental.

A adesão aos dogmas positivos conserva sempre caráter provisório: fica, portanto, subentendido que o erro ou a omissão teem importância relativa. Essa tácita reserva, que constituiria, no ponto de vista teólogo, o maior dos sacrilégios, resulta da própria natureza do espírito positivo.

Só se aceita uma lei positiva se da fõr confirmada pela experiência, e essa mesma adoção só é mantida enquanto satisfaça às necessidades práticas; desde que torne insuficiente. o dever de todos os sábios é desenvolve-la afim bastante afim de que possa abranger os casos que vinha omitindo. Assim, a dignidade humana é tão respeitada quanto a continuidade mental, por que ­aperfeiçoando a fé, não renuncia o homem às suas primeiras convicções, mas conserva-as ou as estende, de­com o desenvolvimento do campo de sua atividade.

Além disto, pode cada um pretender, na medida de suas forças, modificar as regras existentes ou formular novas, com a reserva única de preencher as condições racionais, exigidas dos próprios sábios, para que lhes seja dada à necessária fé. Neste particular, há, pois, igualdade, sendo estas condições comuns a todos.

Sem temer nenhuma das renascentes divagações contra as quais o catolicismo só encontrava como freio decisivo o braço secular, a fé positiva comporta o mais extenso direito de revisão e exame. Para vencer as heresias com a quadratura do circulo, o pretenso cálculo das probabilidades e a pretensa ciência dos economistas, o espírita positivo não necessita da faça; como Dante, na Divina Comédia, deixa-os murmurar, olha-os e segue seu, caminho... O seu descrédito é a conseqüência imediata ao triunfo.

E não só a regra é comum a todos, nas a própria fé se mostra de igual natureza: como não há capacidade universal, porque ninguém pode tudo observar e verificar, teem os sábios, necessariamente, entre des a mesma confiança que o povo lhes deposita coletivamente; varia, apenas, o grau, que diminui ou aumenta, segundo a maior ou menor competência.

Assim, pois, não há. nesta obediência da razão individual, que distingue a fé positiva, nada que recorde o caráter humilhante da fé teológica. nada dessa cegueira necessária, que levava Sto. Agostinho a crer no Evangelho, mau grado seus absurdos, e Pascal a bestificar-se, para fazer-se perfeito cristão.

Nada mais contrário ao estabelecimento de um dogmatismo despótico que a aptidão espontânea das verdades demonstráveis para determinar essa irresistível adesão única suscetível de vencer todos os egoísmos, de provocar e facilitar todos os devotamentos.

Neste assentimento geral o espírito positivo acha o acha necessário à aplicação das leis que descobre Longe de estender o domínio da legislação civil e criminal. este espírito suprime radicalmente os processos de opinião e de tendência, em virtude da capacidade de manter a ordem nos cérebros, pelos seus exclusivos meios subjetivos.

Para fazer preponderar as suas doutrinas, sob a República, que lhe assegura todos os meios de ação, não empregará a violência, do mesmo modo que, para fazê-los surgir, não apelou para a insurreição, sob o reinado da teologia.

Para provar que sé com a fé demonstrável à que se observa o surto pacifico, o acordo geral e a convicção inalterável não se pode invocar exemplo mais patente do que a universal adoção da teoria do duplo movimento da Terra.

Em que época teve o espírito humano de vencer tamanho concurso de resistências, o mais formidável, talvez, que se haja até hoje oposto á adoção de uma verdade entre os homens? Era-lhe necessário desmentir formalmente o testemunho dos sentidos e o da tradição quasi unânime do Governo humano; torcer o orgulho do homem. Que se julgava, até esse momento, como o centro da creação por em dúvida a própria palavra de Deus, apanhado em flagrante delito de ignorância maior: destruir o fecho da abóbada da igreja católica.

E, entretanto, sem embargo dos entraves inquisitoriais e sem tumulto o espírito positivo destruiu-as: bastou, para isto, que Galileu submetesse às regras do método positivo a concepção de alguns astrônomos da ambigüidade, e que, em circunstâncias oportunas, Copérnico novamente as publicasse dando-lhes, pela primeira vez, o apoio da demonstração.

Este gênio supero: todos os obstáculos porque, profundamente compenetrado dos verdadeiros  caracteres da  lógica positiva, soube. graças a ele. observar cuidadosamente a realidade que considerava como a base inabalável exclusiva, da filosofia natural.

Com certeza, quando os proletários se acharem suficientemente familiarizados com os ensinamentos que decorrem dessa marcha tão frutuosa, não hesitarão em desprezar os vãos doutores, cuja brutal ignorância não sabe resolver problema algum a não ser pelo extermino, e irão buscar no espírito positivo não só os meios de salvação como o segredo de seus destinos e as condições de sua felicidade.

Resultado tão precioso, verdadeiramente incomparável, é magnífico para fornecer-nos a mais firme confiança, em meio das perturbações do presente, prendendo-nos ao conjunto das verdades demonstráveis, que. formam a ancora lançada por nossos pais na realidade das coisas. Nossos destinos acham-se-lhe indissoluvelmente ligados: é necessário que nos aferremos a ele e só nele nos firmemos.

Em torno dessas verdades positivas, gruparam-se todas as inteligências de escol, e a sua concórdia é a melhor garantia que a fé popular vem desfrutando. Todos os resultados adquiridos são loqo fraternalmente espalhados duma a outra extremidade da República Ocidental; a qualquer pátria que se ache ligada a sua sorte, estes espíritos positivos compreendem-se e se unem. Método, princípios. linguagem, destino. tudo lhes é comum.

O escol do povo ocidental se emancipou de Deus e dos Reis, graças a essa aliança filosófica, contra a qual não puderam tirar partido nem as cóleras do papa, nem os cadafalsos democráticos, nem os canhões dos reis.

Uma só das descobertas que emanaram dessa corporação fez mais pela ventura, pela paz e liberdade da espécie humana do que todos os escritos de Voltaire, Helvécio e Rousseau, por maior que tenha sido a influência destes literatos, as mais vezes superficiais e inconseqüentes.

Cumpre, pois, cedera evidência! Os teólogos, assim como os democratas, devem precavesse; a fé positiva substituiu a fé sobrenatural, e seus intérpretes inspiraram uma confiança que os teólogos invejam.

O sentimento cada vez mais preciso de uma ordem terrestre e humana, independente de nós, determinou. em todo o Ocidente, ativas convicções morais e religiosas, entre o espíritos bem cultivados, e preconceitos vez mais patentes, entre os espíritos populares.

E uma fato consumado: existe unia autoridade moral que, sem deus nem rei, e por seu ascendente irresistível, vira inspirar,  fortalecer e retificar a conduta que a famílias, a classes e as nações tiverem. Com efeito só um governo de opinião, baseado no espírito positivo. liga-las-á convenientemente.

O grande destino do século XIX é organizar esse poder espiritual, universalizando, por uma educação comum a todo o Ocidente, os princípios gerais que devem prevalecer por toda à parte. Sob este impulso, a força de opinião se manifestará cada vez mais, e tanto melhor quanto mais o desuso da teologia livrar a suprema sanção de arrimos esgotados, verdadeiros pesos mortos, há um tempo comprometedores e opressivos, concentrando-a cada vez mais no proletariado.

O       novo poder espiritual já existe: é consultado e obedecido. A consistência e a plenitude de seu preparo hão de assegurar-lhe, inevitavelmente, a preponderância. A anarquia mental dos órgãos atuais da opinião facilitar-lhe-á o ascendente, assim como o apoio que há de achar em todos os cérebros, porque não existe nenhum que não haja cedido, até certo ponto, à penetração da fé positiva.

Podem portanto, entregar.se à própria dissolução todos os sacerdócios teológicos — nenhum dos resultados essenciais da civilização ficará, por isto, comprometido!

Capítulo Quarto

Consagração da moral positiva

Resumo

- A moral positiva, consoante a tradição, baseia-se na existência de seres coletivos. Em toda a parte o homem se acha ligado a uma família, a uma pátria e a uma coletividade mais complexa, porque não pode existir fora destes ambientes. Seu império, que vai crescendo, caracteriza-se principalmente pela continuidade e se resume nesta lei universal, que dirige todos os seus pensamentos e afeições; os mortos governam os vivos. A Humanidade, que os mortos representam, constitui, por conseqüência, o Ser Supremo, em cujo nome devem ser consagrada as regras da ética positiva.

Herdeiro de todas as civlizações, o positivismo necessariamente combina a autoridade da tradição com a do dogma e a da opinião pública. Isoladas, a consciência e a opinião ficam entregues a ilusões, a erros e excessos, e, sem este regulador, cuja certeza precede o testenho da razão individual, dificilmente evitariam o arbitrário.

Para a estabilidade dos princípios de ética, não basta todavia, consagrar a tradição, sem a qual, aliás, qualquer doutrina que não tenha um passado será incapaz de influir no futuro. Cumpre, alem disto, como em todas as religiões preparatórias, essa tradição se identifique com as leis da autoridade suprema. que realmente consagra as prescrições morais.

Tal como em relação às outras concepções fundamentais da moral positiva, não se trata, no caso, de inventar um Ser Supremo, mas, entre as diversas influências humanas, reconhecê-lo por seus caracteres de constância e universalidade, indispensável para tornar-lhe a existência sempre verificável.

Mostra-nos uma observação vulgar que existe alguma cousa acima de nós; uma série de provas diárias testemunham a multiplicidade dessas influencias dominadoras.

Achamo-nos fixados a Terra. Não nos podemos, deslocar até muito longe, na superfície, e menos ainda em altura ou profundidade. Recebemos de nossos pais um caráter fisiológico indelével; não determinamos a nossa natureza, nem o nosso sexo, e tampouco a nossa família. Não escolhemos do mesmo modo, o nosso século e a nossa pátria: vivemos no século XIX, somos franceses, e não podemos fazer que, de fato, o não sejamos.

Todas essas influências podem ligar-se a duas fatalidades irredutíveis: as da ordem do inundo e as da tradição. Ambas foram reconhecidas em todos os tempos, mau grado certas contradições.

Segundo as concepções sobrenaturais, o Ser Supremo teria creado a ordem do mundo, em desacordo com a lei universal, que, por toda à parte, faz a ordem mais nobre depender da mais grosseira.

A tradição, variável com o dogma teológico, teria nascido em certa época da humanidade; os predecessores e todos os outros crentes não dependeriam dela. Assim, embora os judeus, os cristãos e os muçulmanos tenham um pai comum — Abraão - — mais nominal que efetivo, a verdadeira tradição remonta a Moises para uns, a Jesus e Maomé para outros. Seus mútuos conflitos provaram, alias como se rompera à tradição por esta, diversas tentativas de unidade.

Cumpre, portanto. satisfazer. de uma só vez, a todos os programas parciais. para respeitar plenamente a realidade exterior e a continuidade humana, desconhecida e alteradas até o presente século. Por isto era necessário partir do escol da Humanidade, remontar sem interrupção à seqüência dos tempos, de geração em geração confirmar os resultados obtido, comparando o passado com todas as civilizações que não hajam participado deste movimento progressivo. Depois em virtude da mesma lei, determinar, entre as diversas influencias constantes, que dominaram em cada período, aquela que os rege todos, sem exceção no tempo e nó espaço representando-lhes. Concomitantemente, o principio e o fim.

Fundada a Sociologia, Augusto Comte tornou data à realidade para todos os observadores de boa lê. Demonstrou que, em todos os tempos, os homens, consciente ou inconscientemente se teem subordinado ás coletividades, de que dependem cada vez mais, queiram ou não queiram. Faz-se mister, portanto. Sistematizais esta situação, empiricamente conhecida até ele, afim de tirar-lhe as conseqüências necessárias.

Apesar dos devaneios teológico-metafísicos, o homem nasceu numa sociedade. O Adão do paraíso teológico, Eu da metafísica, verdadeiros nati-adultos, são puras ficções, e em nenhuma parte se encontraram nem ao Robson Crusoe, de Daniel de Foe, porque Robinson não só se educou em família como salvou com ele a fermenta que facilita, o livro que consola e um cérebro cultivado, coisas que têm a marca da sociedade.

Antes de nós já existia quem tudo preparou pua nós receber: a família. E ela que, no inicio, tudo nos transmite, a começar pela vida. A família não é peculiar à humanidade; encontramo-la em certas espécies animais, como o cabrito selvagem e a raposa, sendo que com esta chega até a viuvez, como verificou Georges Leroy. Por conseguinte, sua existência e legitimidade não mais se devem discutir, como se não discute a de nossos órgãos digestivos ou locontores.

Rousseau, portanto, obedecia apenas à sua imaginação desordenada quando descreveu um estado quimérico em que o homem, semelhante a uma fera, vivia solitário aos bosques.

Por seu turno, qualquer família faz parte de uma sociedade superior, colônia, tribo ou nação, sob cujo protetorado desenvolveu seus germes espontâneos. Jamais, a não ser por acidente, se viu uma família isolada.

Esta é a dependência referida por de Maistre, quando, a propósito da Declaração dos Direitos do homem, escrevia: “O homem isolado é uma entidade. Não há homem no mundo. Tenho visto franceses, italianos, russos, etc.; sei mesmo, desde Montesquieu, que se pode ser persa: mas quanto ao homem, declaro não o ter encontrado ainda em minha vida; se existe ignoro-o inteiramente”.

As diversas pátrias, enfim, mau grado suas primitivas lutas, ou melhor, em virtude destas, se aglomeram estabelecem entre si relações determinadas, que as transformam em membros de um organismo comum. Às Viagens de Cook, como as relações das descobertas feitas pelos grandes navegantes, seus predecessores, os Gamas, os Colombos, os Magalhães os Tasmans, sempre mostram, nos continentes que exploram, o homem vivendo em sociedade.

Com o surto da civilização, o homem é progressivamente empolgado pela coletividade no tempo. tudo se acha ligado: cada geração nasce da precedente, e o impulso que os séculos recebem dos que os preceder, é fatalmente transmitido aos seguintes.

O homem, direta ou indiretamente cada vez mais depende desta herança. Cada um de nós, por sua família e sua pátria, remonta-se até às primitivas idades do gênero humano, por uma série ininterrupta de antepassados de todas as famílias e de todas as nações, que necessariamente influíram sobre nosso estado atual.

Por outro lado, também cada vez mais o homem se liga à população planetária inteira. Este fato, que já é verdadeiro para o escol da humanidade, se-lo-á gradualmente para os diversos grupos orientais. Desde que um destes se incorpore ao concerto ocidental, traz, como elementos, a ação de seus próprios antepassados, que, de entio por diante. se tornarão nossos, adotando, em troca, os que nos eram particulares.

E assim que vão crescendo, espontaneamente e sem plano preconcebido, as duas fontes de nosso poder — solidariedade e continuidade — de forma que tendem para a união final. Destarte, ninguém nasce sozinho, e cada qual é concidadão de todas as idades e de todos os povos que concorreram para o formar, fazendo do homem, segundo o dizer de Leibniz, um composto de tempo e de eternidade, vida, saber, força, tudo nos é transmitido pelo meio social.

O ente que se bastasse a si mesmo, dispensando a ajuda de seus semelhantes, sé, poderia ser, segundo a enérgica expressão de Aristóteles, uma fera ou um deus. Estabelecer regras de conduta, fazendo abstração destes organismos, indispensáveis à concepção, à vida e ao desenvolvimento do homem é portanto, impossível.

Cada individuo faz, necessariamente, parte de uma família, cada família de uma pátria e cada pátria de uma coletividade mais complexa. Pretender fundar a moral positiva sem estes seres coletivos seria querer construir sobre areia: Vivemos paro outrem.

Somos, então, dominados por uma coletividade progressivamente continua e extensa cumpre-nos determinar com precisão o elemento preponderante, ao qual tudo devemos submeter. Nesta ligação universal, a influencia das gerações, isto é, da continuidade, sobrepuja forçosamente, e cada vez mais, a cooperação, dos contemporâneos, ou seja, a solidariedade propriamente dita.

O que distingue, com efeito, o gênero humano das espécies animais, constituindo a origem de sua superioridade, são os antepassados, que, eu, razão de seu número sempre crescente, lhe fornecem, ao mesmo tempo, o estimulo e as regras. Sua ação estende-se, mesmo, aos animais domésticos, que, aliás, participam voluntariamente desta obra coletiva: se o cão de caça, por exemplo, é capaz de dominar-se, só o faz mercê da intervenção humana, progresso este que se deve a influencia da continuidade social.

A proteção dos antepassados permitiu ao homem sair da animalidade, e. libertando-se de terrores vãos, apoderar-se do governo do mundo terrestre e vital. E por intermédio deles que sofremos a influencia do unido, porque, sem o seu auxilio, nos teriam faltado o tempo e as energias, não só para formular previsões use para modificá-lo convenientemente.

Devemos aos antepassados os elementos e os processos de todas as nossas ações. Quer prossigamos nas suas empresas, como haviam continuado as de seus predecessores, que empreendamos novas, só podemos agir de acordo com as leis, artificiais ou naturais, que lhes são devidas, e pelas quais eles nos protegem contra nós mesmos, Os que não crêem sofrê-las, ignoram as origens de seus pensamentos e afeições: numa palavra, não sabem de quem são filhos.

Não obstante desconhecermos, em sua maioria, os nossos antepassados, sabemos que só por eles existimos; o sentimento e a noção de seu concurso efetivo é que nos impele a uma ativa simpatia universal.

Augusto Comte nada mais fez, portanto, que exprimir, sem exprimir sem exagero algum, uma situação fatalmente atada e sofrida até de com todos os inconvenientes da ignorância, quando formulou esta lei basilar. Os vivos são sempre, e cada vez mais, necessariamente governados pelos mortos. Esta lei da ordem humana, que solapa os principies democráticos, apenas causa estranheza aos espíritos revolucionados, porque é difícil, e a eles mais do que ninguém, observar a que se passa continuamente em torno de si, começando pela própria família.

Importa, para tornar estas indicações quanto possível completas, lembrar como os mortos governam os vivos, sendo, ao mesmo tempo, seus modelos e protetoras.

Na existência de nossos antepassados há duas partes que considerar: uma eficaz e permanente, outra perturbadora e. por fim, anulada. A atividade de nossos pais cessou, os corpos desapareceram, mas, durante a vida, obtiveram certo número de resultados — materiais. intelectuais e morais. Nem todos, porem, subsistem, e por fim só permanece o bem que fizeram: o mais é lançado ao rio do esquecimento.

A parte inassimilável de sua atividade não interrompeu nem alterou a natureza, o arranjo ou a sucessão dos progressos da ordem humana; pode, no máximo, retardar ou enfraquecer a marcha comum. Em todos os conflitos provocados por erros ou crimes, o mal, seja qual for o poder da continuidade humano, prepondera de inicio, mas lentamente vai diminuindo.

E’ que, como essas perturbações individuais são momentâneas e não indefinidamente renováveis, enfraquecem cada vez mais, e a continuidade acaba por prevalecer; são, pois, semelhantes, sob este aspecto, A força de impulsão dos corpos. constantemente em declínio e, afinal, de todo vencida.

Os séculos purificaram, gradualmente, a herança do gênero humano. Esta herança, em última análise, consta, apenas, das almas, porque, sendo os resultados materiais por natureza perecíveis, devem ser renovados.

Só existem, por conseguinte, produtos da inteligência e do sentimento, capazes de se combinarem, no cérebro dos vivos, com os resultados produzidos pela sua atividade própria. Essa combinação espontânea mostra-se, na maioria dos casos, inextricável, de sorte que geralmente, em cada um de seus desígnios, os vivos não poderiam referir tais elementos a seus múltiplos autores. As almas destes se identificam, com o cérebro dos vivos, que conserva, transmite e até desenvolve os resultados, intelectuais e morais, por elas obtidos. Mas, como estes resultados são fixos e permanentes, elas acabam, como todas as forças continuas, por se tornarem preponderantes, por maior que seja a intensidade da reação do cérebro assimilador.

Pela natureza subjetiva de sua ação, estas almas podem atuar uniformemente sobre todos, e dividir-se é espalhar-se sem diminuir o seu poder. A universalidade da adoção da lei da queda dos corpos, descoberta por Galileu, em nada lhe tem alterado o valor. O que constitui a base da colaboração forma-lhe, portanto, a perpétua garantia.

Assim, a ação dominadora de nossos pais nada possuí deste arbítrio divino, que impõe vontades, e dispensa as aptidões morais e intelectuais. ande e quando lhe agrada. Aqui a personalidade desapareceu, e como não existem mais órgãos, faltam às aptidões e vontades; há apenas. Leis.

Por esta distinção básica entre a realidade absoluta e a que é essencialmente útil e única duradoura, Augusto Comte determinou o verdadeiro poder supremo. aquele que reúne os diversos elementos humanos, alimenta. dirige e consagra seus afetos. seus pensamentos e suas ações — a Humanidade.

Presentemente, já são conhecidas todas as suas propriedades. O verdadeiro Ser Supremo apresenta, pois. situação idêntica e natureza semelhante à nossa, Porem cem mais descnvofrida. Sentiu nossas afeições e sofreu nossas dores, participou de nossas esperanças e fez, como nós, constantes esforços para gradualmente melhorar a situação de penúria e a natureza grosseira.

Foi o sentimento desta noção real, ainda encoberta, que inspirou a nossos pais, para representar aproximadamente a Humanidade, primeiro a creação dos deuses, depois o idéia do Homem-Deus, e, finalmente, a utopia da Virgem-Mãe, mais chegada à concepção verdadeira, cujo próximo advento anunciava, e que substituiu Jesus em todos os corações cavalheirosos.

As vezes, a Humanidade espera séculos pela resposta aos problemas demonstráveis que o tempo sempre resolve. Com efeito, da só podia ter sido percebida depois de haver, por Intermédio da República Ocidental, atingido a idade madura e tomado posse da terra.

Augusto Comte pode, assim, descobrir as leis que melhor a caracterizam, as do Progresso, estabelecendo a universalidade das leis da Ordem, igualmente imutáveis no arranjo dos fenômenos, e das quais só a intensidade e modificável.

As instituições fundamentais — propriedade família, língua, governo — coexistem por toda a parte. Sofreram, apenas, variações no modo de ser concebidas a principio fictício abstrato, depois positivo; no de ser consolidadas pela civilização militar, conquistadora, defensiva, e, finalmente, pela atividade industrial; no de ser consagradas - primeiro em nome do engismo, doméstico, cívico, e, por fim, em nome do amor universal.

Estas leis permitem determinar o porvir, e tal previsão, que era atributo característico dos deuses, pertence exclusivamente à Humanidade. Ela não as creou por capricho: respeitava-as e aplicava-as por muito tempo, antes de as formular, e o que se efetua sob nossos olhos vem sempre confirmá-las, embora a vontade de nossos antepassados já não exista para introduzir-lhes  modificações.

A Humanidade está sujeita á ordem astronômica, física e vital, base necessária de nossa atividade, e, formulado as leis, deu, antes de nós, o exemplo da primeira das submissões. Preencheu a condição de tudo poder, porque sua existência é independente dos que a sofrem, e seus instrumentos diretos.

Embora proveniente de nossos semelhantes, não nos podemos subtrair a essa força, como não nos furtamos à do duplo movimento planetário, e muito menos ainda conseguimos dominar-lhe a ação. Ela explica um fato incontestável: o domínio do passado. Basta para que preencha simultaneamente todas as condições sucessivas, eliminar-lhe as formas intermediárias, que se mostravam, em aparência, incompatíveis e contraditórias. Abrange, também, as gerações futuras. porque as gerações passadas formavam o porvir, antes de se incorporarem à Humanidade. Esta extensão real satisfazia, ao mesmo tempo, à necessidade que teem todos os homens de prolongar a existência, ligando-a, por intermédio dos sucessores, a destinos imperecíveis.

Quanto aos contemporâneos (que algum dia hão de se tornar antepassados, e como, por conseqüência, em certa medida, o futuro depende de sua digna atividade modificadora) são também chamados a fazer parte da Humanidade: nela terão, concomitantemente, uma elevada meta e um tipo de aperfeiçoamento. No passado, no presente e no futuro, porem, não há vida realmente durável se não fõr conforme a utilidade geral.

As famílias e as pátrias oferecem a mesma natureza e composição, atual e sucessiva, e todas, na sua ascensão, vieram constituindo este Ser Supremo, a que, finalmente, se incorporam.

A Humanidade represtota, portanto, o conjunto dos seres que livremente concorrem e concorrerão para o bem comum, (res publica).

Nossos contemporâneos e nossos descendentes nela só se acham incorporados em esperança, no momento atual; só os mortos a representam.

A humanidade e que sobremodo convém o aforismo que Hipocrates aplicava ao corpo humano: nela tudo conspira, tudo consente, tudo concorre. Sob todos os pontos de vista, como escrevia Augusto Comte, em 1862, “o homem propriamente dito, em última análise e pura abstração: só a Humanidade é real”. (Conclusões gerais do Sistema de Filosofia Positiva).

Devemos, daqui por diante, considerar os individuo, as famílias e os povos, não como seres separados, mas como membros diversos de um único Ser Supremo, concorrente, no tempo e no espaço, para prepará-lo.

Erigir a Humanidade em principio e fim de toda a existência, é o resultado direto e necessário de nossa natureza social. A digna submissão é a base de nossa fidelidade: o homem se agita e a Humanidade o conduz.

Nenhuma força particular prevalecerá contra a sua; ela se acha defendida contra qualquer ataque, seja por sua massa, que se estende a todas as idades e a todos os lugares, seja por sua coesão, que faz depender qualquer parte do conjunto, e este, espontaneamente, esmaga e anula todas as divergências, e assegura e perpetua todos os concursos.

Submeter-nos-emos tanto melhor ao tutelar império da Humanidade quanto mais a amarmos, e tanto mais a amaremos quanto melhor apreciarmos os benefícios que liberalmente nos oferece, mesmo antes que os possamos pedir ou merecer.

Desde que haja transmissão de sentimentos e de opiniões, haverá a subordinação do reconhecido, Rousseau exprimia os sentimentos dos revoltados quando dizia: “Odeio os benfeitores”; e, com efeito, o espírito revolucionário tende a colocar o homem fora da lei da Humanidade.

Logo que os mortos governem diretamente os pensamentos e as afeições dos vivos, a autoridade gozará de um império sem fim. Os que falarem em seu nome, a Família, a Igreja, a Pátria. só poderão ter como escopo legitimo fazer amar, conhecer e servir a Humanidade.

Graças à influência materna e à do mestre, que lhe formaram o coração e o espírito, o homem sofre, de começo, passivamente, o jugo do passado; só será cidadão no dia em que, aceitando-o livremente. trabalhar, por seu turno, para os outros, como eles se haviam sacrificado por sua causa.

O culto, o dogma e o regime da Humanidade. eis onde o nosso coração deve buscar inspirações, e o nosso espírito luzes, e a atividade a sua meta. As formas anteriores, sob as quais a moral havia sido concebida, só tiveram valor pelo grau, de Humanidade que encerravam: Sem a Humanidade, e sem a Família e a Pátria que necessariamente a preparam, não pode haver moral!

Depois que o Ocidente pressentiu com maior clareza esta suprema existência, devotou-lhe um profundo apego: pelas leis abstratas, que dirigiram a emancipação da Humanidade, concretizadas no Espaço, e pela Terra, teatro de sua grandeza, que foi o objeto de suas prodigiosas conquistas e que será a eterna sede de seu império.

A sociabilidade, a principio doméstica e depois cívica, pode por fim revestir-se de caráter universal, estendendo-se a todas as populações, passadas, futuras e presentes. Desde essa época, a civilização ocidental, que é a mais próxima do Ser Supremo, tem construído, pelos maravilhosos testemunhos de sim sociabilidade, as bases da verdadeira ordem pública e procura reunir, por uma mesma fé demonstrável, sem violência nem vão pretigio, todos os homens de boa vontade, num mesmo amor, num destino comum.

Foi Augusto Comte o primeiro que teve a noção positiva dessa unidade, pressentida e buscada por todas as almas generosas, enérgicas e esclarecidas de nossa espécie. Esta suprema providência é a creadora da moral planetária. Preparada gradualmente a sua concepção pelos Aristóteles, pelos S. Tomás de Aquino, os Descartes, os Leibniz, os Diderots, os Humes, os Condorcets, a ela já se acham definitivamente incorporados.

Doravante, é em nome da Humanidade que se hão de consagrar as suas regras e unicamente sob o seu governo será chamada a opinião pública para sancionar ás apboações dos princípios que ela haja formulado.

Capitulo Quinto

Concepção positiva do dever

Resumo:


Vivendo para outrem e aspirando reviver em outrem, o homem encontra o seu destino fixado sem arbitrariedades. Da situação creada entre o passado e o porvir, resulta, necessariamente, para todos, o dever de dar destino social à própria atividade.

A determinação dos deveres supõe resolvido o problema da unidade humana. Sendo a noção direta da Ser Supremo satisfatória para a coletividade, resta-nos ver como a descoberta de Gall permitiu completá-la pela unidade ética de cada um de seus agentes.

Antes de Augusto Comte, a concepção positiva dever apenas transparecia na vacilação insuperável da metafísica. Partindo da idéia sintética, à qual o bom senso popular sempre ligou o dever, pode Augusto Comte analisar-lhe os diversos elementos e consoliar-lher a noção. Definiu o dever como sendo uma função exercida por um órgão livre, consistindo qualquer função no concurso para a existência de um ser coletivo. O sentimento do dever acha-se, pois, profundamente ao espírito de conjunto.

Estabeleçamos, em primeiro lugar, os fundamentos deste concurso dos vivos. Governados pelos mortos, é cega a direção geral que estes lhes imprimem em nome da Humanidade. Para um concurso eficaz, não basta somente um impulso, uma lei ou um fim. Embora sujeita a regras invariáveis, esta direção é inconstante e muito pouco precisa para que seja possível uma ação direta a cada caso particular. Para agir, é necessário que vontades venham completar as leis sociais, pois os mortos só atuam por intermédio dos vivos.

Não há, portanto, concurso sem a participação das gerações passadas e contemporâneas: as gerações futuras só intervém como destino. Este concurso, segundo os casos, é maior ou menor, no espaço e no tempo. Mas, ainda assim, não é bastante.

O concurso que, em cada operação distinta, não se resume em uma individualidade preponderante, é estéril, quando não seja perturbador; esta condição é indispensável para que de apresente verdadeira força social. Qualquer atividade coletiva, que deste modo não tenha origem ou fim, conforme seja sistemática ou espontânea, representará uma aglomeração, uma balbúrdia, nunca porem uma força. A desigualdade, natural ou adquirida, é, por conseguinte, condição necessária para qualquer concurso.

Não se trata, é claro, de diferença de natureza, porque a atividade é comum a todos os indivíduos e apenas se mostra mais intensa e mais direta em um deles, que, por isto mesmo, se torna o instrumento ou o órgão da função.

São inevitáveis as desigualdades entre os elementos sociais; a hereditariedade as produz, desenvolve-as o exercido, aumenta-as, cada vez mais a civilização, e,           por toda a parte, os elementos preponderantes tendem a tornar-se dirigentes.

Esta desigualdade é mesmo indispensável. Sem ela, cada qual poderia prescindir dos demais, o que não é verdadeiro nem para o individuo, nem para a família, e tampouco para o povo. Todos nós temos, de modo crescente, necessidade uns dos outros, dada a divisão progressiva das funções industriais, relativas ao vestuário, à habitação e ao alimento. Que procuramos em outrem, se não o que nos falta? Se assim não fosse, como teria podido aumentar e desenvolver-se a sociedade, coeterna do homem?

Como, entretanto, ninguém pode, ao mesmo tempo, fazer todo o bem e prover a todos os trabalhos, pois o que se ganha por um lado perde-se por outro (só a Humanidade pode abranger o conjunto), é necessário, para o bom emprego de seu verdadeiro valor, que cada qual desempenhe o oficio que lhe é próprio.

São essas diferenças reais e não a igualdade quimérica, que produzem os laços, cada vez mais estreitos, de solidariedade e continuidade, dando força ao apego entre os concidadãos, ao respeito pelos antepassados e à benevolência universal para com os nossos sucessores e os povos menos evoluídos, assim conto pelas raças animais associadas à nossa obra comum.

Para estabelecer a igualdade, que é incompatível com a liberdade e a fraternidade, seria preciso reprimir as desigualdades existentes, recorrendo à violência e excitando os ódios. Ora, essa obra mostrar-se-á, ao mesmo tempo, contraditória e efêmera.

O invejoso, que protesta contra as diferenças da sorte, não notará, porventura, que o seu egoísmo vai provocar o orgulho do que o despreza, por lhe ser superior em riqueza? O amor universal e o único que pode transformar em fonte de harmonia e bem-aventurança estas desigualdades creadas pelo Ser Supremo para seu serviço, e que só dão lugar à desordem quando não lhes sabemos facilitar e regular o emprego.

Não esqueçamos de que o homem, capaz dos maiores crimes, também o é das maiores virtudes. Quem sabe apreciar o que deve à sociedade, e tudo quanto lhe faltaria sem o devotamento dos fortes, ricos ou filósofos, só pode prezar ainda mais a ordem que o domina, Só o amor torna leve o que é pesado, e suporta com retidão as desigualdades da vida! Esta máxima do autor da Imitação de Cristo, o mais belo livro saído das mãos do homem dítia Fontenelle, entendedor do assunto, caracteriza o principio essencial de todo o concurso, de toda a força e de toda a sociedade.

Evidentemente só há ordem quando existe um movimento geral, que resulte da combinação de elementos diferentes, dirigidos por uma desigualdade preponderante. A ordem é tanto mais estável quanto mais pronunciadas são as diferenças e mais intima a sua harmonia, Em última análise, não há função que não seja essencialmente redutível, como órgão, a um individuo, e como destino, á Humanidade.

Quando se encara, portanto. uma função, cumpre levar sempre em conta duas coisas. Antes de mais nada, nem toda atividade corresponde necessariamente a uma função. Assim, o parasito que consome, tal como a enchente ou o granizo, não desempenha uma função, pois, há nesses casos, perturbação ou ruína, sem resultado útil. E, pois, necessário que os atos concorram, mais ou menos bem, segundo a natureza e a situação do agente, para o conjunto do sistema humano.

Devemos, alem disto, considerar as funções como elementos parciais, múltiplos e inseparáveis de uma função geral, cujos agentes são os instrumentos particulares. Se os distinguimos, fazemo-lo tão somente ­para melhor determinar as suas relações, mas é indispensável ter o sentimento profundo da individualidade de seu conjunto, que é a vida do Ser Supremo.

As desigualdades só podendo resultar do grau de desenvolvimento, mais ou menos pronunciado, dos três elementos de qualquer força (sentimento, razão e energia), uma função só difere essencialmente das outras pela sua intensidade, que e variável.

As funções são, portanto, redutíveis a duas classes distintas — espirituais e temporais. As primeiras são uniformes, no sentido de que todos os seus órgãos devem satisfazer às mesmas condições; as segundas exigem uma multiplicidade de elementos parciais, redutíveis a três classes — agricultura, fabricação e comercio — pois não há ninguém capaz de tudo fazer.

As funções espirituais compreendem prerrogativas de ética, confiadas à mulher, e filosóficas atinentes ao sacerdócio. Do mesmo modo, as funções temporais comportam uma divisão entre os que dirigem e os autores das operações materiais. Estes, tal como as mulheres não constituem propriamente uma classe em vista da identidade de suas aspirações.

Os proletários Compõem o corpo social, de onde nascem as desigualdades força e inteligência que constituem essencialmente os dois poderes gerais da sociedade.

Referindo-se toda a atividade ao conjunto cada um destes elementos deve considerar-se como associado a uma obra comum, para a qual coopera com função distinta na medida de suas forças morais, físicas e materiais. Desempenhar papel especial isto é, os deveres de sua situação, torna-se, destarte, a conseqüência necessária das desigualdades sociais.

Toda a participação na vida coletiva se acha, pois, pelo fato de existir, sujeita a um conjunto de cláusulas que derivam da função e que ligam o agente e a sociedade, para a qual ele trabalha. Sob qualquer aspecto que se encarem estas mútuas relações, espontaneamente resultantes da função, delas é que de certo derivam os deveres Positivos Correspondentes o que vem eliminar todas as interpretações arbitrárias, cuja fonte é sempre pessoal.

Nestas circunstancias, o dever torna-se simplesmente a resultante sistemática de uma situação necessária. Todas as classes estão uniformemente sujeitas á deveres determinados. A sociedade seria mesmo contraditória, tendendo para a dissolução, se assim não fosse, porque, de modo contrário, possuiria órgáos sem funções.

Se certos indivíduos perturbam a sociedade, como as antigas classes ao cessarem de desempenhar os seus papeis, ou como os parasitos, que Horácio chamava simples produtores de esterco, ela tende espontaneamente a transformá-los, ou, se forem incapazes, a eliminá-los, vale dizer, a subordiná-los ou, em resumo, reconduzi-los à atividade comum.

A sociedade não seda menos contraditória se nela supuséssemos funções sem órgãos. Que são os parias? Indivíduos que preenchem funções sociais, sem que sejam, tidos como membros deste ser coletivo, a que servem. A civilização, por um principio de justiça, aspira reconhecê-los como agentes, quer dizer, procura incorporá-las à sociedade.

Resultando a ordem do concurso, a desordem humana sempre, em última análise, dos preguiçosos. Em toda a sociedade regular e normalizada só existem cidadões; isto é, funcionários desempenhando, cada qual, seu oficio particular, moral ou material, livremente aceito escolhido.

Chegar-se-á, por Ventura, a estabelecer em cada caso a harmonia entre a função e o órgão? E evidente que a perfeição social seria atingida se cada órgão, individuo, família ou povo, pudesse entregar-se, exclusivamente, ao gênero preciso de atividade para o qual se sentisse mais apto, em virtude de felizes disposições espontâneas, desenvolvidas, pela educação e facilitadas pelas Circunstância.

Infelizmente por mais desejável que seja, esta harmonia jamais será completa, haverá sempre imperfeições e graves lacunas não é crível que se possa retificar ou completar, por toda a parte, a ordem existente, quer deslocando os órgãos, quer creando novas funções. Estas transformações por seu turno, comportam certo abusos.

Cumpre, a respeito, livrarmo-nos, sobretudo da ilusão revolucionária que considera toda mudança como constituindo necessariamente um progresso.

Como as funções já não são atribuídas apenas pela hereditariedade más por um complicado concurso de condições, entre as quais o verdadeiro mérito não intervém de modo exclusivo ou principal, torna-se cada vez mais difícil determinar todas as razões da escolha, e sobretudo verificar todos os títulos.

As funções mais importantes consistiriam em exames, sendo os primeiros funcionários os distribuidores. Como há, no destino de todos, influencias fortuitas (impossíveis de prover, porque ninguém, as poderia prever) que vem forçosamente modificar as situações, a distribuição será sempre incompleta sempre a refazer.

Quanto a crear novas funções numa sociedade em que tudo se equilibra, sem ao certo saber o resultado dessa modificação sobre o conjunto, sem conhecer as ligações essenciais deste novo elemento com o todo, será usa questão muito delicada. Para tocar no edifício social, só com temor e respeito. Aliás, não se devem crear funções: basta desenvolver e cercear as que existem, pois todas elas apresentam inconvenientes.

Haverá sempre, portanto, imperfeições enormes e abuso inevitáveis, produzidos pela situação terrestre da Humanidade, pela natureza de seus elementos, sujeitos à doença, e nos quais nem sempre o altruísmo pode preponderar, o espírito tudo prever a atividade prover a tudo.

Se a grandeza do homem consiste, entretanto, em resignar-se com o que não pode impedir, refulge mais ainda quando se esforça para tirar o melhor partido da situação inevitável.

Para consolidar a harmonia da sociedade, reage o de preferência sobre as condições modificáveis, isto e, as qualidades pessoais, que mais dependem dele que dá situação. Por isto, aplica, também, de preferência sua atividade reguladora ao emprego das e não à origem dos órgãos, os quais, em geral, escapam a seu poder,  principalmente nos casos mais importantes, como por exemplo, a formação de um milionário, de um estadista ou de um filósofo. Aliás, a sua origem nunca os dispensa de regularem o emprego do poder que devem à herança, à eleição, ao trabalho ou a fortuna.

Todas as funções sociais são verdadeiros cargos, e exigem que cada individuo, concorrendo para a manutenção da ordem material e moral, envide os maiores esforços.

As desigualdades de desenvolvimento, a separação das operação, a imperfeição da harmonia entre as funções e seus respectivos órgãos, determinam hábitos, preconceitos, sentimentos, que são a origem das grandes divergências. A atividade própria de cada um dos elementos sociais tende, de continuo, graças à sua espontaneidade, a fazê-los divergir indefinidamente, e, por conseqüência, a deter todo o desenvolvimento e mesmo a dissolver a sociedade.

Estas inclinações pessoais, embora quasi de igual força no conjunto dos indivíduos, são sempre mais ou menos opostas, ao passo que a divisão das funções sociais e a aptidão para preenchê-las comportam infinita variabilidade. Mas, como na maioria dos ofícios sociais os homens necessariamente úteis não são de indispensabilidade absoluta, o exercício, condição fundamental de toda a arte, compensa a inaptidão inicial; ao mesmo tempo, a educação prepara-os para isto, cultivando-lhes as faculdades morais e mentais.

Concorrem, pois a educação e a pratica, para manter a ordem material, que supõe sempre duas coisas: um sentimento que dispõe a submeter-se, e uma inteligência que esclarece a natureza e as condições desta submissão uma vontade eficaz é também necessária, pois sem ela ,a inclinação e as luzes permanecem insuficientes: mas, como por si mesmo, o caráter se põe indiferentemente a serviço do bem e do mal, no sentimento e na razão é que cumpre ver as bases da unidade pessoal as condições do cumprimento do dever.

Não há sociedade viva sem sacrifícios, porque não podemos concorrer pêra a existência coletiva, mesmo nos atos mais simples, sem calcar, de certo modo, a personalidade. Temos desejos, sem limites, que os nossos pequenos recursos não satisfarão jamais, sejam quais forem os nossos melhoramentos: não poderemos aumentar a Terra, juntar órgãos a nosso cérebro, etc. A atividade humana sempre há de encontrar obstáculos e o devotamento será sempre necessário.

A mediocridade relativa é o apanágio do gênero humano, e aos ricos de coração, de inteligência e força, nunca faltará objeto para seu devotamento.

          Por mais importante que seja para a felicidade, saber resignar-se, a submissão ao que se não pode impedir não exige grande virtude. Mas, como o homem se eleva quando se sujeita a uma obrigação voluntária (por exemplo: a pontualidade) deve, para o bem comum, regular o emprego de seu tempo, isto é, impor-se uma se­fie de precauções e de sacrifícios.

As populações primitivas não eram pontuais, nem tinham semelhante conceito. Esta regulamentação da atividade ê um dos grandes progressos da vida moderna, cumprindo estendê-la da vida industrial á existência mental e moral.

Há circunstâncias em que para o serviço de um ser coletivo, é mister aceitar a própria morte, o que, sem dúvida, é muito mais grave. Entretanto a civilização militar obteve esse desprendimento de um ser medroso, sempre preocupado com a própria conservação á qual, naturalmente é levado a lidar quanta for para isto necessário. Em 1872, como em 1792, os franceses morreram pela Pátria, ao grito de; — Viva a Republica!

A existência industrial oferece admiráveis exemplos de devotamento equivalente; é este espírito de sacrifício que inspira os mecânicos das estradas de ferro quando, para salvar um comboio, se expõem a perigos iminentes, fato cuja sublimidade iguala os mais heróicos devotamentos militares. O amor é, pois, a primeira condição para o cumprimento de um dever, porque o amor e liberal da antes de ter recebido e mesmo sem jamais receber é a fonte de toda a unidade.

Somos necessariamente guiados em falta do altruísmo, reinará o egoísmo; mas, como só o surto daquele deixa livre toda a atividade, será útil ao bem comum que o egoísmo em tudo lhe ceda o passo. Não há dever sem um esforço sobre si mesmo em favor dos outros: só se ama desta maneira, e só por ela nos fazemos amar.

Não podemos, entretanto reduzir o dever, como pretendeu Kant com seu imperativo categórico, a um simples impulso sentimental, prevalecendo sobre o resto do cérebro. Assim, tanto nos poderíamos equivocar á sua verdadeira natureza e confundi-la com uma excitação egoísta, como voltá-la contra seu próprio destino. Tal o caso, por exemplo, de um amor de família que se mostrasse exclusivo.

Para cumprir o deva não basta o sacrifício. E necessário que o altruísmo se eleve e tenha em linha de conta o conhecimento positivo das condições que tornam o devotamento social eficaz. O altruísmo só triunfa apoiado nas luzes da razão abstrata, a única que pode determinar, sem arbitrariedade, os seres pelos quais ele manifestar-se e o grau de subordinação a que deve satisfazer o egoísmo

Não há dever sem o sentimento da harmonia para o qual sua própria função concorre no tempo e no espaço conhecimento bastante intimo das relações normais que existem entre esta função e todas as outras. E portanto, obrigação ética universal inspirar-se no conjunto dos conhecimentos adquiridos em seu tempo. A razão, porem, deve completar o amor sem o dominar, porque, de outra forma, seremos insensíveis às misérias e as desordens.

Os geômetras e os biologistas, embora libertos do sobre natural, não se teem preocupado com o ensino do povo, que poderia prevenir revoluções e estabilizar a que lhes creou lazeres para melhor uso. Eles sabem, mas ainda não crêem — são verdadeiros filhos da dúvida. Uma doutrina que não toca os corações e não possui verdadeira influência social é, indiscutivelmente!

Poderemos, praças à profunda realidade do positivismo, e sem temer os perigos próprios do misticismo teológico, utilizar uma preciosa disposição de nossa natureza, em razão de suas inúmeras vantagens intelectuais e morais.

O homem, todas as vezes que se acha sob o império de um sentimento profundo, tende a personificar as coisas inanimadas, como o solo natal, ou abstratas, como a razão. Cedendo a este impulso, chegamos a transformar a noção e o sentimento do dever em uma coisa real, que amamos, que nós dirige, e pela qual chegamos a dar a vida. O fim da educação positiva será fazer passar a noção científica de dever ao estado de sentimento ou pendor, para harmonizar a conduta com as necessidades das existências coletivas, consoante aos ditames da ciência da Humanidade.

O problema humano consiste em fundar a unidade pessoal no amor e, na fé, a unidade coletiva. E’ mister, porem, que esta seja comum a todos, e a fé positiva, como já vimos, tem na universalidade uma de suas característica incontestáveis. A confiança é, por conseguinte, condição básica para a existência social.

Por que, efetivamente, em toda a sociedade regular, teem sido sempre os homens de dever homens de fé? Por que em todos os tempos, teem eles tido a preferência sobre os homens de razão? E’ que a fé—a razão excitada pelo amor—apresenta para a prática uma vantagem fundamental. A razão argumenta por muito tempo, antes de ceda; ora, esta prudente conduta, dificilmente adquirida pela experiência, é necessária, mas basta, para a coletividade, que alguns a sigam. Isto aliás, é fatal, porquanto as demonstrações hão de ser sempre o apanágio de um pequenino grupo.

Quem ama pode crer sem grande esforço e facialmente persuadir-se. A fé é operante, porque une os ardores dó sentimento às luzes da razão. Enquanto a razão pondera, a fé vai adiante e aplica. A luta contra o catolicismo pode fazer acreditar numa incompatibilidade entre a razão abstrata e a fé: mas, com a fé positiva, não há mais diferença de natureza entre elas, porque as leis são as mesmas. A fé é a própria razão que se expande, tendo ambas, agora, o mesmo campo de atividade.

Ente, razão e a fé já não há mais contraste: elas se harmonizam. Por ventura, o amor de uma mãe, esclarecido pelo espírito positivo, não faz da criança que sujeitou, impressionou e persuadiu, sem a intervenção de demonstrações, um homem de razão? Existiu algum dia individuo verdadeiramente grande, de quem a razão não houvesse feito homem de fé? E não é justamente este caráter particular que o torna diretor daqueles para quem as mesmas noções haviam permanecido no estado de razão pura?

A República não foi fundada pelos que asseguravam seria ela o melhor dos governos, mas pelos que tiveram fé na sua oportunidade! A própria linguagem testemunha esse elevado valor: lamentamos um homem sem razão, mas desprezamos o que não tem fé. A suprema recompensa de uma vida bem empregada, não será poder vê-la cercada desse conjunto de nobres almas, que lhe têm fé, que lhe acreditam na palavra, embora sem provas atuais?

A eficácia das verdades demonstráveis é independente da origem das noções, quer venham elas pela fé, quer pela demonstração o que importa, antes de mais nada, é subordinar-se, por amor, às leis da Humanidade.

Os resultados essenciais das grandes descobertas escaparam não só a seus autores como a uma série de cérebros que, a principio, as receberam simplesmente pela razão demonstrativa - Os Copérnico, os Galileus. os Kepleres, aos quais devemos o estabelecimento da doutrina do duplo movimento terrestre, acreditavam em Deus, assim como Gall, a quem cabe a demonstração da existência dos pendores benévolos - Não perceberam eles que suas descobertas eram o resultado decisivo do triunfo da Humanidade sobre o absoluto e a eliminação do poder de Deus sobre o mundo e o homem, coro hoje entende facilmente a maioria dos espíritos ativos, que receberam ambas essas concepções por persuasão ou pura fé.

A fé positiva não se subordina, portanto, necessariamente, à razão abstrata: apoia-se sempre nela, mas pode, graças a novas aquisições, tornar a mentalidade humana mais clarividente do que era antes, mesmo en­tre os seus mais eminentes intérpretes.

A fé. uma vez que exige a participação dos sentimentos benévolos, é uma virtude. Para consentir em aceitar verdades que ainda não percebe, é mister que o homem faça um esforço, um sacrifido para a utilidade comum, não de sua razão, mas do que há de mais pessoal em seu exercício. Os que pretendem obedecer unicamente á razão, mesmo supondo-os de boa fé, sofrem via de regra, apenas a inspiração do egoísmo.

Será eternamente um dever, para o filho, ter fé em sua própria mãe, e, para o adulto, ter fé na palavra de um homem honrado. Não há professor, seja de o mais raciocinante dos raciocinadores, que não dê preferência à criança bem educada, isto é, espontaneamente disposta a ter fé em todos aqueles a quem seus pais a confiam.

E’ que para bem aprender, para bem pensar e bem agir cumpre fazê-lo com o coração. Só por este meio começamos a  exercitar o nosso cérebro. Queiramos ou não. todas as noções que adquirimos repousam na fé que nos inspirou nossa mãe.

Quando se faz necessário que uma geração transforme as noções básicas da fé comum, é uma verdadeira calanildade, porque estas gerações serão sacrificadas á felicidade geral. Mesmo nesta situação, mais depressa o amor nos torna partidários das novas leis mentais aperfeiçoadas, do que nos leva ao devotamento social esta elevação de raciocínio. Não se pode ter dúvida de que o amor da República e da Humanidade acarretara os espíritos generosos para as soluções positivistas muito mais seguramente do que as demonstrações sobre as quais repousam.

Quem é desinteressado, raramente se engana sobre o que deve fazer uma vez tendo conhecido a verdade. Enquanto a maioria dos acadêmicos se preocupava em saber se o positivismo era possível, uma humilde fabula iletrada praticava essa fé. Para a religião da Humanidade, o proletário, que vive a devotar-se a seus companheiros, é encarado como superior, em razão e moralidade, ao sábio orgulhoso que não reconhece deveres sociais, e vê, nos analfabetos, apenas pobres de espírito.

Concebendo-a como derivada da noção da Humanidade, a noção de dever toma-se tão relativa quanto ela. O dever depende, a um tempo, de todas as condições de desempenho da função por preencher, isto é, de nossa natureza e situação.

Função composta do cérebro, a idéia de dever varia com a elevação dos sentimentos que o inspiram, da inteligência que o esclarece, e do caráter que o realiza; varia, também, com a situação do individuo na sociedade, seja ela qual fõr.

O homem terá tanto mais deveres, quanto mais educado for. A admirÁvel ambigüidade da linguagem vulgar (1) lembra que o papel da educação é elevar o homem do estado de animal, em que não reconhece dever algum, ao estado cívico, caracterizado pela aceitação voluntária e cumprimento continuo de suas obrigações.

(1) — Em francês, o verbo elever significa elevar, alçar e educar (N. dos T.)

Quanto mais se educar o homem no Estado; em virtude do nascimento, da riqueza ou do mérito, tanto mais numerosos serão os seus deveres. O oriente oferece-nos um exemplo característico. A teocracia in­dú faz do pátria, que é estranho à sociedade, um ser sem deveres, submetendo, porem às mais pormenorizadas obrigações o brâmane colocado, por sua função, nó vértice da hierarquia. Do mesmo modo, quanto mais a civilização, a que pertence o individuo, se aproxima do estado normal, tanto mais aumenta o número de seus deveres.

A noção do dever é, com efeito, relativa ao grau de aperfeiçoamento social, ou seja, às modificações que caracterizam a evolução do Ser Supremo. Sem isto, a sociedade teria sido contraditória, poisque o concurso teria diminuído à medida que o homem se afastasse de sua origem e recebesse do organismo coletivo maiores excitantes e maior número de meios para seu uso e abuso, tendo, por conseguinte, maiores contas que prestar. Com efeito, a Humanidade que inspira e formula os deveres, fá-los prevalecer por influência mental, prática e mesmo fisiológica: há famílias e raças mais ou menos morais. Assim, não só aumenta com as gerações o número de deveres, mas também a moralidade espontânea, isto é, a disposição hereditária para aceitá-los e aptidão cerebral para cumpri-las.

E’, portanto, necessário encarar o deva como o conjunto das relações ou leis que ligam o homem à Humanidade. O deva ata obrigações mútuas, nossas para com os outros e alheias para conosco. Não há dever sem troca recíproca de serviços, pensamentos e bons sentimentos, entre o órgão e o ser coletivo.

Que poderá, pois haver de comum entre Deus, que se proclama necessário, e as criaturas, que declara inúteis ? Ele nada tem de humana, sendo-nos, por conseguinte, inteiramente estranho ! Sem moral e sem deveres, permanece isolado ! Esse o resultado da onipotência, a mais absurda das concepções que haja podido surgir de cérebro humano!

Pelo dever, as questões do espírito são também questões de coração: o dever ao mesmo tempo esclarece e comove. Jamais o homem fez o bem pela pura razão, porque o dever supõe o amor, que provoca ou completa o reconhecimento das relações existentes.

Conciliando-o com a Humanidade, o dever dá ao homem todos os recursos de seu poder, e graças a este apoio é que o altruísmo pode combater as inspirações viciosas e efetuar os sacrifícios da personalidade que o bem comum exige.

A consciência é a expressão da preponderância habitual de instintos bons ou maus inspirando a razão, e só deve ser ouvida quando se subordina aos instintos altruístas, quer dizer, quando respeita a ordem humana.

À grande meta da educação é cultivar a inteligência e o amor, de jeito a fazê-los ambos concordar, tornando-os, um, o espelho da Humanidade, o outro o eco de sua voz; quanto mais estes dois elementos se lhe tornam fieis intérpretes, tanto mais a consciência é educada. O dever é a digna submissão à Humanidade.





Capítulo Sexto

Caráter social da ética positiva

Resumo:


Mister se faz determinar, no concurso universal a parte legítima da intervenção direta de todos e de cada um para o cumprimento do dever, seja qual for o órgão, individual, familiar ou cívico. Submeter o homem integral, sem prejuízo de sua liberdade, eis o problema que o positivismo incontestavelmente resolve, e que tanto embaraçou os teóricos do catolicismo, impotentes, nos seus ensaios de representação da realidade, para conciliar o livre arbítrio com a onipotência de Deus.

A moral positiva humaniza o direito. Ensina cada um a encarar sua vida intima e privada (pessoal, familiar ou cívica) como a base mais firme de sua função social, sujeita a normas materialmente obrigatórias ou apenas morais, isto é livremente aceitas. Prescreve o dever, não consoante às inspirações da consciência, mas por considerações sociais. Assim, cada ser individual deve considerar-se, sob todos os aspectos, como cidadão da pátria comum, e os coletivos, como membros da família planetária. É deste ponto ­de vista que a doutrina positiva aprecia e julga os homens, as famílias e as pátrias.

Negar a qualquer elemento social o direito de intervir, tanto em relação aos seres que lhe esta subordinados como aos outros de que possa depender, seria negar a própria existência da sociedade. Seja qual for à natureza do elemento considerado, as condições de sua vida e os resultados de sua independência são sociais. Nenhum dos seres individuais ou coletivos tem capacidade para, isoladamente prover as suas necessidades, achando-se, por isto, sem subterfúgio, na dependência do todo, que o domina. Não pode haver, portanto, deveres puramente pessoais, familiares ou cívicos, pois todos eles são inseparáveis da idéia de conjunto.

A atividade destes elementos seria impossível sem o concurso dos predecessores que lhes fornecem o impulso, as luzes e os meios de agir, ou sem a assistência dos contemporâneos, cuja proteção lhes assegura o exercício e os proveitos. De Sato, a vida pública é o meio de conservar e multiplicar todas as virtudes privadas e cívicas. Nela, é mister que sejamos úteis aos outros, que nos tornemos em alguma coisa, e creemos certo renome: mas, não e para nós mesmos que nela trabalhamos.

Para subordinar o egoísmo ao altruísmo, nada melhor do que o serviço de uma coletividade superior! Os indivíduos, as famílias e os povos que são levados ã ociosidade pela riqueza ou violência, vale dizer, ao isolamento de seus semelhantes, caem numa corrupção degradante e inevitável. O quando cedem a uma grosseria ilusão é que os seres coletivos julgam poder abstrair-se deste conjunto e subsistir por suas próprias forças. Entretanto tal isolamento só é possível, por terem eles a herança dos resultados presentes e pretéritos da vida comum. Podem pois, isolar-se por tempo tanto maior, quanto maior tiver sido a sua participação hereditária. Longe, porem, de se apartarem do conjunto por esta interrupção de atividade, apenas aumentar a sua dependência, vivendo, mais do que nunca, da herança de seus antepassados, para cujo aumento, entretanto, em nada contribuem.

Seja qual for à situação, os diversos modos de agir teem  conseqüências sociais, verdadeiras e irrecusáveis, que não podem ser indiferentes porque os seus resultado, em última análise, se dirigem, direta ou indiretamente, a todas as coletividades.

Estamos mergulhados na Humanidade, que é o nosso meio, como os peixes na água. Eis por que, em qualquer sistema de relações sociais, os atos de cada individuo exercem influência inevitável sobre o conjunto.

Nada mais absurdo e mais imoral do que o pretenso direito absoluto de não-intervenção. Como se poderia deixar à prudência de um Estado o regulamento de atos que se devem incorpora ao conjunto das operações ocidentais?! Para uma república industrial, será por acaso, indiferente ver os paises ricos de madeira e carvão de pedra esbanjarem loucamente tão preciosos materiais? Quantas ações deste gênero, que, embora não constituam um ataque direto e material aos bens à liberdade e à existência dos outros povos, provocam, entretanto, males tão difíceis de curar?!

Não é possível deixar a cada um deles, e sob sua exclusiva responsabilidade, o cuidado de determinar as normas que mais lhe convenham. Sendo esta reação naturalmente mais lenta quando se trata de um pais, poderia crer-se que a conduta anti-social, como no caso das guerras coloniais ou do sistema proibitivo, fosse suscetível de acomodar-se com a felicidade particular. Isto, porem, de forma alguma é verdadeiro, e tais desatinos já se vão mesmo tornando impossíveis. A reação, pelo contrário aumenta gradualmente desde que passemos das nações para as classes e destas para as famílias e indivíduos, sendo, sem dúvida, mais nitidamente apreciada nos casos relativos à moral destes últimos.

Quer na regulamentação da existência do ser individual, quer na das classes e das nações, nunca devem, evidentemente, admitir como ponto de partida a consideração exclusiva do beneficio particular, que, afinal, corresponde ao livre surto dos sentimentos interessados.

Por que a sobriedade é um dever? Porque, se ultrapassamos a justa medida no uso dos produtos  alimentares, faltamos, ao mesmo tempo, com o devido respeito ao trabalho dos antecessores e com a imprescindível bondade para com os pósteros e os necessitados, pois todo o consumo exagerado lhes tornará mais difícil à aquisição de substâncias nutritivas. A satisfação moderada de nossas necessidades alimentares, ou qualquer outra espécie, proporciona sempre vantagens aos que receberam menos, permitindo que cada um obtenha o que lhe é devido.

Embora os sábios acadêmicos declarem que todos os animais são nutritivos, por conterem os quatro elementos, o homem não deve comer de tudo. Seguindo o exemplo dos predecessores, que deixaram de utilizas seus semelhantes como alimento, a moral positiva proíbe o uso da carne do cavalo, do cão e de outras espécies animais, ligadas à nossa por laços afetivos, sendo colaboradores de nossa indústria e atividade militar. Amesquinharíamos a Humanidade, cuja vida está associada a estas espécies, se degradassemos as funções de nossos companheiros e servidores habituais, transformando-os em simples laboratórios de sustâncias nutritivas.

Por que é impossível mantermo-nos indiferentes aos atos dos que se embriagam? Porque eles não vivem isolados! Suportando bem ou mal a embriaguez, prejudicam os outros, e a bebida que os embrutece transforma-se as mais vezes em atroz sofrimento para sua família e até para seus íntimos.

Em nos colocando no ponto de vista de conjunto, esta reação da conduta dos seres, uns sobre os outros, é tão evidente, que a censura ou reprovação dos abusos pessoais, familiares e cívicos não há de ser só dos positivistas. É preciso introduzir por toda à parte o sentimento social, estabelecendo o devera não no interesse particular de alguém, mas considerando antes de mais nada, esse alguém como membro necessário da coletividade.

Até Augusto Comte os princípios éticos parecias individuais, de sorte que as mulheres faziam prevalecer à sentimentalidade os teóricos a inteligência e os práticos a política. Doravante tudo deve ser subordinado à moral. Cada ser é interessado em todos os atos de seus semelhantes Para o cidadão moderno, a máxima de Terêncio tornou-se uma realidade: Nada há de humano que lhe seja estranho!

A independência, para todos os espíritos racionais, não pode ser considerada como um direito absoluto, em contradição com a realidade das coisas. Não há dever sem concordância entre a obrigação e a liberdade, entre o concurso e a independência. Desde que haja excesso de dependência as funções não podem ser cumpridas com dignidade, quer a sujeição seja violenta como no caso do prisioneiro e do escravo, quer resulte da insuficiência de moralidade ou de razão, como no caso do russo que consome todo o seu trigo, ficando sem as necessárias sementes ou no da criança de peito.

Para qualquer atividade e progresso, é condição imprescindível certo grau de independência. A conservação e o renovamento dos capitais sempre dissipáveis exigem perpétua atividade, cuja plena eficácia supõe a confiança que não se pode estabelecer nem perdurar sem o livre surto intelectual e moral.

A Humanidade não se teria jamais desenvolvido, se os indivíduos dependessem sempre, inteiramente, dos poderes constituídos. Enfim, a saúde o dever e a felicidade dependem do esforço pessoal; mas, para sujeitarmo-nos completamente e inclinarmo-nos para o bem, precisamos ser livres! A independência deve pois, ser necessariamente respeitada.

E preciso, porem, que, ao mesmo tempo, haja certa dependência, porque se os indivíduos gozassem de uma liberdade absoluta, não haveria nem obrigações nem sociedade, tornando-se os interessados tão incapazes de exigir o seu concurso, se o recusassem, como de lhes regrar o exercício, se tornassem desabusados.

Os reis absolutos, tais como os deuses, tiveram a pretensão de se julgar inteiramente livres de obrigações para com os seus súditos, até o dia em que um Cromwell ou um Danton, batendo-lhes na cabeça, lembraram que sobre a Terra nenhum homem é independente dos outros. Só Deus refugiado no céu, está livre de toda a responsabilidade; não se adia obrigado à coisa alguma, não reconhece deveres para com niguem e só tem  direitos sobre todos. Mas esta, concepção da superioridade é tão indecorosa quanto absurda!

A dependeria aumenta com a elevação moral porque o número de deveres se multiplica e com ele cresce a liberdade, pois o seu cumprimento se torna mais voluntário e mais garantido. Tudo quanto não converge para a utilidade geral produz perturbações perigosas para a saúde, a paz e a felicidade alheias, e todos têm o direito legítimo de invocar de qualquer órgão o escrupuloso cumprimento de sua função. Sem esta interferência, os que cumprem o dever senam oprimidos pelos faltosos.

Em que consiste a nossa liberdade? O destino humano é relativo e comporta aperfeiçoamentos. Sua modificabilidade consiste nas variações de extensio e de rapidez da marcha comum para a unidade final, variações secundárias e que se subordinam, sob pena de serem estéreis, à ordem espontânea das sociedades. A liberdade acha-se, então, ligada a uma outra ordem, que vem completar a ordem natural, e que tem leis pelas quais podemos prever as ações humanas e determinar o grau de independência legitima, isto é, compatível com o concurso.

Só podemos agir por egoísmo ou por altruísmo. A liberdade não consiste em obedecer indiferentemente a um ou a outro. É necessário agir por afeição e pensar para agir: essa e a lei, e a liberdade consiste em submeter-se, cada vez mais, ao seu império.

A pretensa liberdade do espírito revoltado, contra o coração limita-se, realmente, a preferir o senhor mais grosseiro, o mais caprichoso e o menos eficaz.

Neste caso, a personalidade munia da sociabilidade, a ação do Estado sobrepuja a voz da consciência e da opinião; em última análise. este engano do orgulho acaba cedendo apenas à força.

A educação, a liberdade e o poder do homem sempre consistiram na submissão às leis da Humanidade. É fato de observação constante e universal. Disto resulta que a sociedade não admite direitos imprescritíveis e inalienáveis, porque o destino e a instituição deles são puramente sociais.

O direito é a força, é a consagração pelo Estado de um poder sobre outrem, para proveito comum. Ora. toda a autoridade é responsável pelo cumprimento de um dever, para o qual foi instituída e consagrada; pode, por conseguinte, ser suspensa ou anulada, tal como foi concedida.

O homem não foi posto na sociedade por um contrato, que lhe garanta os direitos. Nasceu na sociedade ! Não trouxe condições e, pelo contrário, já as acho estabelecidas. Tudo quanto pode fazer, e nem há outra liberdade legitima e eficaz, é aperfeiçoar esta ordem natural, submetendo-se a ela inicialmente.

A Humanidade só concedeu direitos sob a forma de obrigações. O homem só tem a liberdade de cumprir o seu dever, e só por este meio escapa ao constrangimento da opinião ou da força material.

A moral positiva, ao envés de dar preponderância aos caracteres que separam cada homem de seus semelhantes, insiste sempre sobre sua ligação necessária. Substitui a discussão dos direitos pela organização dos deveres. De fato, partir do direito é negar o conjunto, dissociando-lhe os elementos: é encará-lo, apenas, através de seu próprio egoismo, referindo tudo a si mesmo.

A idéia do direito primordial, de origem divina, é fortalecida pelas preocupações sobrenaturais, O Godofredo da Jerusalém libertada, dedicado e cavalheiroso para com as coisas da Terra em se tratando de sua salvação, dirige-se ao céu por uma estrada solitária.

Os autores da Declaração dos Direitos do Homem inspiraram-se em um principio mais negativo do que orgânico, contrário à ciência social, que ainda não existia. Os bons sentimentos que os animavam não eram suficientes para fundar uma ordem social, e a marcha revolucionaria provou-o exuberantemente. No regime republicano tal como escrevia Augusto Comte em 1842, ninguém possui mais ‘qualquer direito, se não o de cumprir sempre o seu dever.’

Mau grado a aparência autoritária desta concepção do dever, o positivismo é mais liberal do que as outras doutrinas. Sujeitando cada ser, pessoal ou coletivo, a deveres mais extensos, insite mais particularmente em tornar o seu aceitamento cada vez mais voluntário, afim de conciliar, por este modo, a subordinação com a dignidade. Eleva a nobreza de todos os órgãos, ligando os indivíduos, as classes e as nações à existência total, encarada no conjunto dos tempos e dos lugares.

Verdadeiramente, não fomos nós quem creamos a Humanidade; ela só é superior graças ao nosso concurso. Se ninguém vive isolado, qualquer individuo pode ser útil e, assim, toda existência digna se torna moralmente um verdadeiro oficio cívico.

O positivismo fortalece a consciência dos homens honestos, dando-lhes a certeza de que uma existência virtuosa nunca é inútil, e que no caminho do bem nada se perde. O cumprimento do dever é recompensado por uma alegria intima e imediata, muitíssimo preciosa, porque, se os resultados teóricos e práticos na, sempre valem os esforços que custaram, a fonte única de nossa felicidade não é, por isto, afetada.

A honra, temor infinito de toda a vergonha merecida, apoia-se numa noção verdadeira, digna da delicadeza de um sentimento, qual o pudor humano. Se sofremos males inevitáveis, que não resultaram nas de nossas faltas nem das de nossos antepassados, resignamo-nos com simpatia ao que constitui uma condição geral da vida. Enfim, o próprio remorso se enobrece, por assim dizer, de vez que as ficções e abstrações perturbadoras, não vindo mais alterar a nossa unidade moral, giram eles exclusivamente em torno dos malefícios e erros cometidos contra a Humanidade.

Nesta concepção, a recusa de concurso e o caráter supremo da liberdade, sua manifestação sublime! A atividade sendo livre, os resultados de qualquer função só serão concedidos àqueles que forem julgados dignos. Se assim não fosse, haveria servidão. O direito, que assiste a cada um, de exigir de todos o outros o cumprimento de suas obrigações e recíproco, e, se a autoridade que governa é relativamente independente dos seus subordinados, também estes o são dentro de certos limites. O dever que liga a Humanidade inteira de baixo para cima  também a liga de cima para baixo.

A Humanidade, a Pátria e a Família têm deverá para com os seres que constituem os seus elementos respectivos. Esta universal reciprocidade de obrigações, que faz do cumprimento do dever o único ato religioso, não pode jamais ser invocado em apoio da opressão, da injustiça e do mal. Em semelhantes casos, a greve se impõe, porque não há dever contra dever: é uma obrigação iniludível negar o concurso tanto às operações industriais inúteis ou perigosas e às guerras injustas, como aos atos que ofendam o pudor. Esta recusa de concurso deve sempre ser reservada aos casos extremos e excepcionais, em substituição da violência, que prevalecia no regime militar.

O proletariado não deve esquecer que os capitais confiados aos patrões só podem ser diretamente acrescidos pelos trabalhadores. Cessados, por um rompimento combinado de sua atividade, os serviços contínuos que estes prestam à sociedade pelo exercido de sua profissão, dar-se-ia, em breve, o entrave de toda a existência social. Greve legitima é só a que tem por fim afastar os obstáculos que embaraçam o destino social de sua função, cujo exercido não cessa de ser o seu principal dever, O grito de convocação de Nelson deve ser a sua divisa permanente: A Pátria espera que cada um cumpra o seu dever’.

No estado normal e regular, cada individuo procura completar o apoio de sua consciência pelo concurso de seus semelhantes. É preceito obrigatório preencher todas as condições indispensáveis ao melhor cumprimento de sua função especial. Ora, estas condições nunca fazem abstração dos outros elementos do organismo presos por um conjunto indivisível de laços ao funcionário que, em cada caso especial, deve ser encarado como seu ministro, O cumprimento destes deveres não os dispensa jamais de auxiliar, pelos meios que lhe são próprios, os que, sem tal concurso, não podem preencher suas funções especiais ou gerais.

O homem de bem, o verdadeiro republicano. só empregará as forças postas pela sociedade ao seu dispor. fazendo-as concorra para o bem comum. Seus pontos de vista, tão gerais quanto generosos os seus sentimentos, não os separam jamais do conjunto. Tem, portanto, direito às vantagens sociais que resultam do cumprimento do dever, à confiança, ao respeito, à educação, á proteção. O direito, para de, é o simples apelo ao devotamento dos outros, isto é ao cumprimento dos deveres para com a sua pessoa, auxiliando-a a melhor cumpri-los e tornando-a, por este meio. ainda mais útil.

Esta concepção positiva do direito, em lugar de contribuir para o esmagamento dos fracos, protege-os das violências dos fortes ou dos ricos. Dá, ao que consagra sua principal atividade a outrem, o direito de contar com a assistência de todos para a satisfação das diversas necessidades, físicas, intelectuais e morais, que a sua atividade própria não permite prover.

Este apóio exterior pode faltar, mas não deixa, por isto, de ser o mais desejável; modera os desregramentos, acresce as forças e prolonga os serviços.

A magistratura não se entende somente a nossa própria vida, mas a de muitos: nossa existência. positiva ou negativa, liga-se a dos contemporâneos e sucessores. Só o passado escapa ao nosso poder. Cada individuo deve, então considerar-se como uma verdadeira providência, e, de conseguinte, prever, e prover depois de ter previsto.

É necessário desviar o pensamento e a atividade de tudo quanto não se possa dizer ou fazer diante de testemunhas; para a consciência esse é o critério objetivo do dever! Quem tiver uma vida de devotamento não temerá exames nem poderá, sem contradição, ser defensor do segredo da vida privada, em face de um individuo ou de qualquer coletividade. Cada qual tem o direito de examinar e de julgar a conduta do que se serve de seu poder, abusando ou não, Julgamos e somos julgados!

A paixão egoísta e cega crê ter escapado as olhares e às apreciações. Vã ilusão! Haverá sempre olhos para ver, ouvidos para ouvir, línguas para falar. Viver às claras é, pois, um dever tão inevitável como imprescindível; não para expor uma ignóbil personalidade, porque, neste caso, a publicidade terá um caráter infamante e constituirá também ama vergonha, mas para conter o egoísmo. Só as nobres almas se podes revelar inteiramente: elas nos devem suas inspirações e seus exemplos, bem como os resultados que produzam.

A imperfeição humana exige, necessariamente, um órgão que de modo especial se encarregue de representar o interesse comum, subordinando-lhe, na forma conveniente, o interesse particular. Quanto mais extenso e rápido for o progresso, mais urgente e neces­sario se torna este órgão, porque as divergências adquirem um aumento correspondente de intensidade Não há sociedade sem governo!

A função do governo é dirigir as atividades de acordo com o interesse geral, fazendo entrar neste caminho as que se desviarem. É ele, pois, de uma necessidade constante, inseparável de qualquer associação. Essa disciplina é de duas naturezas: uma civil e obrigatória, outra moral e voluntária. Uma não vai alem do governo que a decreta, a outra domina todos quantos participam das convicções que a consagram.

Nestas circunstanciais, cada uma das fases essências da vida privada, tais como o nascimento, o casamento e a morte, reagindo diretamente sobre a ordem pública, faz que o governo nelas introduza legalmente as condições que este órgão exige. São sempre as mais necessárias e as menos delicadas, Mas a liberdade será sempre mal regrada por nossos interesses pelos obstáculos materiais que resultam do Estado ou dos direitos alheios. Este só atinge, porem, o que já se acha realizado: não vê o que prepara os delitos e os crimes, não descobre Os males secretos não toca o coração. Não revela, mas deshonra os que pune. Por este motivo, a moral positiva limita à Consciência, e, em última estância á opinião, o aceitar condições que seriam opressivas e ineficazes se não fossem voluntária.

Em tudo quanto não ofenda diretamente a ordem. o positivismo repele formalmente a intervenção da. lei. A liberdade também é um dos aspectos da ordem humana, correspondendo, pois, a um uitrage, a uma perturbarão, entregar a violência para intervir nas ralações intimas de uma família ou de um povo. Em tais condições cumpre exclusivamente dirigir-se à opinião. afim de estimular ou corrigir, e o positivismo resistirá com energia à tendência revolucionária de fazer sancionar legalmente as medidas de qualquer natureza, pela simples razão de serem úteis. O melhor dos regulamentos só será efetivo e durável pela nossa voluntária sujeição aos deveres positivos.

É mister respeitar, por toda à parte, o principio da separação dos dois poderes, um moral o outro material e regrar, por conseguinte, a divisão normal entre a obrigação da lei e a liberdade de todos os espíritos. Os males provenientes da sua inexistência devem ser atribuídos aos que repelem, o princípio e as condições necessárias desta separação.

No domínio físico, intelectual e moral, constitui a opinião o mais perfeito contról. não lhe escapando ninguém, seja qual for o ser considerado. Se o individuo abusa, a família e os concidadãos se insurgirão contra ele isto se observará em todas as classes.

Quando Rousseau perguntava: Se o povo quiser fazer mal a si mesmo, quem o poderá impedir?” já a experiência e o bom senso haviam respondido que em tais casos, todos os que recebem o contra-golpe reagem espontaneamente. Por mais degradado que esteja um povo, haverá sempre uma cidade sobre a Terra ou uma alma elevada que salvará da prescrição a herança moral do gênero humano.

Em falta da voz dos contemporâneos, haveria sempre a do juiz supremo da moralidade, os pósteros. anjo tribunal os atos são submetidos. Podemos surpreender a opinião de nosso tempo, nas não nos imporemos ao futuro.

Por maior que haja sido a celeuma levantada por Bonaparte, protótipo do egoísmo, durante sua vida, já a Humanidade o eliminou de sua comunhão. A fama, ao passar diante dele, baixará sua trombeta, como fazia com o egoísta de que fala Milton no Paraíso Perdido e, pelo contrario,  fará ressoar o nome de muitas almas dignas, cujas belas ações permaneciam esquecidas no silêncio. Só os atos praticados de acordo com a lei da Humanidade não sofrem reforma nem apelo. Cabe aos pósteros ratificar a sentença dos que, de posse desta chave, ligam e desligam, reformam os injustos elogios e as iníquas censuras.

A inquebrantável fortaleza pertence aos homens de bem. Esses não estão à mercê exclusiva dos fortes: um homem, mesmo só contra todos. Vencerá indubitavelmente, desde que com ele esteja a Humanidade! Permanecendo, embora, sob o peso de um opróbrio imerecido, sabe que as suas obras irão ter ao destino assinalado. A posteridade acha-se diante dele, o passado sustenta-o: não se abala, portanto, com os clamores de seus cegos contemporâneos. Só as grandes almas gozam desta estabilidade, e já as temos visto assim, mesmo em situações extremas.

Embora todos desejem completar esta garantia com a aprovação dos contemporâneos, há casos em que se faz mister a força de dispensá-la e dizer como Danton: Pereça a minha memória, contanto que a Pátria se salve!” Aliás, o homem de bem nunca ficou só, ou abandonado por todos, seja na família, na cidade, ou mesmo entre os outros povos.

Entre as providencias que concorrem para formar este apoio exterior, há uma que, por sua situação, pode energicamente despertar vistas elevadas e sentimentos generosos, apreciar e proteger — é o proletariado. Ligado diretamente a cada uma das três grandes categorias sociais à mulher pelas afeições domesticas, aos diretores filosóficos pela educação e aos governantes temporais pelo trabalho, um de seus palpeis é fiscalizar todos os poderes, controlando-lhes o exercício.

Por sua intervenção, deverá, em cada pátria, prevenir ou apaziguar os conflitos que resultem dá atividade espontânea de funções, cuja influência tende a exagerar-se ou a desprezar a das outras. Enfim, a identidade de situação e de aspirações, fazendo-o superar a diversidade dos trabalhos e das nacionalidades, chama-,o espontaneamente para tudo controlar.

Pelo exercício desta função geral, o proletariado salvar-se-á de sua própria opressão e do estado degradante que resultaria de sua exclusiva atividade material. Para preenchê-la, de deve livremente renunciar não apenas ao emprego da violência, mas também a tornar-se elemento exclusivo ou mesmo preponderante ao governo, civil ou político.

Saindo de sua situação, o proletariado perderia todas as suas vantagens. Lutas indefinidas, entre os seus diversos elementos, quebrariam, a homogeneidade da massa; ignóbil cupidez leva-lo-ia a considerar-se come o fim da existência humana, quando, pelo número e pela atividade direta e social. de constitui a base, a verdadeira providência planetária. Não é no exercício do poder, mas no cumprimento desta função, que o proletariado alcançará a verdadeira nobreza — a nobreza do devotamento.

Capitulo Sétimo

Caráter religioso da moral positiva

Resumo:


Se todos os atos são retificados ou sancionados pela opinião, dela unicamente depende que os seres, individuais ou coletivos, nunca pratiquem o mal. Devemos entretanto ter presente que a opinião tanto pode dirigir como perturbar. Não convém, pois, deixar moral dos povos entregue à sua atividade espontânea.

Faz-se-lhe mister um guia, para que essa liberdade de ação não entregue os pobres à opressão dos ricos afastando os obstáculos que embaraçam a atividade de ambos, e, principalmente, a dos primeiros.

A liberdade, sem um governo moral que obrigue a reconhecer e amar a ordem por ela completada, leva no despotismo da indústria ou ao monopólio comercial.

Felizmente o estímulo social nos domina e faz os elementos do poder moderador. órgão que os deveres gerais, defendendo as liberdades pública proteção dos pobres. Fornece de um apoio pacifico contra a força e nada pode fazer sem a aqui essência dás famílias, das classes e dos governantes.

A opinião é o único braço secular.

Este poder moderador concilia a ditadura com a liberdade, pois consagra o poder temporal, limitando-­o convenientemente. e amplia a independência, assegurando melhor a participação de cada um na obsta coletiva. Por este modo, enobrece, ao mesmo temp, a obediência e o comando.

Julga-se o homem muito digno para obedecer a um simples homem. Só se submeterá, portanto, quando perceber um órgão qualquer o reflexo da Humanidade. Assim, a sua consciência permanecerá em paz e a nobreza ficará salvaguardada.

A Humanidade é que determina e formula o supremo contrato que liga o mandatário aos dirigentes sem servilismo para o primeiro e sem opressão para os outros. Este liame universal é expresso pela religião.

Afirmar que não há sociedade sem religião e reconhecer que não existem associações sem estatutos, sem regras entre seus diversos elementos. Sem religião não pode mais existir um só individuo uma família ou um Estado, como sem o sol não se compreende o dia.

É inadmissível que alguém se prevaleça da ignorância dos deveres de sua situação, porque ninguém tem o direito de desconhecer a lei. É este um princípio constante e universal. Entretanto, a mãe, que educa uma nova geração, o proletário, que produz a riqueza material e o industrial que a administra, o homem de Estado, que governa, são absorvidos por suas especiais.

Como conciliar estas duas necessidades? Quem conservará as verdades da moral abstrata? Quem as á aos filhos do pobre? Quem lembrará os princípios desconhecidos e olvidados? Em suma, quem auxiliara cada qual a cumprir seu dever, dizendo-lhe em que consiste ele e por quais, meios poderá consegui-lo?

A lida continua dos diversos produtores de utilidades ­deu origem a uma indústria mais genérica, uma função espiritual. tendo por fim aperfeiçoar os agentes de todas as operações, afim de os fazer mais sãos, mais inteligentes e mais honestos. A reclamações cada vez mais impetuosas do proletariado é a necessidade desta educação mais perfeita, cuja falta caracteriza a crise moral que atravessamos.

Como o principio da hereditariedade regula cada vez menos a transmissão de funções, a educação domestica já não basta para presidir o estabelecimento de preconceitos profissionais. No desenvolvimento das aptidões espontâneas, tornando-as mais utilizáveis, no estabelecer da crescente e necessária divisão das funções, na apreciação dos progressos que devem ser facilitados e dos desvios que convém reprimir, em uma palavra, para tornar convergentes todas as atividades, só vale o ensino universal das relações fundamentais deste conjunto, que, sem cessar, se vai complicando.

Nunca houve transformação progressiva, da Humanidade sem o acréscimo de novos deveres, cuja sistematização, por novo poder espiritual, constitui a religião correspondente. Com efeito, sempre que o desenvolvimento da civilização faz surgir novas desigualdades e estas se acentuam de modo a romper a dependência anterior tornando-se preponderantes, nascem graves conflitos, dai resultando nova questão social.

Em tais crises nunca pretenderam os homens constituir um governo de libertos. ou do diretores que conservassem os costumes servis próprios de sua antiga situaçÃo, pois isto equivaleria a fazerem-se escravos de outros escravos. Procuram, pelo contrario, dirimi-las por uma nova solução do problema religioso vale dizer, as cabeças filosóficas colocam-se, outra vez, no ponto de vista do conjunto das relações existente, porque é pouco satisfatória a antiga concepção. em virtude da troca das desigualdades.

Observar o que se está passando, apreciá-lo, formular certas leis, submeter-se a essas leis e propô-las aos povos, tal é. ao caso, o papel do que eternamente há de conservar o nome de fundador de religião.

Examinemos, com efeito, á luz do método cientifico, os problemas resolvidos por Moises, Buda, Confúcio, S. Paulo ou Maomé, e havemos de notar, que a reforma religiosa sempre foi provocada por uma questão social. A religião não se inventa, verifica-se a forma é um simples regulamento, cuja exatidão depende da época e das luzes do fundador.

Encarado sob este ponto de vista, o advento da república,  que supõe pelo menos a superioridade moral das novas desigualdades mentais e praticas sobre as antigas cidades dirigentes, deve impor a umas e outras novas regras de ética. Ora, a tal respeito, já não ha nada a inventar. Os meios existem e presidiram ao sinto dos elementos da ordem moderna; falta, apenas, desenvolvê-los. As relações convergem deles. e basta dirigir esta convergência, de acordo com os princípios gerais e uniformes, derivados da fé positiva.

Será necessário, como, no passado, recordar todas as condições gerais do bem comum, que tendem para o reconhecimento das divergências habituais da prática diária. É preciso, porém, determinar exatamente as funções dos órgãos novos, trabalhadores e filósofos.

Devem todos, por exemplo, participar indiferentemente do eleitorado? Em que condições e dentro de quais limites? Aos proletários, assim chamados a apreciar e controlar todas as coisas, caberão grandes deveres. Quais serão eles? Do mesmo modo quais serão as funções que as antigas classes dirigentes deverão preencher, afim de, embora subordinadas, poderem socialmente utilizar sua indispensável decadência? Só com o conhecimento preciso do assunto poderemos guiá-las ou mantê-las numa situação não perturbadora.

Estabelecer regras para todos os órgãos desse conjunto de funções indivisíveis é, de fato, o problema religioso, que, em todas as épocas e para cada situação profundamente modificada, se tem procurado solucionar por formas efêmeras, astrolãtricas. politeístas ou monotéicas, simples aproximações da solução geral, única definitiva, surgida no século XIX.

Este conceito positivo da religião nada apresenta que possa ser contrário aos espíritos cultos. Permite explicar como a religião, instituída em prol da Humanidade, constitui, em todos os estados normais. a maior garantia do cidadão contra os excessos de quaisquer poderes.

Os revolucionários. sempre incompletamente emancipados. não sabem abstrair-se das lutas do seu tem­po, e foi cedendo aos ódios por elas suscitados, que tentaram suprimir os govêrnos e pretenderam abolir as religiões. Os positivistas. pelo contrário, vivendo no futuro, téem toda a calma e imparcialidade neces­sárias, e, sem esquecerem o respeito ao passado, exe­cutam desde o presente as substituições indispensã­veis, começando pelo objeto de seus sentimentos e pensamentos, afim de as realizarem mais seguramente nos atos.

Desde que estas substituições sejam efetuadas, a Revolução estará finda porquanto isto compreende a vitória da solução religiosa, a principio entre os chefes e depois entre os outros cidadãos. Destarte, o regime republicano, longe de conduzir à supresdo, do poder espiritual, torna-lhe a existência mais necessaria do que nunca.

Numa sociedade mais rudimentar, coagido péla situação, com um dogma imperfeito, surgiu. de S. Paulo a Hildebrando. um poder moral distinto do poder temporal, que se impõs a missão de ensinas uma fé. a todos emprestando origem e fim comuns. A sociedade republicana não pode ter organização menos perllia que a do século IX. Suprimir a separação dos dois poderes, principal superioridade dos tempos moderno seria fazer da República ocidental um corpo sem alma, uma verdadeira monstruosidade, pois sempre que o Es­tado ê o distribuidor das verdades comuns, retrogradação teocrática.

Todos quantos pretendem reunir, nas mesma, mãos, a educação e o govêrno cometem uma dupla inconseqüência. A primeira, é que o poder espiritual. por eles négado. pertence-lhes claramente: são os pa­dres democráticos, jornalistas, romancistas e drama­turgos. transmitindo aos proletários e ás mulheres a única instrução superior que possuem, fora da educa­ção teológica. No cafarnaum revolucionário, são eles que aconselham. consagram, julgam e pontificam; cada qual e papa de um pequeno rebanho, que não exige de seus pastores nem moralidade, nem competência. O positivismo. sem prejudicar qualquer situação legitima, vem trazer luz e ordem para esta grave anarquia espiritual.

A segunda contradição está em não reparar que
existe, por toda a parte, hoje como em todos os tempos, grandes desigualdades de força e inteligência, mais ou menos regularmente investidas do govêrno.

O estado atual resultou da preponderância de novas desigualdades. espirituais e temporaís. sobre as antigas que elas substituíram, quer diretamente quer por meio de órgãos transitários. Assim, o governo temporal tenderá progressivamente para os industrias, porque as funções relativas à vida prática passaram mãos dos guerreiros para as dos trabalhadores.

Do mesmo modo, as funções concernantes a cultura da sociabilidade e do espírito passaram da direção dos teólogos a dos filósofos positivistas levados, pela necessidade universal de princípios morais relativos, a fundar este sacerdócio científico, pelo qual Holbach, com o grande século XVIII, fazia ardentes votos e o grande Frederico não hesitava em qualificar de novo papado.

Consequencía inevitável da atitude preconizada pelos revolucionários é deixar os órgãos mais podero­sos. isto é, os mais capazes de abusar, sem outtas peias que não as sugeridas pela sua própria conciência. a qual nem sempre distingue o dever da mera satisfação.

Recusar-se, entretanto a reconhecer as funções de tais órgáos seria simplesmente absurdo e imoral. Ver a coisas como, de fato se mostram, é a primeira cláusula para exercer uma ação real. É necessário submetermo-nos ao que não podemos impedir, se quitezermos tirar o melhor partido possivel. O governo tenha lá que forma tiver, monocrática, aristocrática ou democrática, depende sempre de uma infima minoria; comumente, quem dirige é um só, seja qual lar o rotolo. Sempre foi assim, e assim há de ser eternamente. Cumpre pois moderar suavizar e regrar, vale dizer, sujeitá-los a deveres, porque as desigualdade se vêem tornando cada vez mais pronunciadas.

A pretensa liberdade dos revolucionários, fruto ignorãncia destas condições, faz que este governo seja deixado ao acaso, aos seus caprichos, dispensando os mais altos funcionários de deveres e até mesmo de qualquer responsabilidade. So aceitam normas de ética as essoas de bem, justamente as que menos precisam disto.

O mesmo acontece com respeito ãs funções espiriuais. Os revolucionários ainda não viram que os prindpios capazes de terminar a revolução já se acham formulados, que a fé positiva, sobre a qual repousam. espontaneamente aceita pelo povo; que bastaria, enfim, repartir com todos estas verdades abstratas para prevenir ou abrandar as nossas crises políticas e sociais. E isto só não foi feito ainda pela falta do órgao espiritual correspondente.

Em vão dizem eles que temem os abusos, como se fossem perfeitos os outros poderes, como se o pior abuso não fosse dispor de uma grande força e não re­conhecer regra de especie alguma!

Estando todas as sociedades expostas a divergência entre governantes e gõvernados, a antagonismo à interesses, a desvios de ambiosos e descontentes, serã licito convir que devam ser abolidos? Seja qual for á harmonia que se suponha existir entre os diversos orgãos industriais (agricultores. fabricantes e comerciantes), entre estes e os banqueiros. entre patrões e operáríos. haverá sempre conflitos. Seria isto o bastente para a supressão destas diferentes funções ia­dustriais?

Então, como nunca os interesses materiais conse­gutram constituir uma ordem social, sendo necessárias verdades comuns, deve entregar-se ao Estado a incumhência de formulá-las e difundi-las, sob o pretexto de que, assim, se evitariam os abusos do sacerdócio, suprimindo o antagonismo entre os homens de pensamento e os homens de ação?

Mas, como há abusos inseparáveis da função. o Estado, que a usurpa, tornando-se juiz e parte na sua Causa torna-os mais graves, pois são mais diretos e menos facilmente remediáveis. Alem disto, o que aconselha está com a dava na mão!

Semelhantes doutrinas não se imporão definitivamente ao proletariado! Se só abusos bastassem para motivar exterminios, submeter-se-iam todas as institui­ções sociais e aniquilar-se-ia inteiramente a indeptn­dencia. para levar, afinal, a sociedade à mais ignóbil escravidão Algum dia, o operariado compreenderá que, sem religião, não há liberdade para os povos.

A existência de filósofos, que ensinassem sem po­der instituir uma organização sistemática sob um di­recto: exclusivo, seria a última contradição: equivale­da a reconhecer a existência dos rios, recusando, entrétanto. admitir que as suas águas corressem para o mar.

Por um estranho temor, a mais alta função moral, a que consiste em fixai, transmitir, ensinar e prescrever os deveres próprios para assegurar a unidade humana, seria a única privada de suas condições de existencia. Os teóricos verdadeiramente honestos procuram sempre colocar-se nas condições mais favoráveis ao pleno exercicio de sua função, de que são responsáveis perante a Humanidade.

Reclamam todas as forças necessárias ao cumpri­mento de suas obrigações morais, pelo mesmo motivo que o proletariado ou qualquer outra classe social. Contestar-lhe este legitimo direito, seria negá-lo a todos. Eles repelem tal pretensão, em nome da ética positiva, que impõe a todos os homens deveres mútuos, de acórdo com suas funções recíprocas. Não há religião sem sacerdócio!

Essencialmente redutivel a um único árgão. Só exigirã uma multiplicidade de agentes para melhor assegurar a universal comunicação de seus ensinarnen­tos; aas haverá uniformidade de funções e de deve­teu. Essa uniformidade necessita de um certo conjunto de condições, às quais Augusto Comte se submeteu. Seus sucessores, seguindõ-Ihe o exemplo, hão de acei­tã-las e nenhum poder conseguirá impedi-los, porque ata atitude corresponde a ser honesto e devotado, isto ao cumprimento do diver.

Para determinar as condições de existência que se impõem a todos os filósofos, pela própria força das circunstanciais, basta considerar o que seja necessário se bom exercido de sua profissão. Educados sob a proteção da pátria. são levados a cumprir, a seu respeito as obrígaç5es comuns; por consequinte, no dominio temporal, é necessário que dêem exemplo de submissão.

Tendo o dever de ensinar a moral positiva, que abrange todos os aspectos da natureza humana, devem ter a competência necessária para isto, possuin­do conhecimento geral destas relações.

Chamados, por esta própria educação, a desem­penhar o papel de juizes em todos os conflitos cívicos. importa que não participem de nenhuma função política ou industrial afim de que se imantenham impar­dais e dessinteressados. e não se desviem da conside­ração do conjunto. Será preciso. mesmo, que, para permanecerem livres de qualquer atividade prática, não possuam capitais de. Espécie, alguma. Os princí­pios a impor, devendo ser comuns a todas as nações ocidentais, será indispensável, para evitar o desfazer conflitos, que os filósofos sejam independentes de seus govêrnos respectivos.

Suas funções sendo, sobretudo, destinadas aos po­bres, e não exigindo sua atividade bens materiais o oficio que desempenham deve ser essencialmente gra­tuito e público. Dai resulta que sua existência deve-ser garantida pelos donativos voluntários dos que parti­dpam de suas crenças.

Vê-se. destarte. por estas poucas indicaçaes, como tal conjunto de exigências está longe das habitualmen­te feitas pelo clero católico, ao qual é possivel encorporar desde a idade de vinte e cinco anos, sem re­nunciar aos direitos de propriedade, sem nenhum preparo científico, e em vittude de uma graça invisível. que coloca o padre acima do Estado, o dispensa dos áveres dvicos e lhe proibe o casamento, por ser Ia­cowpativel com as suas funções.

Augusto Comte fixoa em quarenta e dois anos a idade em que podem ser preenchidas as funções supremas do sacerdócio positivista: consagrar e julgar!

Depois de ter satisfeito às obrigações cívicas costumeiras e provado sua vocação, o aspirante deverá justificar aptidões mentais e morais, pela renúncia de qualquer herança, pelo casamento, e sobretudo pelo ensino do conjunto do saber abstrato. Será confor­mando sua conduta com esta série de deveres que os membros do novo poder espiritual conquistarão, junto das mulheres e do proletariado, a estira e a simpatia indispensáveis a seu oficio.

Só pelo apáio que estes lhes derem, na família, no Estado e na República Ocidental, é que os filóso­fos positivistas conseguirão, repartindo elogios e censuras, e, em caso de necessidade, recusando o próprio concurso, fazer que pacifieamente prevaleça a consideração do bem comum, na conduta habitual de todos os chefes.

Os homens sempre empregaram, universalmente, o mesmo processo para conciliar o concurso e a indedência, a ditadura e a liberdade, isto é, para conseguir a prevalência do dever. Como seus predecesso­tes, o sacerdócio positivo colocar-se-á sempre no pon­to de vista religioso, vale dizer, considerará o conjun­to de nossa natureza e de nossa situação. Terá sabre todos eles, porem, as vantagens que dá a concepção racional sobre a empirica.

A Humanidade exerce uma ação incontestável sobre  o  homem integral. Por suas instituições fundamen­tais, transmite a todos certos hábitos; pela língua, comunica-lhe as verdades que constituem a fé comum Em poueas palavras, cada qual aprende da Humani­dade, em conjunto de noções, sõbre seus deveres, passado e destino, que, embora recebidas sem discussão, aproxima seu espirito das soluções positivas muito mais dó que acredita a presunção dos letrados.

É assim que a Humanidade, por intermédio da familia, se apodera da criança no berço.

A igreja positivista reformará este universal ensi­no espontãneo, e, coroando-o com o conjunto das no­çães abstratas, lhe dará a clareza, a precisão e a ge­neralidade que lhe faltavam. A educação, a que deve satisfazer, consiste em regrar cada individuo. subordinando suas afeições ao amor da Humanidade, li­gando-o, depois, pela fé, aos seres coletivos.

O individuo assim preparado, estará apto a con­correr, sob a protego da pátria, por uma fungo di.­tinta e de maneira durável, para a atividade comum. ou seja, para o aperfeiçoamento universal. Nisto eque consiste essencialmente, o destino da religião.

O princípio e o fim de toda a vida, o escopo da moral positiva, consiste em aceitar a Humanidade como o verdadeiro ser supremo, o único que devemos atuar, conhecer e servir. É necessário amar a Huma­nidade, sob pena de nos aniquilarmos.

Quanto mais cresce o nosso amor por este gra­de ser, mais os homens se inclinam a estimar-nos. E como poderia ser de outro modo?! Quem deseja tor­nar-se feliz com os outros, nada tirando, seja a que. fêz,’ consegue sempre sufocar as resistências do egoismo. Por fim, todos só desfrutarão sentimentos e afetos.

A Humanidade disto nos dornece prova. Sem interesse algum, tudo nos deu no inicio trabalhando principalmente para os mais infelizes A mãe de familia, obra-prima de suas creações, oferece-nos o tipo prinøtdial e eterno dessa providéncia simpática, de que pátria se aproximará cada vez mais, a ponto de substituir o seu próprio nome pelo de mátria. expres­sio melhor dó caráter impresso pela atividade pacifica.

A igreja da Humanidade represénta-nos este mun­do do futuro, que. contrariamente às concepções do passado, no qual o género humano parecia ter nasci­do so para alguns, devotará aos pobres todos os for­tes, que se tórnarão seus ministros e servidores.

A fé da Humanidade nos domina como o seu amor; é eficaz e real — portanto, verdadeira! não 6 obra do capricho, mas das idades decorridas, que de­tuonstraram, transmitiram e desenvolveram este dogma do bom senso, eterno e perfectivel, enobrecedor do nosso espírito e do nosso coraçãó.

O exame longe de enfraquece-la, confirma-a, e a submissão que lhe é devida cresce com os séculos! Havia uma fé especial para Jerusalem, para Benatés, Atenas, Roma, ou para Meca. Há uma só lei para a Humanidade, e o seu reflexo está em cada um de nós. Vem de tinia essa luz! Só a Humanidade põde construir a ‘fé positiva que um só homem, um único século e um único povo não souberam edificar!

A esperança da. Humanidade num futuro melhor nunca foi desmentida. Onde encontrar um destino mais extenso que no seu verdadeiro serviço? Vemo-la, por uma imensa cooperação, tender para o melhor, em todos os modos de atividade, sem que jámais haja re­cuado. mesmo nas situaçóes que parecem extremamen­te desesperadoras.

Quem conhece e respeita suas leis e a elas su­bordina seus próprios atos adqnire a certeza de haver contribuido para um futuro melhor, não apenas na ordem material, mas principalmente na humana, até então reservada aos deuses. Assim, com a Humanidade, e graças ao seu amor, o homem aproveita a ener­gia naturalmente inspirada na vastidão de seus beneficios; encontra a calma, decorrente da previsão das coisas, na sua fé; e na esperança segura de um porvir feliz, a perserverança, que completa e prolonga a eficácia das boas obras!

Tudo devemos referir á Humanidade porque tudo dela provem. Composta do que e bom, verdadeiro e representa um conjunto de ideal sem mácula e de pevfeição verdadeira; seu nome exprime, a uma só vez o amor, a ordem e o progresso.

A Humanidade é o exemplar de todos os seres e de            todas  idades. É modêlo que deve ser contemplado e meditado e meditado, imitado e desenvolvido. Tudo concilia, sem nada estorvar! Todas as concepçées fictícias se subordinam à sua, que as contem no que apresentam de socialmente eficaz; utiliza-as na poesia e mesmo na ciência, reservando os antigos aparêlhos bélicos para brinquedos das crianças.

A. Humanidade é a inspiradora de todas as boas ação e a fonte de todas as leis civis, intelectuais e morais. Reconhecemos nela o próprio mundo do qual certamente depende, e, sem a consideração déste fato, não poderíamos amá-la, riem conhecê-la e muito menos servi-la.

A Humanidade representa, portanto, esta série de laços morais, intelectuais e físicos, que nos prendem indissoluvelmente a nossa semelhantes, à Terra e ao Espaço.

Todos os povos e todas as raças algum dia proclamarão livremente o seu império: será o advento definitivo de seu reinado! Mas desde agora, os que se reconhecem como seus servidores, podem participar de sua vida, pois ela representa o conjunto dos seres convergentes.

Aproximar-se da Humanidade deve ser o ideal das famílias e das nações. Quem na ofender ou rene­gar, põr-se-á em perpêtua contradição consigo mesmo. pois, sem que o saiba e a seu pesar, a Humanidade se traduz em seus atos, em sua linguagem e afeições. Quando o homem dela se aparta, entrega-se à irresolução. à inconstãncia. A loucura !

Conciliaremos a nossa própria felicidade com o dever, votando-nos pelo coração, pela inteligência e pela atividade, a este Ser Supremo, e isto equivale a confiar-lhe a única coisa que perdura depois de nossa morte e que permite atingir essa grandeza moral que. mesmo na velhice, conserva em nossos corações o viço da eternïdade. No oceano de realidades em que vi­vemos, ela é a única praia em que se devem fixar as nossas afeições pensamentos e projetos.

A Religião da Humanidade é a única que pode dar provas de suas afirmativas; só ela é demonstravel.

Por ela inspirados, como não se deixarão empol­gar mesmo aqueles que julgavam para sempre ter pet­dido a fé?! São precisos fatos? Em fatos é que ela se estribal Há necessidade de princípios? Ela é a proptia razão! E se quizermos sentimentos? O coração trans­bordará! Reune os caracteres do passado, do futuro e da mocidade; ninguem a precedeú, ninguem poderá sobrevivê-la, e ela continuamente se renova. Não hã existência que a ultrapasse em número e poder. por­que ela cresce, conquista e se eleva todos os dias!

Não teme a luz, porque sua existência é às cla­ras: nasceu do exame da verdade. Quanto mais pre­ciso e extenso fõr este exame, maior e mais saliente se torna aos nossos olhos.

Atemorizar-se-á ante as verdades novas? Não! Fóra dela a verdade não existe, porque está sempre em dia. Aqueles que revelaram as verdades descidas do céu, sem atender ao passado, chegaram muito tar­de: a Humanidade os havia precedido.
Só ela possui universalidade. Nada se fez nem se lará sem que era tome parte, seja para desenvolver e consaarar, seja para conter ou eliminar.

Está ligada a tudo! Não foi feita por um povo. por uma raça ou por uma classe: destina-se a todos: é a Religião da Humanidade! Embora tenha tido por intêrpretes diversas naturezas excepcionais, nenhuma lhe poderá dizer: eu fui quem te creou! Augusto Comte não a inventou. reconheceu-a, e isto bastava para que a sua glória fosse única nos fastos da Humanidade: so houve uma religião, como só haverá um Augusto Comte!

A regra universal do dever é referir tudo à Humanidade. Satisfazendo a este preceito, tomamos a unidadé pessoal e coletiva mais completa e mais estável do que se nos esforçássemos para tudo atribuir a Deus. Assim, o bem será tudo quanto servir A Humanidade, material, intelectual e, sobretudo, moralmente;e o mal, quanto lhe fõr contrário.

O mérito consiste em empregar dignamente todos os esforços no serviço da Humanidade. Esta a verdadeira santificação. A estima não se reparte mais, de acórdo apenas com o cargo mas segundo o gráu da aptidáo total para concorrer a prol do bem comum. Nesta elevação moral há lugar para todos, porque, em nos aproximado deste Grande Ser, não desloca­mos nem empobrecemos ninguem.

Quem, por amor efetivo da Humanidade, pensa e age para seu serviço sem nenhuma esperança de recompensa neste ou noutro mundo, é verdadeiramente religioso, pois, em verdade, religioso sempre exclusi­vamente foi o homem que cumpriu os seus deveres.

Esta noção real da santidade foi pressentida em todas as épocas. Dois exemplos bastarão aqui para prova-lo.

Nos meados do século Xl, São Bernardo escreveu o Tratado do Amor de Deus para estabelecer que os verdadeiros fieis deviam amar a Deus sem a espe­rança de recompensa ou sem o temor de castigos, mas unicamente pelo seu próprio amor, por um amor puro e desinteressado.

Um século depois, uma mulher muçulmana desejava acabar com o paraíso e o inferno, afim de que, dai por diante, os homens servissem a Deus só por amor.

Bossuet, o último órgão importante do catolicismo, julgou de seu dever reproduzir estas nobres palavras, que haviam despertado a admiração de S. Luís (1). em seu Resumo da História da França. O infterno e o céu, como a história demonstra, só foram feitos para as almas vulgares.

Era mistre resumir em uma lei a existencia de todos os homens de bem, dos que, por intermédio da família e da pátria, votaram sua personalidade necessária ao serviço do Ser Supremo. Augusto Comte condensou todos os deveres, toda a moral, nesta suprema fórmula: Viver para outrem! Esta é a lei da Humanidade.

(1) Assim refere Joinville a reposta desta mulher e um Embaixador que S. Luis, estando em Acre, enviara ao sultão de Dantas: “ele encontrou, no meio da rua, uma mulher muito velha, que trazia na mão direita uma concha com fogo, e na esquer­da uma vazilha cheia dágua. Perguntou-lhe o irmão Ivo o que pretendia fazer com esses elementos tão contrairios. E ela lhe respondeu: Com o fogo queria queimar o Paraiso e com a ãgua estinguir o Inferno, afim de que, para sempre, deixassem de existir. Ao que, o irmão Ivo de novo a interrogou, levando-a dizer o seguinte: Por isto, porque não quero mais que ninguem faça o bem neste mundo para ter o Paraiso em recompensa, nem que, tambem. pessoa alguma deixe de pecar por medo ao fogo do Inferno; mas o bem devemos faze-lo por um completo e perfeito amor de Deus!’ (Histórias de S. Luis)










TERCEIRA PARTE

Princípais aplicações da moral positiva

Capítulo Primeiro

Ética positiva individual

A moral do individuo tem por fim desenvolver os sentimentos altruistas por dois processos convergentes; de modo indireto, egoistas, porque devemos aperfeiçoar e nao destruir a pesonalidade indispensavel de cada um; de modo direto cultivando os instintos simpaticos, como propos S.Paulo e o Positivismo, consagrou. Sujeitando a mesma lei o culto e a ativida, Augusto Comte identificou a idéia de felicidade á de dever.

Completaremos este trabalho com a exposição a sumaria, mas suficientemente genérica, das principais aplicações da moral positiva. As três fases sucessivas da existência: individual, doméstica e social, harmonizando com o presente os deveres que lhe são peculiares.

A prática constante das vírtudas çessoaís foi, em todas as épocas, considerada como a melhor base das virtudes domésticas e sociais. A principio a familia e depois a pátria educam o homem para a Humanida­de, e só por uma abstração necessária pode a sua con­duta ser estudada independentemente delas.

Colocar a ética individual dentro de uma religião que encara o homem propriamtnte dito como en­tidade é tão razoável quanto a ela encorporar a moral doméstica e civica, uma vez que as familias e as nações, como os indivíduos são inseparáveis do conjunto.

­A ética positiva individual tem como objetivo a predominãncia, cada, vez maior, da sociabilidade sóbre a personalidade, e, para isso, utiliza dois processos convergentes: purificar os instintos egoistas e excitar o altruismo. Ensina a combinar a pmtreza e o de­votamento. para instituir e manter os rudimentares há­bitos que servem de base a todo o surto moral posterior.

No entender dos doutores católicos, os instintos pessoais são essencialmente nocivos. Os esforços de cada individuo devem realizar-se no sentido de destrui-los, e seus votos aspirar o rompimento das liga­ções incompativeis com a graça.

O bom senso reagiu contra tais aberrações, e o positivismo, consagrando esta resistéacia, retomou as tradições de seus predecessores teocráticos, assaz des­conhecidas pelo catolicismo.

O espírito positivo impõe ao filósofo a obrigação de ser médico para nunca separar. na diteção da na­tureza humana, o cerebro do corpo, vale dizer, o mo­ral do físico. Sendo a personalidade, por suas relações com a vída vegetativa, a principal responsável pela conservação do individuo e da espécie, torna-se im­possível, sem ela, conceber qualquer gráu de vida coletiva. As funções corporais devem realizar-se de mo­do que permitam a vida completa do cérebro e suas manifestações exteriores. A sociedade tem interesse na saude de cada um de seus componentes, tão só para que possam desempenhar seus misteres mtstno com risco da vida, como nas perturbaçóes terrestres, corporais e sociais, mas tambem para que os suoisso­res sejam higidos, e tho sensatos e honestos qnanto corajosos.

A atividade própria dos instintos de aperfeiçoamento não e menos dispensável para a civilização que as exercita, a mais e mais na sua crescente complexi­dade. Aliás, a própria vida é menos nossa que os bens materiais, por ser obtida diretamente da Humanidade. Se a considerarmos em sua origem ou seu destino, no­taremos que a nossa existência não foi creada para nó. Mesmos, e sim para outrem. Eis a razão pela qual o      positivismo condena as privações e penitências que diminuem as fórças, já por si insuficientes.

Repudiando todos os meios de suicídio, tnstitrn conho um dos deveres fundamentais do individuo a consetvaçio da saude: e necessário ter saude para agir Com segurança.

A personalidade é tão inevitável quanto imprescindivel. Não nos podemos alistar no pacto contra esta parte do cérebro, naturalmente preponderante na vida comum, mesmo em as naturezas de escol. Alem disto, este conjunto de instintos acha-se permanentemente excitado pela necessidade fundamental de alimentação e pelas exigências, satisfeitas ou. vencidas, do meio em que vivemos e que dirige a nossa ativida­de. Qualquer outra influencia, por mais nobre que seja, só terá ação modificadora sõbre nossa conduta.

A personalidade deve ser atendida, não só como base indispensável de nossa atividade, mas porque concorre diretamente para o desempenho de nossas funçoes.

É preciso afastar este modo de ver absoluto, que apresenta como inconciliáveis o altruismo e o egoismo, e só encontra no último a fonte de todos os males. Auqusto Comte, em um teorema basilar, que completa as idéias de Gall, foi o primeiro a perceber a ligação di­reta entre os instintos egoistas e simpáticos. Em vir­tude desta correlação, confundem-se emoções sociais e pessoais, emprestando a estas mais encanto e àquelas maior força.

É por efeito destas relações espontãneas, e não como resultado de cálculos sutis ou deduções compli­cadas, que a criança fica estimando aquela que dispõe de sua vida; o pobre respeita o rico que provê sua existência material: o feiticista adora o Céu e a Ter­ra, sentindo-se dominado por suas forças invendveis. Pelos mesmos motivos é que as funções domésticas ou sociais, inicialmente utilizadas na satisfação da peno­nalidade, acabaram constituindo para os que não do indignos, um meio favorável ao surto da simpatia. Sob este ponto de vista, a ambição não é menos indispen­sável que o interesse. Por não aceitar o poder, foi que Dantoo, sem embargo de sua superioridade moral e social, perdeu para um competidor rancoroso e me­díocre, falto de qualquer aptidão de govérno. Tão preciosa correlação permite utilizar, em beneficio do altruísmo, a superior energia dos instintos egoistas.

Eis uma prova da grandeza da Humanidade que. por uma prévia e digna submissão, soube tirar meios de aperfeiçoamento de atributos que pareciam votá-la a uma eterna inferioridade, O positivismo consagra nossas inclinações pessoais como, necessárias a uma vida integral e sõmente para melhor servirmos ao próximo.

Qualquer moral que não leve em conta os nossos instintos mais enérgicos e perigosa e puramente decla­matória, leva-nos à hipocrisia porque, se a quizermos seguir e fazer-nos anjos, nos degradamos, tornando-nos imbecis.

Originário de uma sociedade moralmente corrom­pida, o sacerdócio católico, não obstante seu dogma. tentou regulamentar o conjunto das funções cerebrais que compõem a personalidade. Apesar entretanto, dos seus louváveis esforços, não resolveu completamente o problema da purificação, embora conseguisse, néste sentido, resultados apreciáveis.

Evidentemente, não seria possível determinar o verdadeiro papel do egoismo, com um dogma absoluto que, pretendendo suprimir ou refrear cegamente a personalidade, de fato a estimulava.

A origem dogmática desta incapacidade foi verificada desde o fim da idade média. Basta, para isto. lembrar, entre outras provas, a exaltação da vaidade nos misticos e a do orgulho nos servos de Deus, tão insolentes para com os inferiores quanto servis aos poderosos; o desenvolvimento generalizado do amor próprio, característico da doença revolucionária dos povos ocidentais; o desdem cada vez maior pela higiene corporal; a paixão doentia pelo sofrimento, que levou Pascal a considerar a doença como estado nor­mal do cristáo. porque o estado patológico desenvol­via algumas qualidades morais. Este modo de ver é contraditório porque, se a consideração de doentes im­plica na de pessoas com ptedictdos para tratá-los, são estas em relação à moral, na mór parte dos casos as mais interessantes.

Era urgente, portanto cuidar outra vez do pro­blema da purificação. Antes de mais nada, cumpria. evitar cuidadosamente o desenvolvimento dos instintos tjue exigem sempre excitantes. Reprimi-los seria ainda pior porque dobrariam de atividade, sem levar em consideração que ísto exigiria o restabelecimento da ineficaz e opressiva policia de costumes.

A satisfação exagerada da personalidade determina perturbaçõs não só porque altera as forças fí­sicas do organismo, mas principalmente por ameaçar as faculdades mentais e morais as mais fracas e mais preciosas, e isto mesmo quando a saude estivesse ao abrigo das consequèncias funestas da intemperanca.

Por sua natureza própria, os diversos pendores egoistas são inconciliáveis, donde a necessidade de regulá-los, isto é, abrandá-los, orientando-os para uma finalidade elevada e inacessivel às paixões. A Ëtica positiva faz a pureza consistir na subordinação habitual dos instintos pessoais aos sociais, tendo em vista o serviço contínuo da Humanidáde. Ela os enobrece, eliminando todos os caprichos contraditórios ao bem comum e só os satisfazendo com este objetivo.

Tal resultado é obtido à custa de muito esfórço, mas só assim o homem se eleva, e tudo quanto res­tringir seus apetites, dentro de proporções razoáveis aumentará suas forças. Como multo bem salientou de Maistre: o homem aos 30 anos domina a paixão mais violenta porque aos 5 ou 6 anos lhe ensinaram a desistir voluntariamente dum brinquedo ou duma gulodice.

Embora. de inicio, seja penoso não satisfazer livremente a todos os desejos, e pareça preíerivel entre­gar-se aos inzpulsos variáveis do sentimento. é sem­.pre útil submeter-se a preceitos. mesmo quando as leis naturais ainda são ignoradas. A idade e a experten­clã nos mostram tal vantagem. Se, por toda a parte, os mais nobres atributos estão subordinados aos mais grosseiros, é aconselhável, para reduzir ao minimno o arbítrio, procurar, para as normas que voluntariamen­te instituimos, certa precisão numérica. Estas as bases dos deveres de purificação, instituidas pelo positivis­mo, e ponto de partida de toda a moral.

Libertando os instintos egoistas do que têent de vicioso, é meio caminho andado, porque lucramos tudo quanto perderiamos se cedessemos aos seus influxos.. Ainda assim, sem um real devotamenito, isto seria insuficiente para conseguir uma base de moralidade. A purificação, é bem verdade, contribui indiretamente. por si mesma, para o surto dos bons sentimentos, de vez que reduz de modo sensivel o domínio da personalidade.

Aconcelha o positivismo, déste modo, uma justa parcimonica porque. Sendo necessário assegurar a sub­sistencia quotidiana da familia, so se deve gastar o capital, reservando os juros do porvir. Ao mesmo tem­po, ê este o único meio de nos podermos tornar generosos, satisfazendo o dever da esmola.

Para, entretanto, evitar as más ações é preciso, antes de tudo, cultivar os mais nobres atributos da al­ma. A moral positiva propóe ao homem, como destino supremo da vida, seu aperfeiçoamento intelectual, e, acima de tudo, moral, visto que dele dependem todos os outros.

O trabalho e o cultivo dos bons sentimentos conduzem em conjunto, à virtude, se os não afastarmos, da ciência, porque as opiniões falsas dão lugar aos desregramentos. Para ser feliz é preciso ter pensamentos sadios.

Torna-se, portanto, necessário cultivar o espirito por uma instrução enciclopédica, completada ou subo.. tituida, durante a fase de transição, pela série de lei­turas escolhidas, aconselhadas por Augusto Comte e sabiamente reduzida, graças ã sua competéncia sem par, a um pequeno número de obras primas, cuja reunião constitui o catálogo da Biblioteca Positivista.

Este aperfeiçoamento intelectual, porem, pressupõe a educação da sociabílidade. Nossa existência privada e pública só se mantendo por uma série con­tinua de abnegações e sacrificios,  a prática habitual das boas ações foi e será sempre o melhor processo de cultivar os instintos altruitas. Mas, como os resultados de nossa contribuição para a vida comum, rara­mente dependem de nossos esforços isolados, mesmo porque êles, nas mais das vezes,  não estão ao nosso alcance, é indispensável, para ficar no ãmbito da ética individual, levar em conta, principalmente, os meios de culttura que cada um dispõe de per si.

Esta a razão pela qual devemos apegar-nos aos bons sentimentos que inspiram nossas açoes. e cujo valor é bem grande aos nossos olhos, para suprir a y fatal intermitência de nossos atos. Cultivando-os cons­tautemente, redobraremos nossas forças. Fazer o altruismo preponderar sõbre o egoismo é a aspiração maxima para a qual o homem deve tender, embora sai jamais a atingir.

Foi isto o que pretendeu o catolicismo e a de devemos a instituição do cultivo metódico dos instinto, simpáticos. O sacerdócio romano escolheu, para pedra angular de seu edifício, a teoria de S. Paulo sóbre a mais natureza, a mais bela concepção da Hu­manidade até Gall e Augusto Comte. A distinção básica entre o egoismo e o altruismo está assim formulada pelo fundador da religião católica: “A carne tem apetites contrários aos do espirito, e este desejos diversos daquela. São opostos um ao outro e, como resultado dêles, praticamos o detestado mal ao envés do querido bem”.

São Paulo, apoiado nesta concepção decisiva, imaginou audaciosamente o problema de transformar o homem, fazendo, para isto, apesar da energia superior dos sentimentos em jõgo, prevalecer a Graça ou isto é, os instintos simpaticos, sobre a Natureza ou a carne, personificada pelos sentimentos egoístas.

A eficiencia desta teoria, infelizmente, foi muito prejudicada pela sua feição teológica. A distínçãó entre a Graça e a Natureza, na concepção pauliana, é absoluta: não admite concordãncia e procura mais comprimir os instintos pessoais do que exaltar os sentimentos sinpãticos. Foi ao mesmo tempo um erro efetive e um vício de metodo. ambos inevitáveis. O importante, porem, era instituir, pelo exercício especial. a cultura dos bons sentimentos, quaisquer que fossem as insuficiências dos primitivos métodos.

Esta doutrina entravou o surto dos sentimentos desinteressados, reduzindo-os exclusivamente à cari­dade, e dirigindo as preocupações individuais para uma salvação egoista. Com efeito, para São Paulo, a Graça é uma dádiva exterior, um estimulo direto da divindade, outorgado a quem fõr de seu agrado. Não somos capazes, escrevia ele, de formular bons pensamen­tos, mas é Deus quem nos torna capazes de tal coisa’.

O homem seria, desta maneira impelido a pro­curar um ponto de apelo fora do Ser Supremo e do mundo, vale dizer, Fóra da realidade. No ponto de vista moral, como em todos os outros, os transformar dos pelo catolicismo não o foram graças à doutrina. mas apesar dela.

Todos os homens desfrutam a Graça só pelo fato de. existirem; e isto ficou provado quando Gall sbstítuir a hipótese teológica pela teoria que demonstrou serem inatos os sentimentos altruístas, até entao au­jeitos aos caprichos divino.. Dai por diante, o aperfeiçoamento do homem dependeria de sua providencia; ele poderá desenvolver concientemente a benevolén­cia. fazendo-a adquirir uma intensidade até então ina­tingida.

Em virtude da fraqueza natural do altruísmo. se­rã sempre necessário excitá-lo por exercícios apropria­dos e puramente morais. Se ates exercicios são, a principio, menos eficazes que os atos propriamente ditos, seu surto pode tornar-se continuo, adquirindo. por fim, um valor inestimável, visto não exigirem ma­teriais e estarem sempre ao nosso alcance. Para esses exercícios morais costumados, em que o pensamento e a atividade se reunem à preponderante afeição, o positivismo, eliminando todos os caracteres dos pro­cessos transitorios, conserva o qualificativo de preces ou práticas religiosas, de há muito consagrado pelo uso geral.

Sistematiza seu emprêgo pela instituição do culto privado. no qual o homem exerce sobre si mesmo um esfõrço quotidiano, afim de desenvolver os sentimentos afetivos. Este culto intimo, em que cada um se torna seu próprio sacerdote, repousa na seguinte lei moral: os sentimentos são fortalecidos e excitados pela expressão, com intensidade que aumenta tempo e com a harmonia dos esforsps correspondentes._de maneira que tornam frequentes impulsos até então acidentais. Dai, cada qual poder apreciar a influencia dos menores atos que se repetem todos os dias, e sa­ber que a perseverança faz dos mais fracos esforço. resultarem os mais assinalados progressos.

Só por este culto habitual podem os homens rea­lizar em si mesmos, com segurança, a transformação mora! prévia de que necessita a livre preponderancia da religião da Humanidade.

Quais as vantagens desta cultura moral intima? Tornármo-nos, desde logo, mais capazes de viver para outrem presentemente e no futuro: aperfeiçoarmos e fortalecermos todo o nosso apardho cerebral, e, portanto, a saude que esta intimamente ligada a unidade afetiva; melhoramos a raça porque todas as grandes modificações do organismo são transmitidas pela hereditariedade. Trabalharemos, enfim, para a nossa fe­licidade. deliciando o nosso espitito pelo cultivo da lembrança que ficou de fatos passados em nossa vida, e que ligamos à imagem querida dos que nos cercam e dos que se foram.

Concentrar as afeições no presente, sem relem­brar o passado e cuidar do futuro, seria, por acaso, viver! Só o amor sabe tirar partido de tudo, descobrindo, prazeres; seus desvelo” vão alem da éspecie humana e alcançam os seres que lhe prestam auxilio, a Terra que habitamos, o Espaço que personifica a fatalidade das leis Gerais. Tudo concorre para o desenvolvímento da afeição, tudo conspira para desper­tá-la.

A felicidade do homem está nos atos nobres que ela inspira e nas doces emoções que os acompanham. Amar é a dito com a felicidade dos outros, é viver para outrem, se não no presente, pelo menos confiante.

Augusto Comte, reunindo, assim, na mesma formu-la as leis da felicidade e do dever, conciliou pela pri­meira vez o que parecia contraditório. Demonstrou o que os espiritos superiores haviam pressentido: o que inspirou à Marquesa de Lambert esta máxima: A perfeição e a felicidade se confundem”, Só pelo coração o homem é estimável e feliz, porque só nêle se encontra a sua verdadeira grandeza!

Augusto Comte fez da educação direta dos sentimentos altruistas, isto é, do amor, o principio da moral positiva e da religão da Humanidade, que é o coroamento indispensável daquela. A ética positiva individual concorre, portanto, para estabelecer a tinida­de coletiva, purificando e, ao mesmo tempo, exaltan­do as inclinações naturais de cada um.



Capitulo II

Moral doméstica positiva


Seria impossivel fazer de cada individuo um ser, isto é, puro e dedicado, se o não mantivésse-se dentro dos meios espontãneos, que alimentam, controlam e estimulam suas afeições, pensamentos e atividade.

A familia e a pátria elevam o homem até à Humanidade; mas, na vida privada é que, de inicio, se faz o aprendizado da vida pública. O filho mau, o esposo indigno não poderiam ser bons cidadãos!

O amor do mulher será sempre necessário ao homem inspirar, criar e manter as virtudes sociais, em meio dos seres para quem mais deseja viver, é que o homem aprende a submeter-se, a gozar os pra­zeres do devotamento e a viver às claras.

Cumpre conceber a familia como o elemento social especialemente destinado a educar o homem sob a direção da mulher, seu órgão precipuo. Dar regras a moral doméstica equivale, pois, a resolver a questão feminina.

Sob todos os pontos de vista, a familia atual é o simples desenvolvimento da familia primitiva. No começo, a mulher nao existia, e as condições da especie humana nao diferiam, absolutamente, das que se observavam entre os diversos animais: os machos sobressaindo em força e beleza.

Na fase inicial, ainda representada pelas populações mais atrasadas, os sexos são apena distintos A mulher sobrecarregada dos trabalhos mais penosos e qrosseiros, tida como simples animal doméstico, e o primeiro escravo: apenas, um homem inferior, mais magro e mais feio. Eis o estado em que a Humanidade se encontrou este ser anõnimo, de que faz sua creação mais perfeita, a Mulher, que assim lhe deve toda a nobreza e poder.

Em virtude da evolução social, e ao mesmo tem­po que suas funções mais se diferenciam, os dois se­xos apresentam desigualdades crescentes, sob o tri­plo ponto de vista — físico, mental e sobretudo moral. Este evolver, contudo, fá-los progressivamente cooperar para o mútuo solevamento. o homem pela atividade exterior, espiritual ou material e a mulher por sua açào doméstica e moral.

Semelhante concurso torna a união mais completa e mais estável. A nulher liberta-se gradualmente do brutal dominio do homem, que, por seu turno, concentrando o apégo, cede mais facilmente à influência moral. De todos os caracteres que a familia apresenta, o aperfeiçoamento reciproco dos dois sexos e o mais frequente e o que se torna cada vez mais preponderante.

Sem embargo das exceções, sempre mais raras e passageiras, e que não cessam de conciliar a vida ex­testo? com as virtudes privadas, desde que estas sejam deveras eminentes, é na família que a mulher encontra seu mais elevado destino. Torna-se, com efeito, necessario, considerar a família como a oficina onde se faz a obra admniràvél, e a mulher como o industrial por excelencia.

Livremente votada ao lar doméstico, por suas difeentes funções de dona da casa, esposa, amiga e máe, ela educa o homem, purifica-o. exalta-lhe os bons sentimentos, tornando-se, a um tempo. consolo, conselheira e providencia.

Assegura o bem estar dos seus como dona da casa e, por sua previdencia faz ressaltar a importàn­cia da conservação dos materiais e a imoralidade do esbanjamento.

Cuidando sempre de suas ocupações habituais, no seio da familia, participa da atividade industrial mais dignamente do que como simples operãria, nestas grandês fábricas que alteram a delicadeza feminina e põem em perigo sua própria moralidade espontãnea. Tornando-se esposa, a mulher enobrece o homem, disciplinando-lhe os mais enérgicos instintos. “nessa união constitue a mais perfeita amizade, embelezada por uma incomparável posse reciproca” (Augusto Comte - Catecismo  Positivista).

Aceitando voluntariamente a obrigação da vida comum ambos — homem e mulher — se impõem incessantes sacrifícios, guardando mútuo respeito qelas suas funções. Quanto melhor se achar garantida a indissolubilidade do laço matrimonial contra os caprichos individuais, mais este destino beneficia os espo­sos. determinando um constante devotamento. Entre dois seres tão complexos e tão diversos, como o homem e a mulher, a vida inteira nunca será demasiada para se bem conhecerem e amarem-se dignamente” (Loc. Cit). Semelhante união, quando verdadeiramente digna, torna-se mais forte do que a morte, e sobrevive à existencia objetiva de um dos cõnjuges.

Restabelecer o divórcio seria comprometer tio precíosos resultados, pois. máu grado a lura livremente feita, éle suprime, ao mesmo tempo, as funções de mãe e de espõsa. O divórcio só é admissível quando um dos esposos haja sido condenado a uma pena infa­mante, que lhe determine amorte social. No que concerne ao caso em que os cõnjuges se acham efetiva­mente separados, será razoável, a seu pedido justificado, legalizar a dissolução do primeiro casamento, mas este fato, por si mesmo, demonstrará a incapacidade definitiva de contrair segundas núpcias.

Seguindo o desenvolvimento natural de sua alta dignidade ética, as mulheres são levadas a interessar. se pelas coisas que as conduzem mais longe e mais alto do que suas respectivas famílias. A Humanidade juntou à sua providencia afetiva um novo órgão — a companheira — cuja fórça se baseia na reunião da mais profunda ternura com o mais profundo respeito.

Graças a esta creação, o género humano realizou um imenso progresso moral; os membros das outros famílias deixaram de ser encarados como estranhos, e são acolhidos no lar, onde a honra se acha vigilante. e com ela a dignidade, a liberdade e a paz.

Esta transformação, que se realizou entre o escol da Humanidade, distingue os ocidentais de todos os outros povos; foram elas que Voltaire descreveu em sua formosa tragédia Zaira.

“Companheiras fieis, reinando em toda parte.
“E livres sem deshonra e puras por vontade,
“A virtude que têem não procede do médo.”

Agindo por conselho e afeição, e não por vontade imperativa,  é sobretudo como amigas que intervém nas questões de seu tempo, quer sejam politicas, quer sociais ou religiosas. Só particularmente, como nos salões, das preparam a opinião: mas seja onde fõr, no templo, na escola ou nos clubes, sua assistência deve sempre permanecer passiva.

Rainhas no lar, é ai que atuam tão poderosamen­te sãbre o coração dos iotnens, e realizam a concepção positiva, segundo a qual a mulher personifica a Hu­manidade.

Jàmais os espiritos revolucionados, que. à força de procurar alhures os meios de melhorar a instrução da mocidade, acabaram por se não compreenderem, hão de conseguir roubar às mães sua função educadora.

Só a mãe é capaz de educar o homem, porque só da tem essa força de coração que forma o caráter para a vida e determina costumes, apesar da preguiça do corpo e do espírito e à despeito dos apetites selvagens.

O princípio de toda a educação está em ver em cada mãe a diretora perpétua dos filhos. Até a puber­dade, devem eles depender, exclusivamente, da mãe e quando as coisas assim não se puderem realizar será, para ambos, uma infelicidade. Durante o resto da exis­tência, a mãe deve procurar superintender sua educação.

Baseado no culto materno, pelo qual os dois se­xos se elevam ao amor da Humanidade, o culto inti­mo tem como principal resultado prolongar, alem da morte, a doce e salutar influencía déste anjo da guar­da. comum a todas as idades. Não foi ela a primeira que amou o filho e por de sofreu? Não foi ela que ar­riscou a vida para lhe dar a luz?

Os primeiros balbucios, olhares e sorrisos são para aquela que é sua carne e seu sangue; que, duran­te dias e noites, lhe prodigalizou carinhos tão delica­dos. cuja multiplicidade e duração fatigariam qualquer outra pessoa.

Deixemos, pois, as crianças com suas próprias limes; no existe ninguem, sob todos os aspectos, qúe tantos laços lhes esteja tão preso, haja tanto vivi­do para elas, e a quem tenham custado mais!

Os inovadores pedagógicos. invariáveis partidá­rio, da instrução obrigatória, que procuram persuadir ser a criança de mais no lar e que é necessàrio confiá-la a um estranho, afim de transformá-la em homem e cidadão, não fazem mais do que repor na, ordem do dia os processos jesuiticos do encarceramento da mocidade. Diremos com De Maistre: “Fazer crianças, é apenas custoso: mas a grande honra é fazer homens, e é o que as mulheres conseguem melhor do que nos Néste particular, o Estado é incompetente.

Tal a aptidão da mulher para desempenhar este papel, que nêle atinge o limite da perfeição humana; para esse pequenino sér, tão fraco de inteligência, tao incapaz de reação, e que se encontra na sua absoluta dependência. a mãe terá afeição sem limites. E mais do que isto: terá todos os cuidados e encherá de ca­rinhos a criancinha enferma, embora sem esperança e pelo contrário, certa de que nunca receberá a retribui­ção de tantos atos de devotamento. Não; não é por intermédio de um diretor de conciência, sacerdotal ou leigo, ‘nas exclusivamente pela mae, que os conselhos morais devem ser transmitidos à criança. E assim, na verdadç, será preferível para ambos.

Únicas intermediárias pelas quais a sóciedade põ­de, sem perigo, fazer sentir sua ação à criánça, coube sempre ás mães a glória de tei formado o que a pá­tria e a Humanidade têem obtido de mais puro e de maior: os Santo Agostínhos sempre foram filhos das Santa-Mónicas e só as Cornélias puderam produzir os Gracos. Súmula da perfeição, a mãe, pela excelência de sua natureza, tornou-se a imagem querida da pátria e da Humanidade.

Os teóricos puramente revolucionários só repetem tantas tolices nos seus projetos de reforma da educa­ção popular porque não levam em conta a necessidade dos preconceitos, isto é, da digna subordinação ao se»­timento, cuja importãncia não compreendem.

Outra é a diretriz materna, que desenvolve toda a energia no sentido de que prevaleçam tais precon­ceitos, cujo alcance os homens melhor hão de compreender quando forem demonstrados pela ciência, e durante um período mais longo, se tenham tornado habituais.

Os homens, não levando em conta os sentimentos benévolos, renovam a pretensão de educar sem pre­conceitos, que Rousseau põs em moda no Emilio. Esta concepção brutal não só incentiva o desprezo à mulher, pela radical ignorãncia de suas funções. como, ao mesmo tempo, traz para as mães o descrédito da ver­dadeira emancipação.

Ótima observadora de uma realidade com a qual está em tão intimo contacto, a mulher encara piedosamente estes partidãrios da observação, que, entretan­to, não véem equivaler a supressão dos preconceitos a deixar o campo aberto à besta-fera que todo homem esconde em si mesmo.

Não será estranho que ésses mesmos revolucionários, autores de êrros tão grosseiros, se deixem levar a requintes de pieguice, cujos vestígios se encontram em todas as corrupções contemporãneas, por imitação de Rousseau. Os pais, que, eu, caso de necessidade, não desprezarem as correções corporais, estarão sujei­tos, sem dúvida, a ser encarados, por estas almas sensi­veia, como individuos sem coração. Crearam das, sob a qualificação de direitos das crianças, una das mais extravagantes concepções de um século já da si tio rico cm coisas déste gênero.

Sempre que os processos pacificos não bastarem, á necessário recorrer a processos mais eficazes.Dá-se na educação das crianças o que se dá na vida cívica: cumpre submeter-se em todos os pontos essenciais. O pior mal que possa acontecer a um homem é sido um menino mal-educado. Em matéria de educação, é necessário desconfiar destes pretensos pro­gressos, que são, em geral, modificações perturbado­ras, inventadas por espíritos sem coração.

Em resumo, as solicitações dos revolucionários não se mostram capazes de facilitar a solução do pro­blema moderno, porque aumentam as repugnãncias da mulher para com todas as renovações, ora, sem sua conversão, não poderemos resolver nenhuma das questões de nosso tempo, quer sejam religiosas, quer se-dais ou pohticas.

Nas suas tentativas de assimilar os papéis do ho­mem e da mulher, estes anarquistas propõem uma obra anti-social, porque, se tais tentativas pudessem triunfar, terminariam reconduzindo nossa espécie à igual­dade primitiva, isto é, abrogando a obra da Humanidade.

Universalmente, a pretensa igualdade dos sexos correspondè à inversão de suas funçaes: a esposa tra­balha aos campos e o marido tece em casa, o mestre educa os rapazes, enquanto mãe se acha na oficina. Só mesmo um alienado pode ver benefício em semelhante subversáo!

Como o progresso torna as mulheres cada vez me­nos aptas à vida exterior, só podemos melhorar—lhe a sorte, consagrando essa tendéncia: a questão não con­siste, portanto, em influir para que sejam eleitoras. advogadas, deputadas, médicas ou industriais. Agin­do na família, como órgão da providência moral da Humanidade não devem participar nem da vida exterior, como cidadães ou operãnias. nem tomar parte no govêrno ou na prédica. So podem ser superiores permanecendo como mulheres, e no dia em que elas o queiram ser à maneira dos homens, seráo, apenas. simples caricaturas do homem.

Todas as declamações sõbre a pretensa escravi­dão das ocidentais. feitas peios paladinos dos direi­tos das mulheres, demasiadamente zelosos para serem de veras desinteressados, estão em contradição com os fatos e com o método que elas constantémente empre­gam para aumentar sua independência.

O que se faz mistér é ausiliã-las a desenvolver sua propria natureza, como fizeram no passado. Cumprindo seus deveres. mau grado todos os obstáculos, elas obtiveram a melhor garantia de seus direitos - a existéncia doméstica.

Estaremos sempre certos de ser aceitos e ouvidos por elas, invocando os deveres que as votam à família, onde encontram meio para desenvolver ple­namente sua atividade fisica, intelectual e moral, por­que só ai se sentem verdadeiramente felizes. Nunca procuraremos tirá-las dai, por excitações artificiais. para colocá-las em situação que altere sua superioridade ética e entrave seu papel social. Isto sería, ao mesmo tempo, degradar-lhe a natureza e atentar con­tra sua própria felicidade.

Satisfazer à aspiração universal das pessoas de bons sentimentos, assegurando a todos o surto pacifi­co das afeições domésticas, fonte única da verdadeira felicidàde, tal é o meio mais eficaz para aperfeiçoar o homem, e exaltar a mulher. Fazer companhia ao mari­do, tomar conta da casa crear o corpo, o espirito e o coração de alguns deste seres, cuja formação e desenvolvimento são tão delicados e morosos, eis em que a mulher deve empregar a existëncia, com exclusão de qualquer õutra atividade.

Tal é a ocupação que constitue seu dever e a que se deve devotar, porque, neste particular, ninguem a pode substituir. E justamente para lhe garantir os ensinamentos. os lazeres e a  disponibilidade exigidas por sua função que a Igreja e a sociedade Civil intervêm na existencia da familia, que elas, por sues rea­ções, concorreram no passado, para elevar e desen­volver.

A função que o sacerdócio positivo terá de preencher para com a mulher, será incorporá-la ao surto mental da Humanidade. Para atender a tal prin­cípio é que a ciência da Humanidade lhe será ensina­da como ao homem, (exeçãø feita para a matemática. que terá menor desnvolvimento) pelos mesmos mes­tres, embora em cursos separados.

Sem esta iniciaçáo enciclopédica correr-se-ia o risco de comprometer á própria razão geral, deixando enfraquecer, por desuso heeditário, a capacidade de abstração naquela que a transmite.

Poder-se-ia fundar um regime racional e padli­co se o novo cidadão continuasse a tratar como criança, ou como criatura inferior aquela que é sua amiga. que se tornará sua companheira, e que finalmeate con­tribuirá, por seu turno, para formar o corpo e a alma de uma nova geração?

Ao lado do dever que consiste em dispensar a mulher do trabalho exterior, não nos devemos esquecer, embora isto caiba À sociedade civil, de que só por intermadio do pai e do espõso pode de sersatisfeito. Só e possível excetuar os casos em que esses protetores naturais venham a faltar lima vez seja ëste de­va plenamente cumprido para com elas, as mulheres dignas livremente renunciarão o pernicioso uso do do­te. tão contrário á dignidade, quanto nocivo à atid­dade indnstrial.

Todos os deveres sociais para com a mulher re­sumem-se essencialmente em garantir ao proletariado. em geral, a plenitude da vida de família, até aqui pri­vilegio das classes abastadas. Cumpre, pois, encarar este dever universal, que a prende à moral civica, como o resumo da moral doméstica positiva: O homem deve sustentar a mulher!

Não podemos encorporar o proletariado à socie­dade moderna sem a realização geral desta regra; so quando o proletariado obtiver aumento de salário, po­derá ser associado ao duplo movimento intelectual e moral. pelo lazer que de motiva e consagra. Reconhecemos, portanto, que os dois sexos, dis­tintos um do, outro, concorrem necessariamente e cada vez em melhores condições, um pelo trabalho e o oatro pela educação, para seu mútuo aperfeiçoamento e para a formação de dignos servidores da pátria e da Humanidade.

Capitulo Terceiro

Moral Civica Positiva

Resumo:


Cumpre-nos agora examinar a moral da socíedade, isto é o conjunto de deveres que o positivismo institui relativamente à existência civica e universal.

E necessário ver na atividade pública o verdadeiro destino do homem; o da mulher encontra-se na vida privadã.

A família, com efeito, é muito pouco extensa para dar ao sentimento e à noçào de existência coletiva a força necéssãria, pois, embora o culto do túmulo lhe seja inseparável, a continuidade e a so1idariedade, em seu ãmbito, ainda não sao suficientemente apreciadas.

Todos os instintos simpáticos. nao há negar. saõ cultivados pela familia, mas só o apêgo. que é o mais enérgico. pode nela exercitar-se satisfatoriamente. A veneração pelos superiores e a bondade para com os subalternos só com a vida pública adquirem seu pleno desenvolvimento. Apesar disto, as principais van­tagens da vida pública seriam andadas se o homem ti­vesse que passar diretamente da existencia doméstica à universal: os laços se tornariam, ao mesmo tempo muito fracos e muito indeterminados, para apresenta-rem a eficácia indispensável.

Entre a familia e a Humanidade, para o triplo aperfeiçoamento do coração, do espírito e da ativida­~it, Faz-se mister a pátria, menos limitada do que a primeira e mais intensa do que a outra.
Mais perceptível que nos outros seres coletivos, esnhora este caráter possa ser observado em todos, a pátria resulta, por funçóes distintas, do concurso geral para uma - obra comum A divisão básica, espiritual e temporal, do orgão encarregado de garantir tal con­cétrso, pela reação do todo sõbre as çartes, já distinto na família, é, na pátria, cada vez mais destacado. 0e comêço. imperfeito e espontãneo, tende a tornar-se completo e sistemático.
O  fim da moral civica positiva, o limite da evolu­ção da sociedade é instituir um regime industrial paci­fico, compatível com a separaØo çositiva dos dois po­deres, e no qual todas as funçóes sejam referidas ao Ser Supremo.

Nascendo primitivamente no seio de uma horda ou de uma tribu, o homem só um pouco tarde alan­çou a noção de pátria Esta noção manteve-se mes­mo inacessível a moral monoteica, que se não podia colocar no ponto de vista coletivo.

No Decálogo nao se cuida de pátria. para os ju­deus, como para os cristãos e muçulmanos, a nacionalidade é puramente religiosa: dai, suas tendências es­pontãneas para a teocracia.

Evidentemente, neste particular, o politeismo progressista foi muito superior. Devemos a noção de pátrio e seu principal desenvolvimento à civilização milIitar, esboçada na Grécia pelos Temistocles e Alexan­área, e plenamente ampliada pela conquistadora Roma, que lhe formulou os principais deveres e forneceu os tipos mais característicos, nos Cipióes e Trajanos. ou em Cesar, o maior de todos êles.

Apoiando-se nos incomparáveis resultados desta civilização, o sentimento e a idéia de pãtria puderam sobrepujar o dogma do cristianismo, garantir a separação dos dois poderes. e transmitir-se até nós, através da idade-média e do período revolucionário.

Insçirando-se inteiramente nos sentímentoc mais generosos e nas noções maia gerais, a pátria nunca cessará de constituir, como no mundo romano o verdadeiro centro de nossa vida, a grande unidade pela qual devemos lutar e morrer, quando necessario.

Cumpre fazer com que tudo convirja para tal des­mais importante dos deveres é devotar-se ao bem da pátria. Para a Religião da Humanidade, o homem é. antes dé mais nada, um cidadão!

Tao nobre escopo faz que a maior missão do sarcedocio positivista seja instituir e vulgarizar deve­res referentes á existência civica. tal como vimos realizando em França, ininterruptamente, há vinte e um anos.

Dissemos como a Sociologia, tendo formulado as leis do concurso das diversas naçóes no tempo e no espaço, ensina a todos, franceses, ingleses e demais povos do Ocidente, o que devem pensar e a maneira de amar sua pátria, para servir a Humanidade.

Da instituição do sacerdócio positivista depende o advento de um regime industrial sistemático. As convicções nào se achando devidamente maduras ê mister, antes de agír, estabelecer o acórdo unãnime. para poder realizar pacilicamente a obra real, útil e durãvel. para a cjual o positivismo convida todos os cidodões.

Um primeiro passo seria dado neste sentido, suprimindo-se tudo quanto dificultasse a mais completa liberdade de reunião, afim de que as questões fossem expostas e discutidas de maneira que se deixasse a opinião privada e pública julgar livremente todas as doutrinas.

Neste particular, é um dever reagir contra as tendências atuais dos dos governo republicanos, porque seria absurdo retomar ou consolidar as mais desastro­sas medidas de Bonaparte. Será indispensável suprimir todas as subvenções e privilégios que o Estado concede à Igreja e à Universidade, embora levando ela conta as justas indenizações e os direitos ad­qniridos.

Secundados por êstc conjunto de medidas provi­sórias, destinadas a afastar todos os obstaculos à li­berdade espiritual, os que sabem consolidarão e completarão pelo ensino e pela prédica, o trabalho móral da família, para o bem comum da pátria e da Humanidade.

Respeitando a ordem e o progresso, condições inseparàveis de qualquer atividade pacífica, o positivis­mo afasta espontaneamente as tendencias revolucioná­rias para a restrição ou ampliação exagerada da pá­tria, que lhe tornaria a existeacia estéril ou perturba­dora.

Não só a utopia anárquica da autonomia politicà da comuna, mas tambem a concepção retrógrada das grandes nacionalidades são igualmente eliminadas por êle, como contraditorias com o regime positivo.

A comuna. sem dúvida, e a intermediária obriga­tória entre a familia e a patria. Nela é que se faz o aprendizado da vida pública a se desenvolve o senti­mento social. em boa hora vinculado ás tres sedes materiais (casa comum, templo e cemiterio), que recordam, sem cessar, a união, a unidade e a continuidade.

A existencia da comuna resulta do concurso, e este seria dificultado por qualquer tentativa para exa­gerar sua independencia. Creação da pátria, ela re­presenta um grução secundário que depende do que se decidir na metrópole, ém torno da qual múltiplos ele­mentos análogos se gruparam gradualmente, à forçà de um passado comum.

E necessário conceber a pátria como um organismo. cuja base vegetativa se acha representada pelos campos. Sua coordenação se opera graças à ação das grandes cidades, sob a presidencia de uma capital, que governa por ser socialmente superior. Essa é a ordem espontanea. que a autonomia comunal viria perturbar.

O  que se preconiza em nome da teoria metafísica das raças ou das fronteiras naturais ê hoje um puro anacronismo. As grandes nacionalidades só tiveram razão para existir, no ponto de vista militar: voltaram ao cartaz com a decadência da fé teológica, que assim se tornou cada vez mais impotente para coordenar as populações políticas distintas.

Pela falia de principios comuns não se poderia manter a ordem em Estados de superficie tão grande sem exagerar a ação do govêrno tempóral; dai, este despotismo administrativo que caracteriza o Ocidente revolucionário. As nações, como os individuos, não se resignam à dissolução prematura.

De acórdo com Augusto Comte, é mistér conce­ber a pátria normal como uma Cidade preponderante Com o território necessário à sua nutrição no qual vi­ve certo número de famílias tendo antecedentes comuns e trabalhando para uma posteridade comum.

A Holanda, entre os diversos estados atuais, pode ser encarada como o tipo mais próximo deste padrão, suas dimensões são suficientes para a existência durável de um regime pacifico e industrial, regrado por uma fé demonstrável. Em que poderá consistir a utilidade das nações mais extensas, quando já não nos batermos no exterior para manter internamente um re­gime de opressão?

A pátria só inspira um amor eficaz quando suas diversas partes se acham reunidas, sem nenhuma vio­lência, por tma ativa solidariedade, que permita aos seus filhos se conhecerem suficientemente para se amarem com todas as veras da alma.

Assim, com o regime do trabalho, desde que a plena liberdade espiritual seja estabelecida e o sa­cerdócio da Humanidade se ache suficientemente de­senvolvido, haverá, ao mesmo tempo, decomposição das nacionalidades muito extensas e concentração dos poderes legislativo e executivo. Durante a transação, caberá ao govêrno temporal manter a ordem e impe­dir todos os atentados contra a família e contra a pro­priedade.

A França, tambem, não escapará a esta leil Opor­tunamente, isto é, quando a religião da Humanidade se firmar no Ocidente. o positivismo pedirá a sua decomposição política, preparada administrativamente
pela ínstituição civil da comuna e dá província, penho­rtes da liberdade social.

Nisto, como em tudo, o positivismo é relativo: nes­sa doutrina, cada modificação se acha determinada. Dizemos o que será necessário fazer daqui há cem anos: pregamos inicialmente, para realizar depois. Nossos sucessores atenderão mais tarde as exigencias de sua situação, continuando a empreitada que lhes deixarmos, do mesmo modo que aceitamos a dos nossos antecessores.

Determina-se melhor á caráter da nova atividade clvica. mantendo-se sempre juntas a idéia da redução final das diversas pátrias a suas dimensões normais e a consideração de um regime em que o trabalho prevaleça sobre a guerra.

A transformação social é igualmente dificultada, embora sob o pretexto de fortalecer o concurso geral, quer tendendo para o monopólio, com o industrialis­mo, quer reprimindo a independencia, com o comunismo.

Como só há sociedade progressista quando o concurso é voluntario, torra-se dever, tanto para os po­bres como para os ricos, considerarem-se colaborado­res de uma obra destinada ao conjunto dos sucessores, para os quais, de lato, trabalham, como os prede­cessores trabalharam para des.

A distinção metafísica entre as funçães privadas e públicas deve ser suprimida. Todas as profissões qut caráterizam o regime industrial, devendo ser encarar­das no ponto de vista da sociedade, resulta que os serviços humanos devem ser considerados como gratuitos.

Trabalhar e dar, ao mesmo tempo, a sua própria cxisténcia e os resultados que se hajam assimilado da existência dos antecessores. Ora, em tais condições, como tarifar uma atividade que poe em perigo a vida do trabalhador, vitima frequente dos elemento ou dos aparelhos mecãnicos, semelhantes aos antigoa deuses, que, por vezes, devoravam seus próprios ser­vidores?

Vulgarmente, ainda se conservam as falsas distinções introduzidas pela vaidade servil, para caracterízar a retribuição das diversas funções sociais. Mas em caso algum, o dinheiro paga o serviço prestado quer seja esta retribuiçáo qualificada de honorário, or­denado ou salário. Em esséacia, este dinheiro repre­senta a indenização netessária ao renovamento dos materiais empregados na conservação e regeneração de todas as forças, basicas, intelectuais e morais utiliza­das no serviço da sociedade.

Com ou sem conhecimento de causa, o salário e, em todos os casos, um adiantamento feito à custa dos capitais atados pelas gerações, passadas e presentes. Cumpre, portanto, calculá-lo de acórdo com as neces­sidades da existência da família, de fórma a assegurar o          lazer na infãncia. o repouso na velhice, e, em todas as idades, a vida doméstica à mulher. O que sóbra patrimõnio do gênero humano.

Patrões é trabalhadores, sem terem o sentimento social de suas funções respectivas, creem e pretendein sempre, pelo menos a maioria, só trabalhar para si proprio. Isto equivale a perpetuar cegamentehabitos que so convinham ao periodo guerreiro, no qual os industriais eram simples instrumentos servis nas mãos dos chefes militares.

Usar do capital, de que se dispõe, para satisfazer apetites estimulados pela ociosidade egoista, é certa­mente censurável; mas, encarar tão ignóbil existência como escopo de sua emancipaçáo será ainda mais indigno, em se tratando de um proletário. Com efeíto, o rico inativo desfruta, ate certo ponto, da calma da pos­se, enquanto o operário terá ainda o ardor rapace de na penúria ávida de gozos.

Encarando ambos o trabalho, não como um dever, rasa como coisa servil, de que se devam livrar tanto quanto possível, descarregando-a, em parte ou totalmente, sõbre ombros alheios, permanecerão ambos como verdadeiros escravos. E, com efeito, escravo o que serve a seus semelhantes de má vontade: o que usa arbitrariamente das riquezas comuns; o que, des­conhecendo aprópria origem e destino delas, se vinga das pretensas ou verdadeiras injustiças, inutilizan­do o material de seus detentores atuais.

Proletários e empreiteiros, fatores da existência humana, devem evitar o esbanjamento dos materiais e dos produtos do trabalho. A sábia economia sem que a finquem empobreça, enriquece a sociedade, que, ver­dadeiramente, deve a seu fiel servidor uma parte maior de benefícios,

Há, entre os ricos, mais apreensões do que ódio. mais dúvidas do que mêdo. O proletário pode contri­bttir em muito para determinar costumes mais nobres entre seus diretores, vencendo a desconfiança e a in­veja pertubadoras.

Representará isto, sem dúvida alguma, penoso es­fórço para muitos, mas certamente de grande proveito porque, sendo ao mesmo tempo o passo decisivo na elevação de proletariado à dignidade civica, déle sultarã a verdadeira liberdade.

Considerar como degradante ou humilhante o devotaniento aos pobres ou o respeito aos ricos é ainda um resquicio dos costumes servis. Ninguem pode dei­xar de dar o exemplo de dispasições simpáticas, que o seu oficio exige, e que o seu poder torna legitimas. Só se é cidadão, concorrendo fraternalmente para a atividade comum.

Será necessário, duranve a transição, para facili­tar este renovamento moral, dar grande valor a tudo quanta mantiver os hábitos e os preconceitos sociais que dirigiram, com felicidade, o primeiro surto do tra­balho, e que, entre nós, ainda continuam os benefícios das civilizações romana e feudal.

Os primórdios têem caráter pessoal e dispersivo, no regime da indústria. Os materiais nêle se apresen­tam sempre sob a fórma de resultados adquiridos, que não parecem exigir participação coletiva. Aprecia-se, pelo contrário, imediatamente, o caráter social do re­gime militar: como não guerreamos sõzinhos, depen­dendo cada soldado diretamente, dos outros, o mérito se distingue com facilidade, e cada função, da mais genérica -à mais especial, é logo compreendida e respeitada.

Racionaimente, estas mesmas propriedades cara­cterizam a atividade industrial. Para descobri-las, po­rem, será necessário que, por um surto decisivo, ela envolva o planeta inteiro e, sobretudo, que o espírito abstrato tenha atingido, de modo perfeito, a concepção da Humanidade. E este caráter social que o sacerdó­do posiúvista mostrará a todos, colocando o ensino à altura da situação.

Mantenhamos, pois, cuidadosamente as intituições que ainda conservam os laços morais entre patrões e trabalhadores, entre os pobres e os ricos. Conservemos as festàs especiais das diversas corporações de artífices, as festas nacionais, o culto dos grandes ho­mens, que ligam as famílias. à comuna, à pátria e à Humanidade e que, recordando o caráter social da atividade, concorrem para regra-la pacificamente.

surto pacifico da indústria positiva supoe o respeito à divisão necessária e fundamental entre os empreiteiros e os trabalhadores.

Para a boa ordem é necessária a conservação e mesmo o aumento dos tesouros materiais da Humani­dade, sendo condição inetutável de sua aistência que essa função se torne tao concentrada quanto as forças individuais o permitam.

Apesar dos sofismas revolucionários, cunmpre facilitar a marcha normal da concentração dos capitais e não procurar, debalde, impedi-la, pois, é evidente que; quanto menõres forem as despesas com a gerencia e com a responsabilidade indireta ou convencional, mais facil será assegurar ao proletariado o salário e os lazeres indispensáveis á sua existência.

Podemos, aliás, verificar ter sido a necessidade de prover a atividade renovadora que estabeleceu, desde os últimos séculos da idade-média, esta divisão en­tre os que dirigem e os que executam. Do meio pro­letário foi que surgiram, gradualmente, os agricultores. os fabricantes, os comerciantes e, em último lugar, os banqueiros que desempenham a função industrial mais generica.

Naturalmente determinada pela multiplicidade das operações prãticas, o número dos chefes independentes uns dos outros, em cada grau desta hiérarquia, serã sempre considerável, embora tanto menor quanto menos especial for à função.

E preciso que os novos pàtricios se tornem. os dignos executores das leis da Humanidade par. que suas vontades sejam geralmente consagradas e respeitadas.

Aceitando voluntariamente a regra universal que consagra a divisão entre empreiteiros e trabalhadores, satisfazendo de todo às legitimas aspirações deste. dois elementos inseparáveis do novo regime, os chefes Industriais podtrão controlar o bom emprêgo de suas forças.

Encarar a riqueza como social em sua origem e em seu destino, e a sua apropriação pessoal como o melhor meio de empregá-la dignamente. por interme­dio da família e da pátria, em prol da Humanidade —eis a lei fundamental. A riqueza ímpoe obrigações!

O papel dos industrais é repartir a riqueza mate­rial, cuja administração e conservação se propuzeram, Instituidos como providencia material da sociedade, seu dever genérico consiste em assegurar a existencía doméstica do proletariado, tao indispensável à sua dignidade mental e moral, como à atividade física.

Detentores dos bens comuns de uma sociedade que será sempre muito pobre, sendo os únicos a pos­suir os elementos da estatística econõmica do mundo inteiro, e as forças suficientes para prover depois de ter previsto, cabe-lhes necessariamente evitar as cri­ses. Se a miséria aumenta, é porque fizeram uso estado ou abusivo de seu poder, pondo-o a serviço de operações prematuras ou prejudiciais.

Devemos considerar sujéitó ao mesmo dever de previdência a transmissão dos ofícios inseparáveis dos capitais necessários ao seu desempenho.

No regime republicano, uma mesma lei preside a sucessão das funçóes industriais e politicas. Esta su­cessão deve depender da livre iniciativa dos órgãos atuais, sendo sempre reservada a aprovação dos superiores.

Tal o método espontaneamente praticado no to­cante às mais simples funções: qualquer proletário digno é considerado por seu chefe imediato como o melhor juiz de seu sucessor.

No que concerne às supremas funçóes políticas, o contról do superior é substituido peio público, que de­ve ser prevenido da escolha com bastante antecedencia para confirmá-la ou anulá-la, conforme seja o ca­so. Havendo dissidência, caberá exclusivamente ao público resolver a escolha dos governantes.

E’ necessário considerar o proletariado que desempenha as tarefas materiais; êle é que reforma o cor­po social, reproduz todas as coisas necessárias à vida e atua diretamente sõbre os objetos e animais pertencentes ao patriciado. Preenche uma função mais geral. pois controla todos os atos dos poderes públicos. Conta com o número e o desinteresse. Por sua situação, está em contacto com tudo e sofre a reação de todos os abusos. Cabe-lhe, pois, tudo apreciar.

Ora, o proletariado nao pode exercer este contról. universal, com a força e á utilidade necessárias, sem uma instrução enciclopédica, que lhe garanta conheci­mentos gerais, estendendo-se do escol a todos os membros.

Põr a seu alcance o ensino geral é o dever basi­lar do sacerdócio positivista. O plano, segundo o qual o cohjunto da ciência da Humanidade lhe deverá ser ensinado, foi prescrito por Augusto Comte.

Em 378 liçoes gratuitas, efetuadas a noite, durante um periodo de sete ano, o sacerdócio ensinará aos filhos dos proletários, dos quatorze aos vinte e um anos, sem criar dificuldades ao séu a a ins­trução indispensável ao cidadão moderno.

Educado com esta diretriz, o proletariado exercerão o contról com a sua máxima eficácia, consagran­do a tendência da civilização que consiste em desviar para as coisas a atividade destruidora do homem, e em limitar ao, bens as repressões outrora exercidas contra a liberdade e a vida.

Seu dever é renunciar inteiramente ao emprêgo da violência para sancionar suas decisoes, reduzir sua resistência à recusa de assentimento ou concurso, e só recorrer a isto por motivos sociais.

Ao proletariado pode parecer uma simples con­cessão leonina o rèduzír-lhe apenas à greve a extrema resistência, isto é, a uma luta entre os capitais concen­trados nas mãos de alguns ricos e os de um número considerável de pobres.

Regular o emprego das forças equivale a multipli­cá-las. Todas as vezes que uma reclamaçao proletá­ria lar justa e realizável, basta a digna adesao de um empreiteiro para determinar, em breve, a de seus confrades.

Encontrar-se-ão, aliás, no patriciado industrial al­mas cavalheirosas que porão, não mais os braços, mas as fortunas ao serviço dos oprimidos, como durante o feudalismo a nobreza deu tão belos exemplos.

     Desde que todos os cidadãos participem do culto ensino da Humanidade estabelecer-se-á, entre os diversos funcionários sociais, relações diretas de todos os gêneros, que poderão ser invocados de fõrma a tornar as relações industriais cada vez mais conciliantes. Se, entretanto, se derem conflitos, competirá ao sacer­dócio da Humanidade, indicado por sua função, para supremo moderador e regulador da sociedade e defen­sor de todas as causas justas e dignas, intervir, com o concurso das mulheres como mediador entre os novos beligerantes, apelando para a conciencia e para a opinião.

Substituir a confusão revolucionária dos dois po­deres pela sua separação normal, a única que convem ao regime baseado na ciência e na indústria, eis a ati­tude por toda a parte preconizada pela moraf cívica positiva, tanto na existência habitual como nos confli-tos por ela suscitados.

Esta moral distingue o que se deve à função do que se acha ligado ao órgão, resultando dai a possibilídade de respeitar sempre ó oficio, seja qual fõr a indignidade do funcionário. Assim, a administração será consiliável com a ordem e a subordinação compatiivel com o progresso.

A separação dos dois poderes, que está em tio perfeita harmonia com os nossos costumes, sendo o único meio de vencer o espírito de revolta e o servi­lismo, deve ser encarada como a instituição fundamen­tal da República positiva e a garantia de todas as ou­tras.

Capítulo Quarto

Moral Positiva do Ocidente

Resumo:

A moral positiva de Ocidente tem por fim dirigir a existencia de suas diversas populações, solidarias desde Carlos Magno e que compoem a Repú­blica Ocidental, Esta regulamentaçao nao pode dimanar de processos revoludodrios, como seja a politica das nacionalidades, o industrialismo, o sentimentalismo etc. O restabelecimento da ordem no Ocidente depende de uma transformação religiosa, diri­gida pelo sacerdócio da Humanidade, e que os diver­so. Estado hao de secundar, adotando uma politica de pacifismo. A França, regenerada pela República, devera tomar esta dupla iniciativa, moral e politica.

O reino da Humanidade não pode ser instituida diretamente por uma só pátria. Entre a existencia civica e a planetária, está colocado um aparelho especial que é o mais admirável até agora construído para agente supremo de seu poder.

Nasceu com éle o último termo da revoluçao, iniciada há trinta séculos, e caracterizada pelo rompimento, cada vez mais acentuado, com o regime teocràtico, atingindo, sucessivamente, a inteligência, a atividade e; por fim, o próprio sentimento.

Esta lenta evolução fez que as nações desempe­nhassem na história o seu papel caracteristico, ocupando, atualmente. gratas a ela, um lugar determinado na civilização moderna.

Essa mesma evolução dividiu a espécie humana em dois grupos principais: o Ocidente e o Oriente, O primeiro, caracterizado pelo desenvolvimento do regime científico e industrial: o outro, abrangendo o restante da Terra, ainda mais ou menos sujeito ao regi­me teocrático ou mesmo puramente feiticista.

A moral positiva do ocidente tem por escopo regra a existéncia das diversas pátrias que constituem o escol da Humanidade, referindo-se ao conjunto planetario, que teem por missão dirigir.

Historicamente, a República ocidental só no século IV se completou em seus elementos essenciais. Todos participaram, em comum, do regime católico feudal e do duplo movimento orgánico e critico, que caracteriza a era moderna.

Anteriormente a esta evoluçáo comum, tres destes elementos haviam sofrido as incomparãveis efeitos da civilização romana, que, ao demais, estendera os resultados da dvilização grega, por ela assimilados da Itãlia, à Espanha e a Gália.

O impulso que essas populações receberam foi tio poderoso, que puderam conservar, até nós, uma sensi­vel comunhão de costumes de opniões e de linguas. comunicando-a às populações septentrionais.

A parte final desta encorpotação foi obra de Carlos Magno, que deve, por isto, ser encarado como o fundador da República Ocidental. Respeitando e consolidando a separação dos dois podercs, estabeleceu ele uma uniao voluntária de populações politicas dis­tintas, ligadas espiritualmente pelo papado, O que escapara à força, põde realizar-se pela aliança do sentimento com o bom senso.

A República Ocidental, nela incluidas as colõnias, compõe-se de cinco grupos de nações: a França, no centro; a Itália e a Espanha, ao sul; a Inglaterra e a Alemanha ao norte. Paris, que foi o seu foco desde o tempo das cruzadas, tornar-se-á, quando perder o ca­rater insurreccional, a metrópole religiosa.

Bem mais ligados pelos aspectos aspectos esteticos, cientificos e industriais, do que separados pelas cresças teologico-metafisicas e pelos antecedentes militares, estas diversas populações constituem um todo solidário Realmeste, os ocidentais são compatriotas.

Com o positivismo, será necessário eliminar, como expressão politica, a qualificação puramente geografica de européia, que, irracionalmente, se tem dado um conjunto de populações mui distintas uma das outras. Assim empregada, esta denominação peca, ao mesmo tempo, por excesso e por falta.

     Mau grado as alucinações deaocrãticas, não pode haver Estados Unidos do Europa, porque esta parte do mundo compreende populações orientais, como Turquia e a Rússia, e não abrange os diversos apendices coloniais do Ocidente, sobretudo americanos, da qual evidentemente fazem parte.

Alem disto, as cinco denominações, que usam para designar os elementos da República Ocidental, sao expressões gerais, destinadas a representar grupos de Estados politicamente distintos. Assim, a palavra Alemanha designa uma coletividade que conpreende, alem da Alemanha propriamente dita, a Suiça, a Holanda, a Dinamarca, a Noruega. a Suecia, a Hungria e a Polõnia. Seria, com efeito, absurdo prete der fazer um só Estado destas populações. A diversidade de interesses exigirá sempre governos temporais pouco extensos, distintos e independentes uns dos outros. Quanto mais se expande um govêrno alem dos limites normais da pátria, mais se torna absurdo e opressivo, tanto interna como externamente.

Desde que terminou a encorporaçao dos elemen­tos ocidentais, todas as tentativas feitas nos tempos modernos para renovar a obra conquistadora de Cesar e de Carlos Magno tornaram-se tão inúteis quanto impotentes. A ação destes dois grandes homens foi tão legítima e progressista quanto perturbadora e retrógrada a de Luis XIV e Bonaparte.

Sem jamais perder de vista o futuro o verdadei­ro homem de Estado secundará a conservação das pe­quenas nacionalidades e a restauração das que foram, há um século, brutalmente dissolvidas por uma criminosa paródia da civilização militar.

Organizar sob novos preceitos estas diversas po­pulações é uma questao de grande urgência, e tanto mais quanto os processos revolucionários concernentes sao de uma insuficiência deplorável, ameaçando constantemente a paz.

Nao será, evidentemente, pela politica das inva­sões, baseada na teoria metafisica das nacionalidades, que se restabelecerá a ordem no Ocidente esta teoria desconhece o caráter complexissinio da raça e subordinação ao fenõmeno social preponderante — a continuidade.

Este materualismo politico, que se julga desobri­gado de tudo que não se preocupa com Deus e muito menos com a Humanidade, considera a luta como o fim único da exisstencia, em proveito exclusivo dos forte, so ve os individuos isoladamente, uns destinados á exploração e os outros a exploradores.

O positivismo, colocando-se de permeio, apela para os republicanos franceses e ocidentais, afim de que reajam contra os resultados monstruosos de uma concepção arbitrária, que se serve fraudulentamente do metodo científico, e que, em nome do direito, arruina, sacrifica e finalmente extermina os fracos, para terminar sempre com o triunfo dos bárbaros.

A política da ocidente não foi coordenada de modo mais satisfatório com o industrialismo nacional. A experiência provou o que a teoria confirma, vale dize qte sem moral positiva o comércio corresponde a guerra interna e externa, em virtude de sua tendencia para fazer de cada pais uma oficina, tendo o resto do mundo para consumir. Mas, com um regime tão artificial, qualquer produto similar é considerado como um concorrente que se deve necessariamente exterminar. Basta a mudança de hábitos dos consumidores, ou o fechamento de um dos mercados para reduzir o proletariado à miséria e tudo transformar em ruinas.

Só é conveniente, para populações historicamente análogas como as nações ocidentais, a livre permuta com as suas disposições indispensáveis, cada qual produzindo as mercadorias que estiver mais apto para fornecer, trocando-as com os outros. Caberá aos praticos exercerem, no particular, o contról de que necesitarem as diversidades econõmicas.

Não menos prigosas são as invocações à fraternidade para aplainar os principais óbices.

A  opinião nao deverá aceitar, sem desconfiança, que os governantes invoquem o patrocinio respeitável da Humanidade, pois nenhum povo é suficientemente, puro pára falar em seu nome. Ate agora, esses apelos, que, pretendem destinar-se ao restabelecimento da ordem e da paz, só têem contribuido para aumentar as dificuldades, depois de terem feito correr ondas de sangue.

Tratemos a politica como uma coisa racional ! Nas controversias internacionais, cumpre introduzir luzes e nao paixóes. Em qualquer caso, importa so­bretudo, simplificar e não aumentar a complexidade das questões.

A  reorganização do ocidente supõe a determinação racional dos deveres que ligam entre si as diversas classes e nacionalidades; de acõrdo com os seus antecedentes e o seu destino. Semelhante solução exi­ge estudos profundos, que o sacerdócio da Humani­dade realizarã, e para os quais pede o desvelo de todos os homens superiores.

Esta regulamentação torna ainda mais necessária e urgente a separação dos dois poderes. A tal respeito, se fõr possivel conceber alguma incerteza no ponto de vista cívico, já nao haverá mais dúvidas desde que nos coloquemos no ponto de vista internacional.

Na realidade, o concerto ccidental só pode resul­tar da adoção de deveres demonstráveis, dominantes das telações correspondentes, de acordo com um sis­tema uniforme de educação positiva, conveniente á manutenção das opiniões e dos costumes que devem presidir a atividade comum.

Moral e não politico — esse ha de ser, entre as populações ocidentais, o caráter da união que se tornara cada vez mais sistematica, soba ação direta do sacerdócio da Humanidade, votado ao govêrno da Republica Ocidental, com exclusão de todos os poderes os poderres politicos.

A principio, isto é, enquanto os espirito não estiverem suficientemente prearados para esta solução, rodos os projetos de ação coletiva fundamental, interna ou externa, deverão ser desprezados como prrematuros.

Mesmo ao que diz respeito às instituições práti­cas mais elementares, como seja o estabelecimento de um sistema universal de medidas e moedas, os gover­nos só podem intervir por seu concurso pecuniário; a determinação e a adoção detes melhoramentos dependem do sacerdócio positivista.

Afim de que a conversão das populações à Reli­gião da Humanidade seja tão rápida e tão completa quanto possível, importa que cada Estado adote uma atitude pacifica, que, ao envés de entravar, facilite a renovação organica.

O dever dos vários membros da República Ocindetal enquanto durar esta situação transitoria, e nao se olvidarem, em caso algum, da obrigação de contribuir para o estatu territorial. Entrar no caminho da paz com esta senha: E inadmissivel a anexacão, seja qual fór o pretexto!

Grupar as pequenas nacionalidades em torno de um Estado preponderante, afim de garantir, ao mesmo tempo, sua independência e a paz geral, eis a marcha a seguir.

Sem dúvida, antes de atingirem a harmonia, estes povos continuarao a odiar-se e a destruir-se mutua­mente, mas essas lutas serão consideradas, cada vez mais, como guerras civis. Marchamos para a unidade!

Em virtude de seus antecedentes, a França está destinada a fornecer o impulso diretor, de preferên­cia a todas as outras nações do Ocidente que menos comprometidas, podem esperar o cumprimento de sua transformaçao orgãnica. Antes, porem, de pretender modificar o mundo, deve ela fazer suas provas em casa, vencendo a anarquia que periodicamente a esgota.

­Cumpre-lhe manter a República custe o que custar, que é tão imprescindivel como inevitável, e que lhe permitirá efetuar as modificaçóes capazes de obtes a concorrencia de todas as fórças para o bem comum.

A República francesa deve tornar-se positivista pelos seus chefes e dispor de uma força militar sufi­ciente para fazer respeitar sua elaboração interna e assegurar a manutenção da paz no exterior— dupla condição temporal para o estabelecimento da nova re­ligiao no Ocidente.

Vivificada, regenerada pela República, a Praça. tornando-se bastante forte para põr o direito a serviço do dever, poderá asseverar aos pértubadores: Não admitimos invasões e anexações! e isto em seu nome e no dos seus aliados naturais, vale dizer, no de todas as pequenas nacionalidades, cuja independência se acha ameaçada.

Realizar-se-á, assim, o voto do grande Danton:

— Consolide-se a República e a França, por suas luzes e energia, exercera  verdadeira atração sõbre todos os povos.

Capitulo Quinto

Moral planetaria positiva

Resumo:

- O fim da moral planetária positiva é consolidar sistematicamente as tendencias universais para a unidade terrestre. A regulamentaçao das relaçoes pla­netárias tornou-se tao imprescindivel, por sua crescente complexidade, quanto inevitavel, pela reaçao dos orientais contra os abusos dos ocidentais. Neste particular, só o espirito simpático e relativo do positivismo consegue satisfazer. Considerando os povos orientais como elementos retardados, em face do movimento comum, o positivismo encorpora-los a civilízação ocidental, por uma sábia transição. Esta obra exige o profundo respeito ao seu estado presente e a instituição de uma marinha ocidental, para assegurar a polícia dos mares.

O    destino da politica positiva é fazer reinar e paz sobre a Terra, regulando todas as relações humanas, de acordo com a fórmula sagrada: O amor por rpincipio e a ordem por base; o progresso por fim ( objetivo).

O fim da moral planetaria positiva e organizar sistematicamente a unidade que de modo espontaneo tende a estabelecer-se sõbre a Terra.

Bossuet, na Política extraida da sagrada escritura, muito bem exprimiu a importancia da sede comum que faz de todos nós compatriotas: a Terra que habitamos, serve de liane entre os homens e forma a unidade das nações os homens, com efeito, sentem-se ligados por algo bem forte, quando se recordam de que a Terra os sustenta e nutre, enquanto vivos e os recebera em seu seio, depois de mortos!”

A este amor do solo, comum profundo, junta-se uma fé, tamhem comum, a do bom senso, cuja sistematização fundamental e representada pelo feiticismo. Enfim, a luta da vida contra a morte completa a comunhão necessária, no que diz respeito a atividade. Essas as bases gerais em que o positivismo se apoia para estabelecer a exploração do planeta, em serviço da Humanidade.

Nada faz sentir melhor a tendencia inevitavel da especie humana para a unidade final do que a ligação crrescente de todoas as partes do planeta, tornando impossivel o isolamento das populações e nao permitindo mais separar da vida ocidental a existencia economica e moral do Oriente.

Nada pode acontecer no ponto mais obscuro da Terra que não se venha refletir em qualquer outra de suas partes. O que se passa em Pequim tem influ­ência sobre a população ruanesa e as perturbações da América do Sul repercutem na Inglaterra.

Qual a nação que, hoje, se poderia bastar a si mesma, sem o concurso das outras, quando a atividade da mais afastada é frequentemente necessária à satisfação das nossas humildes necessidades nutritivas? Do mesmo modo, essa, por seu turno, não deixará de apelar para os nossos serviços!

Um laço ainda mais forte concorre para estreitar semelhantes relações. As populações orientais nos imitam, iniciam-se em nossas concepções científicas e filosóficas, em nossos processos industriais, Enfim, as vantagens que resultam desta encorporação sobrepujam, de modo geral, no Oriente, as diferenças de costumes e doutrinas abrido um vasto campo às naturezas elevadas, dignas de se porem ao serviço de tais populações.

Foi por seus conhecimentos científicos que os jesuítas conseguiram fixar-se na China. Todas estas ações e reações dos povos, uns sobre os outros, irão aumentando pouco a pouco. Trata-se, sem comprometer os resulados adquiridos de fortalecer sabia­mente a tendência para a unidade, fato já agora reconhecido por todos.

E indispensavel, com efeito, regrar sistematicamente estas relações, que um desastroso empirismo ameaça complicar, provovando provocando entre populações muito diferentes, contactos prematuros superexcitando, assim a anarquia industrial. Por este motivo, os acidetais afeitos a certos hábitos de vida, acham-se, pela imigração dos chineses, em concorrência com homens capazes de viver de maneira mais simples e mais economica. Ora, tais dificuldades resultam inevitavelmente, da ingerência perturbadóra dos ocidentais na vida de   nações a que eram estranhos, até entao, e que nao sabem apreciar ou servir, por falta de preparo moral suficiente.

Encontrámos no México, no Perú, nas lndias, na Malasia, no Japão na China e na Africa, povos que, sob muitos aspectos, valiam mais do que nós. A moral de Confúcio não é bem superior à do evangelho, embora seja seiscentos anos mais velha? Está um pouco mais perto de nós, o regime islamico não foi superior ao regime cristão nas relações exteriores, como testemunham o seu espirito governamental e a sontante tolerancia?

Odiosos prevaricadores os aventureiros cristões levaram-lhes a miséria, o vício, a escravidão e finalmente o exterminio, no dia em que a ardente caridade dos Las  Casas e dos S. Francisco Xavier foi substistuida pela hipócrita perversidade dos missionários industrialistas, que se tornaram a guarda-avançada dos bandidos ocidentais

Certamente, os primeiros conquistadores foram. por vezes, rudissimos. mas, uma vez vencidas as resistencias deram provas de unta sociabilidade superior à dos pretensos progressistas que não recuam diante de nenhuma monstruosidade, desde que a mesma pos­sa servir para facilitar a exploração do oriente, para maior proveito de sua rapacidade.
Os industrialistas, que assim perturbam populações dignas de respeito a ponto de suscitarem a mais ligitima execração contra os ocidentais não recuam diante da apologia de suas ações e pretendem merecer coroas cívicas!

A crer no seu ignóbil materialismo, seriam eles simples executores de pretensas leis naturais, que des­tinariam as populações negras e amarelas a desapare­cer, Propõem-se a facilitar semelhante evolução, a­zendo-as morrer de fome! Não se lembram de que se os brancos aplicam tais processos evolucionistas às populações orierttais, estas hao de aplicá-los algum dia a nós mesmos, quando conseguirem o segredo de nossa força; e, desde já, trucidam os mais turbulentos desses estrangeiros civilizadores, sempre que en­contram oportunidade para isto.

Cedo ou tarde, havemos de nós aperceber de que nunca se faz o mal impunemente. Já várias vezes o Ocidente sofreu a reaçáo dessa ferocidade,  que tao cegamente havia mantido no exterior.

Por seu lado, essas populações, inteligentes, ativas e numerosas, armam-se aproveitandó os nossos meios industriais, e, se não mudarmos de conduta, poderão, algum dia, lazer-nos pagar bem caro as nossas crueldades. Aliás, esta explaçáo inevitável já começou. A tremenda invasão econõmica dos chineses, que anciamos há dezoito anos (*),  quando tal previsão era ainda considerada um sonho, exerce uma ação perturbadora considerável sõbre a vida interior dos Estados Unidos e da própria Inglaterra. Surge, assim a ameaça de guerras sociais.

Em face destes perigos, urge que o Ocidente proveja pacificamente, e sem demora, as necessidades creadas pelo concurso cada vez mais completo e exnso das nações. Para obter esta regulamentação, nao é possivel dirigirmo-nos aos industrialistas, que encaram as populações orientais como composta de imbecis e salteadores. Já lá se foi o tempo em que a fatuidade cristã tratava de bárbaros os povos que não consegue encorporar!

Graças á sua relatividade, preservado do despre­zo degradante e opressivo inerente ás doutrinas absolutas, positivismo faz, neste caso brilhar a sua ina

(*) Laffitte referia-se a três lições do Curso de 1859-1860, sobre Jistoria Geral da Humanidade, que foram depois eunida em volumes, com o título: “Considerações gerais sobre o conjunto da civilização chinesza e sobre as relações do ociente com a China”. Estas lições são geralmente consideradas como a sua obra-prima.

contestával superioridade sobre o budismo, o catolicismo, e mesmo o islamismo, que antes dele tentaram uma religião planetária. Só o positivismo pode com­preender e amar as populações orientais, guiando-as, sem dificuldades, à harmonia univêrsal. Com efeito. das relações recíprocas entre o Ocidente e o Oriente, subsistem, apenas, os resultados têcnicos ou cientificos, e a lembrança de devotamentos excepcionais. Só fortalecendo os laços de simpatia; intelectuais e mate­riais, que nos unem ao Oriente, é que o problema planetario pode ser resolvido.

            Referindo cada instituição sociãl à sua verdadei­ra época, a doutrina positiva permite determinar as posições que todos os povos ocupam, atualmente, em sua marcha para a Humanidade. Ela considera as populações orientais como etementos simplesmente atrasados, que, no movimento comum, permaneceram numa das diversas fases, semelhantes ás que nossos pais e nós mesmos atravessámos, porque os individuos reproduzem a espécie. Dá, assim, a cada um o seu papel, tendendo a prevalecer sobre todos.

            Encarando semelhantes elementos como fatores verdadeiros da civilização total, diversamente evolui­dos, a religião da Humanidade so terá que dirigir, sem interrupções prejudiciais, o seu desenvolvimento espontãneo, fazendo-os concorrer para o destino comum.

Possuimos os doís elementos basilares, sem os quais as tentativas para estabelecer o concurso das nações permaneceriam ilusórias: um essencial, a fé positiva, e o outro complementar, o trabalho pacifico.

            A indústria e a ciencia téem ambas o caráter da universalidade. A primeira; como a segunda, utiliza todos os antecedentes humanos, e a todos desta os resultados que obter. Como a ciência, a industria vem preparando poderosamente o reino da Humanidade, e por isto mesmo, devemos considerar, cada vez mais, como simples utopia todoas as concepções que encarem a atividade como limitavel a uma província ou a uma pátria.

            Concebendo o planeta inteiro como a única realidade, sob o duplo aspecto teórico e prático, os sentimentos de fraternidade universal acabarão por dominar as relaçóes até aqui entregues à ferocidade, á cúpidez e aos caprichos.

            Regulamentar as relações terrestres supõe, então, que se hajam prèviamente determinado, à luz das leis positivas, a constituição hodierna, econõmica, mental e moral, das diversas partes do planeta, para dai deduzir, em seguida o modo que mais convem á sua encorporaçáo ao movimento do Ocidente.

            Cóntudo, este vasto campo de atividade só podera ser abeirada pelos governos, depois da renovação religiosa do Ocidente, em que se concentrará, a principio, a elaboração filosófica essencial. Até lá, cumpre ser extremamente reservado na escolha dos empreendimentos coletivos e no estabelecimento de relações muito íntimas, sem perder de vista, principalmente, o futuro que se trata de preparar.

            Não devemos cuidar, realmente, de submeter os oríentaís a uma imitação, tão vã quanto absurda, da marcha ocidental, que, aliás, não é suscetivel de reproduzir-se. Cumpre, pelo contrario, poupá-los a ensaios inúteis, graças a uma assistência fraternal. Só por len­tissimas modificações, principalmente morais, será pos­sivel aproximar a sua constituição da ocidental.

            Acelerar esta marcha, eplicando o principio da livre troca, equivaleria, no tocante às castas industriais das Indias, a condená-las à morte pela fome, porque suas crenças se opõem a que mudem de profissão.

            Poderíamos estender esta observação aos costumes propriamente ditos. Uma transição será, pois, absolutamente necessária, se quizermos evitar catástrofes, cujas primeiras vitimas seriam os orientais, mas que não tardariam a refletir-se sõbre o proletariado ocidental.

            Só ao sacerdócio da Humanidade caberá dirigir as relações planetárias e estender a fé positiva, sob formas apropriadas a seu estado atual, a principio entre os muçulmanos e russo, depois entre os indús e as populações do Extremo Oriente, e, por fim, ao resta da terra.

            Por meio dê missfles confiadas a almas de escol, ele intervirá junto dos chefes, para consolidar, nas po­pulações que governam, tudo quanto houver de convergente em seus costumes e em suas instituições. Oferecendo as garantias mentais e morais necessárias, os missionários positivistas obterão dos governos ocidentais o auxilio legitimo, principalmate financeiro, que devem dar a todos quantos contribuirem para a consolidação da ordem planetária.

            Enquanto se efetuar esta obra religios,  o Ocidente completá-la-á politicamente, respeitando sempre a condição das populações atrasadas, ao enves de desagrega-las prematuramente, como se fez na Turquia, ou de destrui-las, como na Oceania e na Africa.

            Reagir contra o proselitismo revolucionario é um dever não menos urgente. Cumpre auxiliar os chefes orientais nas medidas de proteção contra os missionários e contrabandistas, que, em nome de principios cristãos, industrialistas ou humanitários, vém envenenar, embrutecer e oprimir suas populações.

            Em resumo, as únicas operações políticas coletiva, serão temporárias e destinadas, sobretudo, a manter a ordem sóbre a Terra. Supõem uma creação importante e indispensável para vigiar e reprimir os perturbadores —    a da marinha ocidental — isto é, de uma policia dos mares.

            O positivismo, órgão da civilização, pela fé demonstrada, apela para o Ocidente regenerado, afim de que desempenhe uma nobre missão: repudiar o sistema de conquistas, sustentar os benefícios da paz contra as violências dos fortes, e só defender sobre a Terra os interesses gerais da Humanidade!

            Tal politica, rompendo com o estreito egoismo na­cional, necessário ao passado, para subordinar-se à ética universal, prosseguirá seus grandes designios com a inflexibilidade do justo, com o espírito conciliante do sábio, permanecendo em tudo fiel à lealdade da moral, que tem por divisa — Viver Às claras!

            Possa a França republicana tomar essa grande iniciativa a tempo de conjurar novas tempestades e prevenir irreparáveis desastres!

            O Amor por principio e a Ordem por base; o Progresso por fim — tal é a fórmula verdadeiramente sa­grada que resume o conjunto da moral positiva. Por ela, quaisquer elementos da ordem humana serão re­grados sob todos os pontos de vista: diretamente, consoante à sua subordinação imediata a uma existên­cia mais geral: universalmente, conforme à dependên­cia para com o Ser Supremo, que, por seu turno, está sujeito à fatalidade terrestre.

            A necessidade da moral positiva se acha inteiramente determinada, tanto pelas condições da situação, quanto pelas tendencias universais da natureza huma­na. Fornece aos homens de pensamento e aos homens de ação um terreno comum, que permitirá assentar só­bre bases indestrutiveis a existência feminina e proletaria.

            O destino da pnlitica positiva, é estabelecer sistematicamente o reino pacifico da Humanidade, á vista do aperfeiçoamento universal.

            O novo poder espiritual construiu os principies gerais de direção, que fará preválecer no govêrno da natureza humana. Os deveres que teen por fim regularizar a evolução do conjunto dos elementos sociais o estado normal não podem ser nem adivinhado, nem revelados; só poderão ser instituidos depois de estudos geral e profundo dos fenõmenos humanos, cujas leis será necessário descobrir e coordenar. Para só há um caminho — a Sociologia — sobre a qual futuramente, tenciono dizer-vos alguma coisa.

            Graças a esta exposição, pode fazer-se juatiça às concepções vulgares sobre a Religião da Humanidade. Essa vasta construção de Augusto Comte aparece agora como uma doutrina livre de todos os conceito, heterogêneos, que comprometiam suas grandes noçõs e morais.

            Respeitando as individualidades, pessoais, familiares e civicas, faz convergir as naturezas de escol, de ambos os sexos, de todas as classes e de todas as nações.

            Constituirá, assim, a livre opinião pública, cujo papel será fazer aceitar e respeitar, integralmente e por toda a parte, as regras da moral demonstrada, e realizar, com o apõio de todos os homens de boa vontade, o reino da paz sobre a Terra.

            Resta-nos agradecer-vos a atenção e a liberdade que nos concedestes durante tão longa conferência na qual, entretanto, só pudemos indicar, em termos gerais, um conjunto considerável de concepções e trabalhos destinados ao serviço da Humanidade. 



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